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Acessibilidade em condomínios: áreas de uso comum precisam ser adequadas
Reportagem

Acessibilidade em condomínios: áreas de uso comum precisam ser adequadas

Para os edifícios construídos nos últimos 20 anos, os padrões de acessibilidade já devem fazer parte do projeto. Para os erguidos antes, é preciso se adaptar de acordo com a demanda
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 29-06-2024: O casal Alessandra e Vandevaldo é cego e mora em um conjunto habitacional em Caucaia, eles falaram que têm muitas dificuldades na acessibilidade do condomínios. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 29-06-2024: O casal Alessandra e Vandevaldo é cego e mora em um conjunto habitacional em Caucaia, eles falaram que têm muitas dificuldades na acessibilidade do condomínios. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Chegar a um condomínio para um aniversário e ter estacionamento prioritário, com calçada rebaixada, rampa na portaria, superação de desníveis, piso tátil, elevador com tamanho para cadeira de rodas, corredores que possibilitem ao cadeirante não voltar de ré. Se o edifício foi construído nos últimos 20 anos, a descrição acima não parece mentira — na verdade, deve ser obrigação. Se a edificação foi erguida antes disso, precisa adaptar seus espaços de uso comum.

Acessibilidade em locais privados, como condomínios residenciais, virou notícia após a moradora de um residencial no bairro Parquelândia, em Fortaleza, acionar o Ministério Público do Ceará (MPCE) porque seu filho, cadeirante, não conseguia acessar a piscina do local. Uma escada impede que ele tenha acesso ao equipamento, importante para o seu tratamento contra uma doença autoimune.

A falta de uma rampa resultou em ação judicial e na determinação, sob pena de multa de até R$ 100 mil, para que o condomínio apresente um cronograma de obras para garantir acessibilidade nas áreas comuns. De acordo com o MPCE, à moradora, a administração do local argumentou que o decreto que regulamenta a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2018, é anterior às licenças de construção.

“A Lei Brasileira de Inclusão garante acessibilidade a todos os locais. Os que não tem, precisam se adaptar. Ainda que o imóvel seja anterior, a obrigação que ela estabelece é universal”, afirmou o promotor de Justiça Eneas Romero.

Conforme ele, as únicas exceções previstas são quando há uma proteção constitucional ao imóvel, como no caso de bens tombados. “E ainda assim a acessibilidade é necessária, claro, sem descaracterizar o local. O MPCE já atuou em casos como o do Theatro José de Alencar, para garantir acessibilidade”, complementa o promotor.

Além da lei brasileira, o promotor destaca outro dispositivo legal que respalda a decisão da Justiça, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em 2007 nos Estados Unidos e incorporada pelo Brasil dois anos depois.

Nacionalmente, para estabelecer critérios e parâmetros técnicos para os projetos de construção, instalação e adaptação de edificações, existem duas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): números 9.050 e 16.537.

A primeira é válida desde 2004 e trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. A segunda, de 2016, tem foco na instalação de sinalização tátil no piso voltada à acessibilidade para pessoa com deficiência visual ou surdo-cegueira. Foi com base nessas normas que o Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público (Natec), no caso do condomínio da Parquelândia, elaborou relatório indicando cronograma de execução e demonstrativo das obras.

“O que cabe, em alguns casos, e foi como o MPCE atuou nesse, é se não houver condições de fazer as adaptações naquele momento, que se estabeleça um cronograma. Mas a obrigação é universal. É importante dizer que a vistoria foi na área comum, onde todo cidadão tem o direito de estar”, considera o promotor. E “todo cidadão” significa, além de pessoas com deficiência, aqueles que, por algum motivo, têm mobilidade reduzida.

Os conselheiros federais do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Lucas Rozzoline, e Denise Sá, são categóricos ao deixar claro que, independente de gastos ou adaptações mais ou menos complexas, se há uma demanda legislativa e social, a acessibilidade precisa ser uma realidade.

“A questão da acessibilidade é desenho universal, onde tudo tem que estar acessível para todos em todas as áreas comuns. Mulheres grávidas, que têm dificuldade de andar, pessoas idosas, crianças... As normas abrangem todos”, explica.

Lucas reitera que, mesmo se um espaço for privado, como uma loja, mas que é de acesso público, tem a obrigação de cumprir as normas. A única construção que não precisa concretizar os padrões de acessibilidade é a unifamiliar.

“Se esses padrões são levados em consideração desde o início da construção, os custos são poucos. As adequações, já com o prédio erguido, teriam custo maior, mas também não muito elevado, porque são adaptações simples”, complementa Denise.

Os conselheiros afirmam que, desde o início da LBI, há 10 anos, as construtoras já estavam sinalizadas que as pessoas poderiam entrar com ações no MPCE, o que colaborou para que as novas construções já contassem com os padrões de acessibilidade adequados. Foi também em 2004 que o decreto presidencial nº 5.296 deu status de lei às normas 9.050 e 16.537 da ABNT.

De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon), Patriolino Dias, atualmente, a maioria dos projetos construtivos já têm projetos de acessibilidade.

“(O movimento está) Mais forte nos últimos cinco anos. Os incorporadores despertaram para isso e acham que é importante e necessário. Acho que até há mais tempo, lembro de empreendimentos que lançamos em 2012 e já tinha projeto”, afirma Patriolino. Ele reforça a compreensão de que, se feitas desde o início das construções, as adequações não têm custos tão significativos. “Logicamente, tudo depende do quão regular é o empreendimento.

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A peleja de quem não tem acessos garantidos

Da casa para o apartamento. Pessoas com deficiência relatam como a vida em condomínios é mais difícil, principalmente se já havia a experiência da morada em uma casa. Da localização do portão de entrada certo a um bom banho de chuveiro, quem precisa de acessibilidade lançam mão de estratégias — e não de direitos — para ir e vir, viver e morar.

"Havia uma grade de ferro bem na frente do meu apartamento. Para entrar, tinha de ser pela lateral, estreita. E a cadeira de rodas já dava trabalho, porque não tinha rampa. Eu tirei a grade e fiz uma rampa. O síndico disse que não ia tirar, que não podia, que ia mexer na estrutura do condomínio", conta Francisco Antônio Alencar, 48, aposentado. Foi exatamente há 10 anos que, após um acidente de moto durante a Semana Santana em Aiuaba, a 435 km de Fortaleza, ele ficou paraplégico.

Quando voltou para a Capital, mesmo com um apartamento no térreo, ser cadeirante fez diferença. Faz até hoje, tanto que os planos já são de voltar para o Interior. "O apartamento é pequeno. Eu também nunca tomei um banho de chuveiro. Até tinha como reformar, mas ia mexer muito na estrutura. Eu adaptei uma barra de ferro de metal na casa, que ajuda a me locomover, me virar com a cadeira. Aí fiz um ralo no quarto pra tomar banho", detalha Francisco. Ele conta que sente falta da água caindo pelo corpo lá de cima, frisa que "não tem comparação", mas que os planos agora são outros.

Após uma década de fisioterapia e tratamentos sem voltar a andar, o ex-vendedor planeja construir, em Aiuaba, uma casa realmente adaptada. Além do tamanho do banheiro, que o possibilite se deliciar com um chuveiro "geladinho e forte", Francisco quer fazer armários que ele alcance e que consiga usar as pias da cozinha e do banheiro. "Minha pia aqui, eu consigo lavar louça, mas porque não tem armário. No banheiro eu já não consigo", diz.

Na área comum do condomínio de Francisco há uma churrasqueira, que, segundo ele, "é até mais perto do portão". Mas ele preferiu construir um espaço de lazer no próprio quintal. Fica menos problemático. O que o cadeirante ressalta, porém, é a questão do respeito, que poderia desproblematizar barreiras que nem deveriam existir. "Essa resistência das pessoas, do síndico ou da pessoa que estaciona na vaga prioritária, é uma luta que nunca acaba, porque está em todos os lugares".

O massoterapeuta Vandevaldo do Nascimento Caetano, deficiente visual, 42, traduz o que Francisco disse: acessibilidade atitudinal, que é diferente da arquitetônica.

"Porque às vezes tem a estrutura, o piso tátil, mas as pessoas nem sabem que aquilo é um piso para ajudar pessoas com deficiência. É muito comum, nos terminais de ônibus, todo mundo ficar em cima", pondera. Existem ainda as acessibilidades comunicacional, metodológica, programática, instrumental e digital.

Ele e a esposa, também deficiente visual e massoterapeuta, Alessandra de Oliveira Gonçalves, 42, moram no bairro Nova Metrópole, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Residentes em apartamentos da categoria moradia popular, eles não têm acesso nem a uma lógica condominial, que permita debates e cobranças sobre acessibilidade. São blocos de prédios, separados por portões, que servem de guia para que o casal saiba qual porta abrir.

"O que ainda traz esperança pra gente se locomover é que sabemos técnicas de como usar as bengalas na rua e muitas pessoas ajudam", ressalta Vandevaldo.

Foi quando questionado sobre precisar de ajuda que ele destacou a acessibilidade atitudinal. "Eu posso ser o cego mais orientado do mundo, mas eu sempre vou precisar de alguém. A gente nunca vai ter autonomia total, por isso é tão importante que haja respeito, tanto das barreiras físicas como da acessibilidade atitudinal".

Legislação de acessbilidade no Brasil

Lei 10.098 - ano 2000

- Considerada o prelúdio na construção das legislações de acessibilidade

-Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida

Decreto 5.296 - ano 2004

- Regulamenta a Lei 10.048, de 2000, que dá atendimento prioritário a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida

- Regulamenta a Lei 10.098, de 2000, que trata das condições gerais de acessibilidade arquitetônica e urbanística, da acessibilidade na habitação de interesse social, aos bens culturais imóveis, nos serviços de transportes coletivos e do acesso à informação e à comunicação

-Coloca a obrigatoriedade de realizar acessibilidade nas áreas de uso comum

-Coloca prazos para as adaptações que precisam ser realizadas

-Define que a acessibilidade deve ser garantida por meio de duas Normas Técnicas da ABNT

ABNT NBR 9050

-”Estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade”

- Trata de parâmetros antropométricos, que considera a medida das dimensões físicas de uma pessoa; de comunicação e sinalização; acessos e circulação; sanitários e vestiários; equipamentos urbanos e mobiliários

NBR 16537

- “Estabelece critérios e parâmetros técnicos observados para a elaboração do projeto e instalação de sinalização tátil no piso”

- Trata da sinalização tátil e visual do piso em degraus, escadas, calçadas e rampas, na travessia de pedestres, em elevadores, bilheterias e balcões de atendimento, máquinas de autoatendimento e outros

Decreto 9.451 - ano 2018

- Regulamentou a Lei 13.146, de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência

- Detalha o que, de forma embrionária, estava na lei de 2015

- Vai exceder a questão das áreas comuns para legislar sobre os parâmetros de acessibilidade dentro dos apartamentos, definindo que o sistema construtivo a permita 

- Desta forma a pessoa consiga converter sua unidade em internamente acessível caso venha, por exemplo, a usar uma cadeira de rodas

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