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Turismo LGBTQIAPN+: Mercado promissor, mas invisível aos dados dos governos
Reportagem

Turismo LGBTQIAPN+: Mercado promissor, mas invisível aos dados dos governos

Turismo LGBTQIAPN+, segmento especializado em serviços voltados a segurança e acolhimento desse público
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O CASAL Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani na praia do Cumbuco, litoral Oeste do Ceará (Foto: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani / Arquivo pessoal)
Foto: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani / Arquivo pessoal O CASAL Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani na praia do Cumbuco, litoral Oeste do Ceará

“A população LGBTQIA+ é uma das que mais crescem no turismo mundial” e “são viajantes que deixam em Fortaleza o ticket de gastos acima da média”. Essas são algumas das frases ditas por quem olha para o turismo levando em conta o impacto do nicho LGBTQIA+ no mercado. Porém, o discurso esbarra na falta de dados nacionais oficiais sobre a importância deste público no Brasil ou no Ceará.

Turisticamente o Estado vem retomando os resultados. Segundo Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no último dia 12 de junho, a atividade turística cearense cresceu 6,8% em relação a março de 2024, o dado é referente ao mês de abril deste ano.

Mas não existe a estratificação de perfis e do quanto este "público muito importante" LGBTQIA+, conforme ditam os discursos dos gestores, representa.

Para a economista Carolina Matos, isso ocorre porque não existe mistério quanto às preferências de mercado desse público, já que essas são um retrato da demanda turística diversificada.

“Eles querem praias, querem ir aos eventos pride (voltados para especialmente para público LGBTQIA+), mas também querem sossego, querem acampar, querem hotéis confortáveis. Portanto, o que se fala de turismo LGBT+ não é um mero recorte do mercado para ser explorado em sua potencialidade individualizada, porque a abordagem do mercado já é feita por meio das pesquisas de demandas turísticas em geral”, afirma a economista.

O turismo LGBT+ é um segmento especializado em estabelecimentos, destinos e prestadores de serviços voltados à comunidade, focados em garantir segurança e acolhimento.

Apesar da negligência de dados, já existem movimentações governamentais que fomentam o turismo LGBT+ no Brasil.

Em dezembro de 2023, durante o Salão Nacional do Turismo, realizado em Brasília, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e a Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, assinaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT).

O ACT tem como objetivo unir esforços para promover internacionalmente e apoiar a comercialização dos destinos brasileiros classificados como estratégicos para o segmento.

Um dos frutos do acordo foi a 8ª Conferência Internacional da Diversidade, que foi realizada em abril de 2024, em São Paulo. Na ocasião, a Secretaria da Diversidade do Ceará (Sediv), em parceria com a Secretaria do Turismo (Setur), estava presente e o Estado contou com uma mesa para rodada de negócios e fomento de networking com empresas e instituições.

Segundo Carolina, a crescente proporção da comunidade, dentro do total de turistas, é um fator relevante por si só. E para trabalhar com esse fenômeno, o turismo para esse nicho é fundamental para atentar à receptividade desses turistas, na direção de estruturar locais onde eles sejam bem recebidos, respeitados e que não passem por situações de constrangimento ou corram risco de sofrer violência.

“Sabe-se que o Brasil é um dos países onde mais morrem pessoas LGBTQIA+ e que casos de intolerância ainda são recorrentes. Então, o crescimento do turismo LGBTQIA+ pode ser pensado a partir disso, pois se dará em grande parte com as consequências de políticas públicas voltadas ao acolhimento, ao respeito e à segurança”, afirma.

A economista ainda lembra que é papel dos organismos governamentais realizar campanhas de conscientização aos empreendimentos turísticos com o funcionamento de leis de proteção.

 

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A escolha do destino pela segurança

O casal Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani, donas do blog de viagens "Estrangeira", já visitou o Ceará duas vezes e conta que a segurança é essencial na escolha do destino, mesmo que esse seja mais caro. "Às vezes priorizamos ficar em bairros que já são conhecidos como bairros LGBTQIA , onde estão os bares. E como qualquer viajante, se tem algum lugar que tem fama de ser mais violento, independentemente de ser homofóbico ou não, naturalmente a gente evita esses locais também", reitera Fabia.

As viagens do casal são precedidas por um sério planejamento, em que elas pesquisam os melhores preços e realizam as reservas com antecedência. Elas destacam que, com o auxílio do Google Maps, organizam todos os locais que querem visitar, para conseguir conhecer o máximo de lugares possíveis no mesmo dia, além de tentarem usar milhas para as passagens de avião. Outro ponto do planejamento, é que elas não viajam para destinos declaradamente homofóbicos.

"Nós nunca sofremos nada grave, o que acontece são pequenas violências verbais, não chegamos a ser xingadas, mas, às vezes, falta preparo dos lugares. Muitas vezes queremos reservar uma cama de casal e as pessoas falam: 'Tem certeza? Não são duas câmeras de solteiro?'. É algo que com treinamento não aconteceria", ressaltam.

Fabia e Gabi afirmam que para elas não é necessariamente o destino em si ou as atrações que já estão prontas que provam que o local é friendly (amigável), mas sim o preparo dos profissionais para receber a população LGBTQIA . "Tínhamos a ideia de que destinos como capitais poderiam ser mais seguros. Porém, recentemente tivemos a experiência de ir para Praia Grande, nos Canyons do Sul, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, um lugar minúsculo, onde fomos muito bem recebidas, porque lá existe um casal de lésbicas que tem uma agência e fazem treinamentos com os restaurantes e com os fornecedores que realizam passeios, elas conseguiram construir uma coisa muito friendly e acolhedora", destacam.

E finalizam: "Ano passado, fomos para a Tailândia. E por ser na Ásia, um local com uma cultura tão diferente, ficamos nos perguntando como seria, e no fim foi maravilhoso, porque eles têm essa postura de respeitar o outro, independente de religião ou da orientação sexual. Foi a melhor viagem que já fizemos na vida".

Hospitalidade inclusiva e acolhedora

A importância de visitar destinos que proporcionam um ambiente seguro e inclusivo foi também destacada pela pesquisa realizada entre abril e maio de 2024, pela "Booking.com". Os dados da empresa afirmam que a discriminação continua sendo uma das principais preocupações da experiência de viagem dos turistas LGBTQIA brasileiros, com 58% tendo experimentado algum tipo de preconceito durante suas viagens.

A "Booking.com" é responsável pela criação do programa Travel Proud, que oferece treinamento gratuito sobre hospitalidade inclusiva para acomodações, para auxiliá-las a compreender os desafios específicos enfrentados pelos viajantes LGBTQIA . Essas acomodações se comprometem a colocar em prática os aprendizados e identificam meios para serem mais inclusivos. Após a especialização, eles receberão a certificação Proud e com ela o selo Travel Proud na página da propriedade no site.

Em junho do ano passado, o gestor de marketing da agência de viagens fortalezense Sun Travel, Humberto Farias, esteve no evento de lançamento do selo Travel Proud no Brasil.

"Durante o evento, eles trouxeram o dado que nove a cada dez dos viajantes entrevistados (92%) se preocupam com a segurança e bem-estar ao escolher um destino. Para nós, a maior importância é garantir essa tranquilidade ao cliente", lembra.

Humberto revela também que outro ponto fundamental para capacitação da empresa nesse segmento foi o depoimento de um cliente. "Ele contou seus problemas e a frase que mais nos marcou foi: 'Eu tenho dinheiro para viajar, mas eu não viajo com medo de ir e não voltar por ser agredido'".

Bárbara Redes, gestora de marketing e produtos da "Wee Travel Turismo", outra agência de viagens da Capital, reforça a necessidade do acolhimento.

"As pessoas falam: 'Ter coisas especiais, tem que pensar em programação diferenciadas', e em primeiro lugar, essas pessoas querem ser respeitadas, elas querem não sofrer preconceitos."

Renan Silva, gerente operacional da "Wee Travel Turismo", participou no início de junho, em Los Angeles, do "Proud Experiences", maior evento de viagens do segmento de viagens LGBTQIA , e também destacou a necessidade por mais destinos e serviços friendly, além de salientar o perfil de consumo desses turistas LGBTQ .

"Durante o evento foram apresentados dados do "Instituto Gallup" que destacam que 7% da população americana se identificava como LGBTQIA . E falando de Brasil, 30% das vendas de pacotes de viagem são para este público. Assim, percebemos que é um público mais rentável porque é público que está procurando um produto melhor, de qualidade e personalizado", afirma Renan.

Para o economista Alex Araújo, essa rentabilidade está associada à maturidade. "Esse grupo valoriza o usufruto do turismo como um bem de consumo. É um público que gosta de viajar bem, de consumir produtos de qualidade e de buscar experiências que sejam diferenciadas, mesmo que elas custem mais", conclui. 

O Ceará na rota dos destinos do turismo LGBTQIAPN

Dados da pesquisa "Travel Proud" de 2023, realizada pela "Booking.com", revelavam que Fortaleza ocupava a quinta posição entre os destinos mais inclusivos para a população LGBTQIA . Em junho do ano passado, O POVO esteve no evento de lançamento do selo "Travel Proud" no Brasil, promovido pela Booking.com. Na ocasião, Luiz Cegato, gerente de Comunicação da Booking.com na América Latina, citou Jericoacoara como referência em roteiros litorâneos.

"As experiências inclusivas em destinos do Nordeste têm sido incríveis. Não estou falando somente de grandes capitais, estou falando de Jericoacoara (Ceará), Porto Seguro (Bahia), São Miguel dos Milagres (Alagoas)", apontou Luiz.

Para Maurício Oliveira, especialistas em expedições na Rota das Emoções, percurso turístico que passa pelos estados do Maranhão, Piauí e Ceará, aponta que além de Jericoacoara, diversas outras praias do Estado como, Flecheiras, Cumbuco e Icaraí de Amontada, já estão sendo bastante procuradas pelo público LGBTQIA .

De acordo com o economista Alex Araújo, um fator determinante para a movimentação e fixação do turismo cearense como o destino acolhedor para o público LGBTQIA é o uso estratégico do marketing de influência. "Essa seria uma estratégia relevante para adensar esse fluxo receptivo de turismo com campanhas que promovem o destino pela beleza, mas trabalhar também com o marketing de influência para reforçar a necessidade do turismo LGBTQIA , já que cada vez mais ele é importante para a economia do Estado", destaca.

Mais sobre turismo LGBTQIAPN

International LGBTQ
Travel Association (IGLTA) 

Associação Internacional de Viagens LGBTQ , fundada em 1983, fornece recursos e informações gratuitas sobre viagens, enquanto promove a igualdade e a segurança no turismo LGBTQ em todo o mundo.

A IGLTA está em mais de 80 lugares do mundo com acomodações, transportes, destinos, prestadores de serviços, consultores de viagens, operadores turísticos, eventos e mídia de viagens.

Site: iglta.org/foundation/

Viagens: iglta.org/plan-your-trip/ 

Estrangeira - Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani

Blog: estrangeira.com.br

Instagram: @estrangeiraviagens

Rota das Emoções - Maurício Oliveira

Site: rotadasemocoesbrasil.com.br

Instagram: @rotadasemoçoesbrasil_

SUN TRAVEL

Endereço: Avenida da Abolição, 2950 - Meireles, Fortaleza 

Contato: (85) 98146-0575

Horário de Funcionamento: em loja, de segunda a sexta, das 8h às 16h. Nas mídias sociais com horário expandido de acordo com as demandas.

Instagram: @suntravel_fortal

Wee Travel Turismo

Endereço: Av. Santos Dumont, 2828 - Sala 1301 - Aldeota, Fortaleza

Contato: (85) 4042-0060

Horário de funcionamento: segunda a sexta: 8h às 19h

Instagram: @somoswee

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