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Padre Cícero é maior hoje do que era quando morreu, há 90 anos
Reportagem

Padre Cícero é maior hoje do que era quando morreu, há 90 anos

A figura do sacerdote "Conselheiro do Sertão", que morreu em 20 de julho de 1934, se renova. A previsão é que em novembro seja concluído o processo diocesano, que investiga sua história e antecede um pedido formal ao Vaticano para sua beatificação
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Estátua de Padre Cicero no Horto, em Juazeiro do Norte (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Estátua de Padre Cicero no Horto, em Juazeiro do Norte

Passados 90 anos do registro de sua morte, em 1934, em Juazeiro do Norte, num dia 20 de julho como hoje, Padre Cícero Romão Batista segue como um ímã. Sua figura é muito maior do que a daquele tempo. É assim que entendem e são atraídos os pesquisadores, religiosos e a gente romeira que o segue e o santifica espontaneamente desde então. Para muitos, aquele momento foi a sua transição para os altares populares, dos domicílios mais modestos aos vários locais públicos e espaços sagrados da "Joazeiro" que ele ajudou a fundar. O fenômeno religioso se consolidou antes do aval da Igreja Católica Apostólica Romana, que o reabilitou e avalia para ele uma provável vaga nos altares oficiais da Santa Sé.

"No imaginário popular, Padre Cícero não morreu, ele se mudou. Isso a gente escuta muito do romeiro. Para o romeiro, ele permanece vivo na sua luta, sua presença. Padre Cícero é considerado Patriarca do Juazeiro e o Conselheiro do Sertão. Então, nesta romaria de morte, é celebrada a memória dos 90 anos e sua passagem para a eternidade", descreve José Carlos dos Santos, pesquisador e professor de Filosofia da Universidade Regional do Cariri (Urca) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Este sábado será o fechamento da programação festiva e romaria celebrativa na cidade.

Naquele dia de sua dita “mudança”, a notícia correu léguas e teve tanta repercussão ao ponto de, segundo o professor, o sepultamento ter sido testemunhado por uma multidão estimada de 60 mil pessoas. O povo romeiro apareceu de todas as bandas do Nordeste, segundo os relatos da época. Padre Cícero morreu em sua casa, na rua São José, no centro da cidade juazeirense, no leito de sua cama. Convalesceu por dias, fraquejado de uma paralisia intestinal. A causa mortis foi apontada no atestado de óbito.

Já no dia 19, os telegramas que saíram de Juazeiro para a Capital apontavam a preocupação e o desfecho iminente: “Crato, 19 - Padre Cícero muito mal”; “Joazeiro, 19 - Padre Cícero estado grave".

Na manhã do dia 20, uma sexta-feira, deu-se a confirmação, transmitida via telégrafo por um emissário colaborador de notícias que se chamava Jesus Rodrigues: "Joazeiro, 20 - 8hs.,45. Acaba de falecer padre Cícero. Povo em desespero. Mandarei pormenores".

Padim Ciço cruzou iguais 90 anos na vida terrena. Nasceu no Crato em 24 de março de 1844. Foi ordenado padre em 1870, no seminário da Prainha, em Fortaleza. Ampliou sua influência muito além das atividades sacerdotais tradicionais. Mais que confessor, era ouvinte e orientador. Tornou-se político, o primeiro prefeito, em 1911, da Juazeiro do Norte que ajudou a "fundar". Chegou no arraial em 1872, quando ali ainda era uma localidade de 30 casebres ligada a Crato. Quando ele morreu, o município já tinha cerca de 40 mil moradores.

A previsão é que até novembro deste ano seja concluída a fase diocesana do processo, iniciada em novembro de 2022, de sua possível beatificação. É a etapa que antecede a etapa romana do mesmo processo, que passaria a tramitar em instâncias superiores, no Vaticano. A informação desse prazo é admitida pelo padre Wesley Barros, o vice-postulador do processo em nível local, dentro da Diocese do Crato. Há um outro postulador em Roma, o italiano Paolo Vilota . "É a nossa meta, não sabemos se vamos alcançar", diz o religioso.

A partir de demandas definidas pelo Tribunal Eclesiástico da Diocese do Crato, padre Wesley articula e acompanha também o trabalho de outras duas comissões: a histórica, composta por pesquisadores, que faz o levantamento de documentos pessoais e de sua atividade e escritos feitos sobre ele ou redigidos pelo próprio Padre Cícero; e a comissão de teólogos, com estudiosos e religiosos em teologia, com nomes definidos sigilosamente, que analisam todo o material e pontuam se os pensamentos, a conduta e a personalidade de Cícero Romão Batista ferem em algum momento a doutrina da Igreja Católica.

O Tribunal Eclesiástico Diocesano, composto por bispo, padres e leigos, também foi responsável pela escuta minuciosa de pessoas com testemunhos de fé mais específicos, ou que tenham sido próximos de quem conviveu diretamente com o Padre Cícero — dado o longo período desde sua morte. "Já ouvimos em torno de 60 pessoas. E ainda temos a ouvir. Porque à medida que você vai ouvindo uma pessoa, que alguém é citado naquele depoimento, então esse alguém também tem que ser ouvido. Vai criando uma teia de aranha até que a gente tenha esgotado", detalha padre Wesley.

"As questões polêmicas, se afinal houve ou não o milagre em Juazeiro (quando a hóstia dada à beata Maria de Araújo teria virado sangue em sua boca, em 1º/3/1889), se ele era um coronel ou não, se ele cometeu determinadas coisas arbitrárias ou não. Não existe isso. Essas questões terminam sendo abordadas a partir daquilo que se releva como virtudes do candidato", explica Renato Casimiro, um dos pesquisadores que integram a Comissão Histórica do processo diocesano. Segundo ele, o interesse da investigação é saber "como é que era a personalidade dele, qual foi a conduta que ele assumiu enquanto ministro da igreja e coisas desse tipo. Qual era a relação dele com o povo, com as famílias, com a juventude". Sua definição como um possível beato ou canonizado sairá deste olhar minucioso. 

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Notas

> A beatificação é o reconhecimento de 11 virtudes heróicas (fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortaleza, temperança, pobreza, castidade, obediência e humildade), grau que antecede o da canonização, a santificação oficial.

> Padre Cícero hoje é citado com Servo de Deus, quando a Igreja o considera apto para uma possível beatificação. Em 2015, mesmo décadas após sua morte, foi emitido o “Nihil Obstat” (Nada Contra), que o reabilitou para as permissões sacerdotais.

JUAZEIRO DO NORTE, CE, BRASIL, 28.07.2019: Estatua de Padre Cicero. Geositio do Horto.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
JUAZEIRO DO NORTE, CE, BRASIL, 28.07.2019: Estatua de Padre Cicero. Geositio do Horto. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

Padre Cícero: missa pelos 90 anos de morte terá presença de todos os bispos do Ceará

A romaria celebrativa de todo 20 de julho em Juazeiro do Norte, que relembra a cada ano a morte do padre Cícero Romão Batista, está sendo especial em 2024. O vento marca os 90 anos do falecimento do religioso, que desde novembro de 2022 tem seu nome sendo avaliado oficialmente pela Igreja Católica num processo de beatificação.

Esta etapa, que ainda cumpre trâmites em nível local antes de ser enviada para o Vaticano, antecede uma possível canonização — mesmo ele já tendo sido santificado pelo povo romeiro.

A programação festiva, organizada pela Diocese do Crato, foi iniciada na última quarta-feira, 17, e terá seu ápice neste sábado, 20, na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde foram sepultados os restos mortais do sacerdote.

Logo cedo, às 6 da manhã, haverá uma grande concelebração com a presença de todos os bispos das nove dioceses do Ceará, mais padres, outros religiosos e gente romeira de todos os estados do Nordeste que se devotam ao "Padim Ciço".

A condução inicial deverá ser feita pelo bispo dom Magnus Henrique, da diocese do Crato. Haverá mais quatro missas ao longo do sábado, até as 18 horas.

O bispo da diocese de Salgueiro, em Pernambuco, monsenhor José Vicente, que já foi vigário geral em Juazeiro e integra o Tribunal Eclesiástico que analisa o processo diocesano de beatificação do Padre Cícero, também deve participar da cerimônia. 

O tema da programação é "Servo de Deus Padre Cícero, o Missionário do Sertão", e o lema é "Meu Padrinho, quantas saudades o Senhor deixou entre nós". O roteiro inclui missas, terços confissões e a sétima edição do Arraiá do Seu Vigário.

"A expectativa é que umas 50 mil pessoas devam passar pela Capela do Socorro para fazer a visita ao túmulo daquele que foi o fundador da cidade de Juazeiro do Norte", afirma o padre Cícero José da Silva, pároco e reitor da Basílica Santuário de Nossa Senhora das Dores. 

Outro momento de destaque será a primeira edição da Romaria do Clero diocesano de Crato. São mais de 120 padres, que se reunirão na tarde desta sexta, 19, e na manhã de sábado, 20.

"Vamos olhar para o testemunho do Padre Cícero Romão e buscar nele a referência para o prosseguimento da missão que nós assumimos", destaca o padre Cícero José, um dos 12 sacerdotes que têm o mesmo nome do homenageado.

A estimativa dos organizadores religiosos e de gestores municipais é de que 150 mil visitem o município caririense entre o início e o encerramento dos festejos — quase 100 mil somente no fim de semana.

Além da agenda de missas, os romeiros também frequentam os chamados "espaços sagrados" da cidade, como a Estátua do Horto, o túmulo do padre e o Largo em frente à Capela do Socorro, a Basílica de Nossa Senhora das Dores, o Memorial (atualmente fechado para reforma), além de outros equipamentos públicos na região.

Padre Cícero nasceu em 24 de março de 1844(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Padre Cícero nasceu em 24 de março de 1844

Padre Cícero, Servo de Deus

Padre Cícero hoje ocupa o posto de Servo de Deus, condição formal dentro do processo de beatificação. Em outubro do ano passado, ele também teve seu nome inscrito no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, publicação oficial que reúne as pessoas mais influentes na história do Brasil. Em 2024 também foram celebrados seus 180 anos de nascimento.

São 90 anos de morte, foram 90 de vida. Cícero Romão Batista nasceu no Crato em 24 de março de 1844. Foi ordenado padre em 1870. Chegou ao então Arraial de Juazeiro do Norte em 1872, quando ainda era um povoado de 30 modestas habitações — hoje são mais de 280 mil habitantes.

Como padre e político (primeiro prefeito), foi ouvinte para orientações ou confissões, mas também punido, durante vários anos, pela Igreja Católica por sua postura controversa.

A partir de 1934, com a confirmação de sua morte naquela manhã de 20 de julho, o lugar e todo dia 20 entraram na agenda das romarias, organizadas espontaneamente pelos fiéis.

Mesmo que o padre tenha perdido, por décadas, o direito de conduzir missas e outros sacramentos. Reabilitado pela própria Cúria Romana desde 2015, pode se tornar o santo do sertão.


Programação da Romaria pelos 90 anos da morte do Padre Cícero

> Tema: “Servo de Deus Padre Cícero Romão, o missionário do Sertão”
> Lema: “Meu padrinho, quantas saudades o senhor deixou entre nós”

Programação

> Sexta-feira, dia 19/7

Basílica Santuário Nossa Senhora das Dores

Missas: 6h, 9h, 12h e 18h

15h: Terço da Misericórdia

18h: Terço Mariano

19h: Arraiá do Seu Vigário

Capela do Socorro

Missas: 7h, 10h e 16h

12h: Ofício das almas

Romaria do Clero

15h30min: Concentração junto à imagem de Padre Cícero (Horto)

16h: Recitação do Terço Mariano no itinerário da estátua até a Igreja Bom Jesus do Horto

16h30min: Formação sobre as realidades das romarias (Igreja de Bom Jesus do Horto)

18h: Missa na Basílica Santuário Nossa Senhora das Dores

 

> Sábado, dia 20/7

90 anos de falecimento do Servo de Deus Padre Cícero

Basílica Santuário Nossa Senhora das Dores

Missas: 9h, 12h e 19h

15h: Terço da Misericórdia

18h: Terço Mariano

20h: Quermesse na Cozinha Dona Quinô

Capela do Socorro

6h: Missa em sufrágio da alma do Servo de Deus Padre Cícero (encerramento da Romaria do Clero)

Missas: 10h, 12h,16h e 18h

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