Logo O POVO+
Guardiãs do Tempo: o estado das esculturas históricas nas praças de Fortaleza
Reportagem

Guardiãs do Tempo: o estado das esculturas históricas nas praças de Fortaleza

Apesar do valor histórico, as estátuas enfrentam o desgaste do tempo e o vandalismo. Especialistas ressaltam a importância de manutenção frequente dos patriônios
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Estátua de Rachel de Queiroz na Praça dos Leões está vandalizada, sem os óculos (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Estátua de Rachel de Queiroz na Praça dos Leões está vandalizada, sem os óculos

As praças de Fortaleza, especialmente as do Centro, são verdadeiros arquivos da cultura local. Com um total de 33 praças no bairro, muitas guardam estátuas, fontes, bustos e outros itens históricos que contam a história da cidade e de seus habitantes. No entanto, a preservação dessas obras de arte enfrenta inúmeros desafios, desde as consequências da ação do tempo até o vandalismo.

Entre os monumentos mais antigos de Fortaleza, todos localizados no Centro da Cidade, estão a estátua de General Tibúrcio (1888), na Praça dos Leões; o monumento ao General Sampaio (1900), no comando da 10ª Região Militar; a estátua de D. Pedro II (1913), na Praça da Sé; o monumento Cristo Redentor (1922), em frente ao Centro Dragão do Mar; e a escultura de José de Alencar (1929), na praça do mesmo nome.

Segundo Clarissa Salomoni, mestre em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, as esculturas são fisicamente acessíveis a um grande número de pessoas, que estabelecem experiências individuais e coletivas com as obras.

"Em Fortaleza, geralmente aparecem como ‘heróis’ proclamados na construção de símbolos nacionais. Carregados de simbolismo, respondem a um processo de criação e recriação de memórias e de uma história pública", diz a especialista.

Professora do Centro Universitário Christus (UniChristus), Clarissa já realizou visitas técnicas a 28 praças no Centro de Fortaleza. Ela explica que os desafios para a conservação das estátuas públicas da cidade incluem desde a identificação das obras até a implementação de estratégias integradas para a preservação dos monumentos e das praças.

"Hoje, muitas das estátuas estão sem identificação, o que pode provocar uma desconexão ainda maior entre a população e o significado desses monumentos. Muitas esculturas também possuem pichações, oxidações e algumas têm integridade incompleta. Também as praças onde estão situadas, muitas vezes, necessitam de ações para melhorar seu estado de conservação e funcionalidade", detalha.

O POVO foi então em seis praças da Capital para verificar o estado das estátuas históricas e os desafios de conservação enfrentados:

  • Praça dos Leões

A Praça dos Leões, oficialmente chamada Praça General Tibúrcio, possui uma escultura em homenagem ao militar cearense conhecido por sua participação na Guerra do Paraguai. Esse monumento, datado de 1888, foi o primeiro erguido em Fortaleza. O local também abriga o túmulo do General e outros itens históricos, como os icônicos leões e a escultura da escritora Rachel de Queiroz.

No início de julho, a Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) anunciou que as obras do local seriam restauradas, com conclusão prevista para novembro deste ano.

Com 50 anos de atuação como vendedor autônomo na praça, Emanuel Mendes Silva, 60, comenta que o restauro ocorre em boa hora, já que a maioria está oxidada e/ou com pintora descascando. Contudo, reforça que a segurança na praça deve ser intensificada para evitar futuros atos de vandalismo.

"A fiscalização aqui é precária. Apesar do prédio da Guarda Municipal estar logo ali, você não vê um guarda fazendo a ronda. Até a nossa amiga Rachel de Queiroz já vandalizaram e tiraram os óculos dela. À noite, a situação piora. O cuidado patrimonial aqui é zero", comenta.

 

abrir

A escultura "Criança com Golfinho", representada por uma criança tocando uma trompa sobre um peixe, também faz parte do acervo da praça. Em visita à Praça dos Leões no dia 4 de julho, a reportagem avistou o item quebrado no interior da câmara subterrânea sob o túmulo de General Tiburcio.

Conforme a Secultfor, a peça será retirada da praça para que seja efetuado o processo de restauro. As demais peças devem ser restauradas na própria praça. De acordo com a Prefeitura, uma empresa foi contratada para realizar o serviço, que deve seguir os princípios estéticos originais das obras. O investimento é de R$ 343.700.

Como recuperar uma estátua danificada?

O processo de restauração de estátuas públicas começa com uma análise detalhada do estado da obra. Francisco Alves Ferreira, restaurador com 30 anos de experiência no Ceará, explica que essa análise permite escolher os materiais e métodos adequados, sempre preservando o máximo possível o original.

A restauração começa com a higienização da peça. “Remoção de impurezas, como oxidação e corrosão, além de perdas de partes, muitas vezes causadas por vandalismo. Após os reparos, pode ser necessária a recomposição pictórica (imitar o efeito do envelhecimento). É importante também que seja feita algum tipo de proteção, como aplicação de verniz”, explica

Ferreira ainda destaca que um dos principais desafios é o tamanho e peso das peças, muitas vezes exigindo intervenções no local e dificultando o uso de certos materiais e etapas durante o dia.

Além disso, a aquisição de materiais adequados em Fortaleza é difícil, muitas vezes sendo necessário importá-los, o que encarece o trabalho. “Seria muito importante que o poder público tivesse a prática da manutenção periódica para que não houvesse necessidade de intervenções reparativas”, diz Ferreira.

  • Praça da Sé

Na Praça da Sé (oficialmente Praça Caio Prado), situada em frente à Catedral, encontra-se a terceira escultura mais antiga de Fortaleza, datada de 1913, dedicada a Dom Pedro II. A estátua mostra o imperador em pé, trajado como almirante, com a mão esquerda na espada. Apesar dos tapumes das obras da Linha Leste do Metrô, é possível ver que a escultura está cercada por vigas metálicas, mas não se sabe o quanto isso garante sua proteção. A cor entre azul e verde em algumas partes sugere que o bronze está oxidando.

Conforme alega a Secretaria da Infraestrutura do Estado (Seinfra), que realiza a gestão das obras do Metrô de Fortaleza, a estátua se mantém preservada e protegida, em área tapumada. Já a Secultfor explicou que a manutenção da escultura será realizada apenas após as obras na Praça.

  • Passeio Público

Também no Centro, o Passeio Público (Praça dos Mártires), datado de 1864, reúne várias esculturas em homenagem a figuras cearenses e réplicas de obras famosas e seres mitológicos. Tombado em nível federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o local foi revitalizado em 2020. Contudo, já é possível ver o início de deterioração em algumas esculturas, com a mudança de coloração e nas placas informativas.

De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secult), a manutenção do Passeio Público está em processo de análise de demandas a serem orçadas. "As intervenções englobarão a recuperação e a manutenção de todos os seus monumentos, que passarão por processos de conservação, limpeza e repintura", disse a pasta.

  • Praça da Lagoinha

A Praça da Lagoinha, ou Praça Capistrano de Abreu, enfrenta problemas graves: o busto do Dr. Abdenago Rocha Lima está pichado e deteriorado, e o monumento a Capistrano de Abreu está sem placa de identificação e com a base pichada. A praça está em reforma, com metade interditada, e o comércio desordenado ocupa grande parte do espaço, dificultando a circulação dos pedestres e até utilizando o monumento para venda de produtos.

abrir

A Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) informou que o ordenamento do comércio será feito após a conclusão da reforma, mas não deu detalhes sobre a conclusão das obras ou o restauro das estátuas.

  • Praça José de Alencar

abrir

Além do teatro ao lado, a Praça José de Alencar também abriga uma estátua dedicada ao escritor cearense que dá nome ao local. Feita de bronze, a estátua apresenta José de Alencar sentado em uma cadeira com um livro em uma das mãos. Sua base, de granito branco, infelizmente está pichada. Moradores de rua também utilizam o espaço para se abrigar de dia e de noite.

A Seger informou que realizará, nos próximos dias, uma vistoria técnica na Praça José de Alencar para levantar os serviços de infraestrutura e manutenção.

  • Praça do BNB

Na Praça Murilo Borges (Praça do BNB), está o monumento Fonte Luminosa. Datado de 1929, a fonte já foi instalada na Praça da Lagoinha e também no cruzamento da av. 13 de Maio com a av. da Universidade. Em 1984, foi fixada na praça Murilo Borges. A fonte ainda jorra água, de forma automática ela é ativada por volta das 16 horas, todos os dias. Além disso, apesar de ter passado por uma revitalização em 2019, apresenta sinais de oxidação.

 

abrir

A principal queixa dos frequentadores, contudo, é a condição dos bancos de madeira da praça, que estão quebrados e causam desconforto e já causaram acidentes. Em nota, a Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) anunciou que realizará uma vistoria técnica em breve para avaliar as necessidades de manutenção da praça.

  • Fora do Centro, a Praça do Liceu

Além do Centro, poucos bairros em Fortaleza têm um patrimônio cultural tão rico quanto Jacarecanga. Lá está a Escola Estadual Liceu do Ceará, a terceira mais antiga do País, com 178 anos. Em frente, a Praça Gustavo Barroso, que foi inaugurada há 83 anos. Figura controversa, o cearense é considerado o mestre do folclore brasileiro, mas também publicou trabalhos que incentivavam a discriminação contra judeus. Em 1965, uma estátua foi erguida em sua homenagem na praça, com seus restos mortais enterrados abaixo.

Por anos, as condições da Praça do Liceu foram problemáticas. Luiz Bezerra, morador há 59 anos, lembra que a estátua foi danificada e pichada. Em abril de 2024, a praça passou por uma requalificação, mas a insegurança e a presença de população de rua, especialmente à noite, ainda preocupam. “A reforma melhorou, mas ainda sentimos insegurança. É necessário mais policiamento para evitar que a situação volte ao que era antes,” diz Bezerra.

 

 

O que você achou desse conteúdo?