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Sustentabilidade e inteligência artificial: para onde a moda cearense deve crescer
Reportagem

Sustentabilidade e inteligência artificial: para onde a moda cearense deve crescer

Com um salto tímido na indústria e nas vendas, os setores que fazem parte da cadeia da moda se destacam com inovações e sustentabilidade
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JAGUARIBARA-CE, BRASIL, 29-05-2024: Fabricação artesanal de redes em Jaguaribara. Fábrica e artesãos que estão envilvidos na confecção de produto característico do Ceará. Especial Profissões que correm o risco de desaparecer. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)  (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR JAGUARIBARA-CE, BRASIL, 29-05-2024: Fabricação artesanal de redes em Jaguaribara. Fábrica e artesãos que estão envilvidos na confecção de produto característico do Ceará. Especial Profissões que correm o risco de desaparecer. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)

Com a criação de tendências que valorizam a sustentabilidade e a inovação, o setor da moda passa por um período de crescimento tímido mas de constantes mudanças. As maneiras de consumo e de produção passam a ser constituidas por técnicas que combinam o uso da tecnologia com uma prática consciente. 

Para se ter uma ideia do panorama da indústria, por exemplo, a produção aumentou no acumulado do ano até julho em comparação com igual período de 2023. Tanto o segmento têxtil quanto o de vestuário do Ceará aumentaram suas participações na taxa de crescimento geral em 1,5 e 2,73 pontos percentuais (p.p.), respectivamente.

No mesmo recorte temporal, também houve um leve aumento nas comercializações do setor: o volume de vendas do comércio varejista de tecidos, vestuário e calçados cresceu 2,6%.

Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) e da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ainda que o avanço observado tenha sido tímido, o Ceará se destacou no volume de exportações. De acordo com o Estudo Setorial Têxtil realizado pelo Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), a exportações de produtos têxteis cresceu 44% no acumulado de janeiro a agosto no comparativo ano a ano, passando de 3,37 mil toneladas em 2023 para 4,86 mil toneladas em 2024.

Ao todo foram faturados US$ 22,88 milhões, 22% a mais do que o observado até o mês de agosto do ano anterior. Além disso, os principais países de destino foram os da América Latina, com destaque para a Colômbia (US$ 5,39 milhões), Peru (US$ 3,81 milhões) e Argentina (US$ 2,13 milhões).

“Esses dados demonstram que o Ceará está ampliando sua presença nos mercados latino-americanos, aproveitando oportunidades geradas pela proximidade geográfica, acordos comerciais favoráveis e afinidades culturais”, destaca o estudo.

O protagonista das exportações foi o algodão, que sozinho representou 87% do total exportado pelo Estado. Com esse resultado o Ceará se tornou o terceiro maior exportador do Nordeste de produtos derivados dessa fibra, atrás apenas da Bahia e do Maranhão.

Outros itens exportados foram os filamentos sintéticos ou artificiais, com um total de US$ 1,86 milhão. Pastas, feltros e falsos tecidos, que são um nicho em crescimento dentro da cadeia produtiva têxtil cearense, faturaram US$ 606 mil, e as fibras sintéticas ou artificiais descontínuas, US$ 353 mil.

Esse cenário de destaque das fibras naturais, para o presidente do Sindicato das Indústrias de Confecção de Roupas no estado do Ceará (Sindiconfecções), Daniel Gomes, ocorre por causa de uma tendência de valorização da sustentabilidade.

“Existe uma tendência das gerações mais jovens de, em sua maioria, só comprarem de empresas que tenham ações de preservação do planeta e de inclusão social. Então, quem não iniciar hoje não terá o consumidor do amanhã”, explica.

Dessa forma, a gerente do CIN da Fiec e colunista do O POVO+, Karina Frota, ressalta que, a indústria têxtil é uma das mais dinâmicas da economia global, e no Ceará não é diferente. "O setor obedece às transformações nas preferências dos consumidores, aos avanços nas áreas de inovação e tecnologia e às flutuações relacionadas à economia global.”

Entretanto, o representante do Sindiconfecções comenta que a alta da busca do mercado pelas fibras sintéticas acontece devido ao seu valor mais acessível, se comparado ao algodão. Ele também elenca novas tecnologias que possibilitam a criação de peças “até mais confortáveis do que as feitas com a fibra natural”.

“Hoje, já existem tecidos com antiviral, antibacteriano, tem tecidos de compressão que ajudam com a circulação. Então isso são tendências que já estão acontecendo dentro do nosso setor”, explica.

Na mesma linha, o presidente do Sindicato da Indústria de Confecção de Roupas de Homem e Vestuário (Sindroupas), Paulo Rabelo, cita as roupas utilizadas na moda fitness e em uniformes de time de futebol, que passaram por esse processo de substituição do tecido.

“Quando você vê as roupas de futebol usadas na época do Pelé, todo o fardamento, o short e a camisa eram de algodão, e hoje não, hoje nem se imagina utilizar o algodão por causa da tecnologia, como o resfriamento, que no sintético é melhor.”

Ele explica que já existem empresas trazendo para sua planta de produção técnicas com o uso do hidrogênio verde, a Inteligência Artificial (IA) e o BI (Inteligência Empresarial, em tradução livre).

“Então, isso é um acesso que nós estamos disponibilizando ao ramo da confecção e acreditamos que só poderemos avançar com Governança ambiental, social e corporativa (ESG, sigla em inglês) e inovação. Ou seja, inovando e produzindo mais com menos recursos naturais, com menos processos e com menos produtos”. 

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Utilização de IA na moda cearense

Dentre as inovações que a indústria investe, Paulo Rabelo, presidente do Sindroupas, cita um maior destaque para a utilização da inteligência artificial (IA), aplicada no setor da moda cearense. "Hoje, na parte das vendas digitais, nós estamos desenvolvendo um projeto de inovação em que a marca poderá entrar e com o uso da IA saberá em qual região está seu cliente. Também estamos implementando melhorias para o comércio presencial para que seja possível o controle de estoques e a estruturação do calor das vendas utilizando a tecnologia."

Ele ainda acrescenta que atualmente as indústrias já dispõem do uso da IA para o monitoramento dos funcionários. "Com as câmeras, então, hoje essa tecnologia já fala se o profissional está utilizando os equipamentos corretamente, se está sentando corretamente". Porém, uma problemática apontada pelos dois sindicalistas é a falta de mão de obra dentro do setor, que atrapalha a aplicabilidade das inovações necessárias.

"Quando a gente fala sobre inovação, a gente coloca alguns pilares, um deles, é aumento de produtividade e de qualidade, principalmente tendo em vista que a mão de obra se torna cada vez mais escassa em relação a costureiras nesses setores da moda", comenta Paulo.

Daniel Gomes, presidente do Sindiconfecções, concorda com essa visão e aponta a alta informalidade no Ceará como ponto agravante, que contribui também para a falta de profissionais qualificados na área.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de informalidade do Ceará é a quarta maior do Brasil, com 53% da população, ou seja, 1,9 milhão de pessoas exercendo ofícios sem carteira assinada.

"O Ceará tem uma vocação muito boa para qualidade, o design, então isso é um diferencial competitivo muito bom, mas precisamos do apoio do governo do Estado com a realização de cursos de formação. (...) Tem que se haver programas para capacitação da mão de obra, para que uma coisa possa suprir a outra", ressalta o presidente.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 02-10-2024: Projeto Colcha de retalhaos (Foto: Samuel Setubal)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 02-10-2024: Projeto Colcha de retalhaos (Foto: Samuel Setubal)

Colcha de Retalhos: a união entre empreendedorismo e sustentabilidade

Pelas mãos das participantes do Projeto Colcha de Retalhos, pedaços de tecido que seriam descartados ganham novos formatos. A iniciativa, desenvolvida por meio do curso de Design - Moda, da Universidade Federal do Ceará (UFC), busca aliar capacitação, geração de renda e transformação social.

Com a prática do “Patchwork”, que consiste na união de diferentes retalhos para formar uma peça maior, são produzidas bolsas, almofadas e outros produtos de confecção considerados rápidos para venda. O projeto, coordenado pela doutora em Engenharia Têxtil, Araguacy Filgueiras, atende mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

“Algumas tinham medo de chegar lá e passar vergonha, mas se desenvolveram, começaram a produzir suas peças e hoje ganham um dinheirinho. Então, o que a gente percebe dos sentimentos delas é a gratidão de ter tido essa oportunidade de aprendizagem e companheirismo. Quando termina a turma, a gente permanece com o contato delas e se torna um espaço de passar trabalhos e encomendas”, conta a professora.

Por meio de parcerias com outras instituições e doações de resíduos vindos de empresas do ramo de vestuário, periodicamente são oferecidos cursos unindo teoria e prática. A proposta é que, utilizando tecidos que seriam descartados, as mulheres possam transformá-los em produtos para a comercialização, tornando-se empreendedoras sustentáveis.

Syomara Duarte, também professora do curso de Design - Moda da UFC, afirma que um dos principais argumentos para a criação dessa graduação foi a necessidade de formar profissionais capacitados para o setor de moda no Ceará. Ela destaca que a formação se expandiu junto com o crescimento da área, mas a criação continua a ser um elemento central. Ela também aponta a importância das iniciativas que aliam sustentabilidade social à criatividade e qualidade do artesanato.

“Novas formas de consumo estão sendo revisadas e incentivadas para promover um comércio mais justo e reduzir o descarte. Marcas cearenses têm investido na economia circular e na ética em suas cadeias produtivas, utilizando materiais sustentáveis e promovendo a responsabilidade social em seus processos”.

Segundo a doutora em Design, o artesanato, frequentemente presente em projetos que ressaltam a tradição cearense em rendas, bordados, tricôs e crochês, tem enriquecido coleções e serve como tema para criações que se destacam no Brasil e no Exterior.

Marcas cearenses são destaque em evento na Semana de Moda de Milão. Na foto, a Coleção Funghi, de Marina Bitu, na SPFW 56
Marcas cearenses são destaque em evento na Semana de Moda de Milão. Na foto, a Coleção Funghi, de Marina Bitu, na SPFW 56

Inovação e tradição guiam coleções da marca cearense Marina Bitu

O diálogo constante entre o artesanal e o moderno é um dos objetivos apresentados pela marca de roupas cearense Marina Bitu. Utilizando, principalmente, linho, algodão e seda, também são incorporados em seus designs materiais como palhas, fibra de bananeira e plástico biodegradável.

A empresa foi uma das quatro nordestinas selecionadas para participar do Awake, evento promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), durante a Semana de Moda de Milão, realizada em setembro deste ano. A iniciativa visa impulsionar a moda sustentável brasileira no mercado internacional.

Criada em 2017, pela estilista que dá nome a marca, inicialmente, as peças eram feitas sob demanda para as clientes em ocasiões especiais. Cecilia Baima, sócia de Marina Bitu, conta que a partir de 2019 a marca passou a investir em sua expansão comercial, objetivando atender ao varejo e produzir coleções.

O mais recente Estudo Setorial da Moda, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), indica a existência de forte competitividade no mercado de moda brasileiro. A pesquisa aponta a necessidade do desenvolvimento de estratégias de diferenciação a fim de fidelizar e alcançar novos clientes.

"Acredito que nosso diferencial é a forma como conectamos nossas raízes culturais à moda de maneira contemporânea. Buscamos contar histórias através das peças, seja pelo uso de técnicas tradicionais, seja pela escolha de materiais que carregam uma forte carga simbólica. Cada coleção explora o imaginário das nossas origens, ressignificando elementos locais", afirma Cecilia Baima.

A encarregada pelo marketing e comercial da empresa também explica que marcas desempenham um papel crucial na conscientização do consumidor sobre escolhas mais responsáveis. Ao promover práticas sustentáveis, elas contribuem para uma cadeia produtiva mais justa, que respeita o meio ambiente e as condições de trabalho de todos os envolvidos.

"Marcas, em geral, devem se manter fiéis ao que propõem e aos seus valores. Saber desde o começo quais são seus desejos, metas e, principalmente, qual é sua identidade é fundamental. Isso cria uma conexão autêntica com o público, algo que é percebido e valorizado. Com a concorrência global, a autenticidade e o propósito bem definido acabam sendo um diferencial competitivo", evidencia a cofundadora da marca cearense.

Com sua sede de fabricação localizada em Fortaleza, atualmente, a Marina Bitu conta com vendas de forma online e pretende abrir uma loja física em 2025.

 

Moda

Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) foi sede de encontro do setor têxtil e de confecções neste mês de outubro para avaliar dados do setor

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