Principal parceiro comercial internacional do Ceará, com US$ 320,49 milhões de saldo positivo na balança comercial, os Estados Unidos elegem o presidente que irá assumir o cargo a partir de 2025. A data do pleito entre Donald Trump (Republicanos) e Kamala Harris (Democratas) é o próximo dia 5 de novembro e, além dos mais de 200 milhões de eleitores aptos a votar, brasileiros também estão atentos ao rumo tomado pela maior potência econômica do mundo.
O resultado tem potencial de gerar impactos na economia local e setores exportadores do Estado. Em 2023, o Ceará exportou o equivalente a US$ 960,58 milhões, enquanto importou US$ 640 milhões, daquele mercado.
Setores como o de ferro e aço, frutas, pescados, alimentos e de economia do mar são somente alguns que olham com atenção a decisão.
Em setembro passado, o Centro Internacional de Negócios, da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (CIN/Fiec) produziu um relatório em que detalha bem de que forma esse relacionamento ocorre.
No que se refere às vendas ao mercado americano, além de produtos de base primária, o Ceará tem vendido produtos industrializados e de alto valor agregado, especialmente no setor de ferro e aço.
Apesar da relação superavitária, o Ceará é dependente de insumos vindos dos Estados Unidos, sendo eles uma fonte vital em combustíveis minerais, insumos agrícolas e produtos químicos.
Karina Frota, gerente do CIN/Fiec e colunista do O POVO+, lembra que no período de primeiro governo Trump os Estados Unidos impuseram taxações para importações de setores como de siderurgia, enquanto a atual conjuntura é de retorno do país às grandes discussões internacionais, com volta à Organização Mundial da Saúde (OMS) e Acordo de Paris.
Sobre o futuro, Karina espera que o próximo presidente tenha um discurso voltado à restauração de alianças, mantendo programas que fazem parte de uma diretriz global de agenda sustentável.
"Não há como falar hoje sobre um setor específico, é prematuro. Especialmente nos últimos dois anos, o mercado mudou muito. Tenho certeza que o próximo presidente terá interesse em projetar o país para uma agenda de desenvolvimento e fortalecimento comercial", pontua.
Na corrida eleitoral, Kamala tem apostado em discursos em prol do fortalecimento da classe média e pequenas empresas, além da redução de impostos que impactam a vida do cidadão médio.
Já Trump critica a piora nas condições econômicas, prometendo que os preços para o cidadão americano não aumentarão, além de prometer expressamente a imposição de tarifas sobre importações de produtos vindos da China e de outros países.
A imposição de sobretaxas sobre o aço comprado pelos Estados Unidos de outros países foi uma constante no primeiro governo Trump, impactando diretamente o Brasil, que na época chegava a ser o segundo maior exportador do produto para o país.
Por outro lado, sob a administração Joe Biden, além de não impor nenhuma sobretaxa, no início de janeiro, a Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos revogou a medida protecionista que cobrava taxas adicionais de 103,4% sobre o aço brasileiro, medida que estava em vigor desde 1992.
Em 2023, por exemplo, o setor siderúrgico cearense viu do mercado estadunidense um aumento de demanda de 156%, mesmo em meio à desaceleração global do setor.
Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que a possibilidade de mudanças drásticas na condução das relações externas com os Estados Unidos, redobram a importância do Brasil estar atento à escolha do novo mandatário.
Analisando os hipotéticos impactos com a eleição de Trump e seu histórico de políticas nacionalistas e protecionistas. "Revisões de tarifas e tratados podem gerar incertezas para setores exportadores, que dependem fortemente das exportações para os Estados Unidos".
Outra problemática é a relação próxima de Trump com o empresário Elon Musk, também um dos grandes patrocinadores da campanha do ex-presidente e atual candidato republicano.
Hugo teme que Musk, que critica abertamente as instituições brasileiras - especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) -, consiga influenciar decisões econômicas, comerciais ou de investimentos, gerando volatilidade na relação comercial.
Kamala é vista como o cenário mais estável
As análises político-econômica em relação às relações brasileiras com os Estados Unidos sob nova gestão a partir de 2025 são bem divergentes quando observado o cenário entre os candidatos. A democrata Kamala Harris representa o ideal de continuidade do governo Joe Biden. A vice-presidente representa praticamente a antítese ao republicano Donald Trump, conforme analisa Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (NPII/FGV).
Segundo Leonardo, Kamala é a opção que desenha um cenário mais estável. "Quer dizer, temos um contexto no qual a vice-presidente Harris não só é uma pessoa mais institucional, moderada em relação à política, mas também representa o Partido Democrata, que tem uma aproximação estável com o Brasil".
A partir daí, uma relação entre Kamala e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, seria mais próxima, apesar de o professor lembrar que a candidata ainda não ter falado sobre planos para América Latina ou para o Brasil.
"Kamala não tem uma predileção especial por essa região, nunca discutiu a possibilidade de um aprofundamento maior no relacionamento. Isso não é necessariamente ruim, apenas indica uma tendência de estabilidade em torno do que temos agora, o que traz previsibilidade", aponta.
Risco Trump existe, mas corpo diplomático do Brasil é hábil
A postura do republicano Donald Trump caso seja eleito deve representar um desafio importante para a diplomacia brasileira. Mas a tendência é que a pauta comercial entre o Brasil e os Estados Unidos deva ser a última a ser "ideologizada".
A análise é da cientista política do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) e especialista em Relações Internacionais, Ariane Roder. Para ela, o corpo diplomático brasileiro é hábil para negociar e encontrar soluções, ainda que acordos bilaterais se tornem mais difíceis.
Ariane explica que a pauta comercial dos dois países envolve muitos setores e interesses mútuos em que, caso ocorra divergências importantes, pode afetar a economia gerando crises e desemprego, no pior dos cenários.
"Com o Trump eleito, existe risco, mas o corpo diplomático brasileiro vai aceitar o risco e não deve se afastar dos Estados Unidos. Vão tentar todas as alternativas, inclusive revidar caso produtos brasileiros sejam taxados, o que também não seria interessante para eles", observa.
Ainda na questão do "risco Trump", a professora destaca que outras áreas que têm relações com a economia devem sofrer reveses, como a agenda de desenvolvimento sustentável, além de direitos humanos e migração.
Brasil vive momento de expansão no número de empresas exportadoras; EUA é uma das principais opções
O tamanho do mercado americano atrai empreendedores brasileiros quando buscam internacionalizar marcas. Em 2023, 9.553 empresas brasileiras enviaram produtos para o mercado dos Estados Unidos.
Esse foi o maior quantitativo registrado em 200 anos de relações comerciais entre os dois países. O volume total de exportações do Brasil em manufaturas para aquele mercado atingiu US$ 29,9 bilhões, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio (MDIC) em parceria com a Amcham Brasil.
Sandro Marin, diretor da Tek Trade, empresa especializada em comércio exterior, esse cenário positivo demonstra a capacidade competitiva do Brasil no mercado global.
Segundo ele, muitas empresas nacionais enxergam no comércio internacional uma estratégia para se manterem fortes diante da oportunidade de atingir um mercado maior e com moeda mais forte.
"Buscando a competitividade externa normalmente melhora a qualidade de seus produtos, o que vai refletir para o mercado interno. A diversificação dos mercados é um fator crucial para garantir o crescimento contínuo das indústrias brasileiras", analisa.
A tendência positiva de reforço de laços comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos se estende para outros mercados. Isso se revela em dados divulgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Nos últimos 21 meses, a entidade aprovou R$ 26,9 bilhões em operações de apoio às exportações de bens. O valor supera a soma dos seis anos anteriores, período em que o total chega a R$ 21,5 bilhões.
O presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, afirma que a pauta de apoio às exportações industriais é considerada uma prioridade, especialmente aquelas com alto valor agregado.
De janeiro a setembro deste ano, as aprovações para o setor atingiram R$ 13,4 bilhões, valor quase igual ao realizado em todo ano de 2023 (R$ 13,5 bilhões).
"Apoiar a exportação industrial, especialmente aquelas com alto valor agregado, é fundamental, uma vez que outros países também estão adotando políticas semelhantes. Cerca de 98% do mercado mundial está fora do Brasil e nossas empresas precisam disputar esse espaço, gerando emprego de qualidade no Brasil e aumentando a escala e a competitividade da nossa indústria", afirma Mercadante.
A eleição nos Estados Unidos
O modelo americano é de voto indireto, portanto o vencedor não é definido por voto popular, mas por meio de delegados eleitorais. O candidato que obtiver o apoio de 270 delegados mais um é eleito.
Diferente do Brasil, nas eleições dos Estados Unidos o candidato mais votado pelos eleitores não necessariamente vencerá o pleito. Em 2016, por exemplo, Trump foi eleito pelos delegados, mas perdeu na quantidade total de votos populares para a democrata Hillary Clinton.
Em caso de empate, cabe à Câmara dos Deputados escolher o presidente por meio de voto direto dos deputados recém-eleitos, em que cada estado tem direito a um voto. Esse desempate já ocorreu duas vezes na história, em 1800 e 1824.
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