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Trump x Kamala: O impacto da eleição dos EUA na economia cearense
Reportagem

Trump x Kamala: O impacto da eleição dos EUA na economia cearense

| RELAÇÕES INTERNACIONAIS | Ceará mantém fortes laços comerciais com os Estados Unidos, sendo o país o principal parceiro comercial cearense. Em 2023, a balança comercial teve superávit de US$ 320,49 milhões, representando praticamente metade do total exportado
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TRUMP e Kamala mobilizam políticos também no Brasil (Foto: SAUL LOEB / AFP)
Foto: SAUL LOEB / AFP TRUMP e Kamala mobilizam políticos também no Brasil

Principal parceiro comercial internacional do Ceará, com US$ 320,49 milhões de saldo positivo na balança comercial, os Estados Unidos elegem o presidente que irá assumir o cargo a partir de 2025. A data do pleito entre Donald Trump (Republicanos) e Kamala Harris (Democratas) é o próximo dia 5 de novembro e, além dos mais de 200 milhões de eleitores aptos a votar, brasileiros também estão atentos ao rumo tomado pela maior potência econômica do mundo.

O resultado tem potencial de gerar impactos na economia local e setores exportadores do Estado. Em 2023, o Ceará exportou o equivalente a US$ 960,58 milhões, enquanto importou US$ 640 milhões, daquele mercado.

Setores como o de ferro e aço, frutas, pescados, alimentos e de economia do mar são somente alguns que olham com atenção a decisão.

Exportações cearenses para os Estados Unidos somaram quase US$ 1 bilhão em 2023(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Exportações cearenses para os Estados Unidos somaram quase US$ 1 bilhão em 2023

Em setembro passado, o Centro Internacional de Negócios, da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (CIN/Fiec) produziu um relatório em que detalha bem de que forma esse relacionamento ocorre.

No que se refere às vendas ao mercado americano, além de produtos de base primária, o Ceará tem vendido produtos industrializados e de alto valor agregado, especialmente no setor de ferro e aço.

Apesar da relação superavitária, o Ceará é dependente de insumos vindos dos Estados Unidos, sendo eles uma fonte vital em combustíveis minerais, insumos agrícolas e produtos químicos.

Karina Frota, gerente do CIN/Fiec e colunista do O POVO+, lembra que no período de primeiro governo Trump os Estados Unidos impuseram taxações para importações de setores como de siderurgia, enquanto a atual conjuntura é de retorno do país às grandes discussões internacionais, com volta à Organização Mundial da Saúde (OMS) e Acordo de Paris.

Sobre o futuro, Karina espera que o próximo presidente tenha um discurso voltado à restauração de alianças, mantendo programas que fazem parte de uma diretriz global de agenda sustentável.

"Não há como falar hoje sobre um setor específico, é prematuro. Especialmente nos últimos dois anos, o mercado mudou muito. Tenho certeza que o próximo presidente terá interesse em projetar o país para uma agenda de desenvolvimento e fortalecimento comercial", pontua.

Após desistir, Joe Biden sugere Kamala Harris como candidata do Partido Democrata para as eleições dos EUA(Foto: Mandel NGAN / AFP)
Foto: Mandel NGAN / AFP Após desistir, Joe Biden sugere Kamala Harris como candidata do Partido Democrata para as eleições dos EUA

Na corrida eleitoral, Kamala tem apostado em discursos em prol do fortalecimento da classe média e pequenas empresas, além da redução de impostos que impactam a vida do cidadão médio.

Trump critica a piora nas condições econômicas, prometendo que os preços para o cidadão americano não aumentarão, além de prometer expressamente a imposição de tarifas sobre importações de produtos vindos da China e de outros países.

A imposição de sobretaxas sobre o aço comprado pelos Estados Unidos de outros países foi uma constante no primeiro governo Trump, impactando diretamente o Brasil, que na época chegava a ser o segundo maior exportador do produto para o país.

Candidato presidencial republicano, o ex-presidente dos EUA Donald Trump faz comentários na reunião de outono do Conselho Nacional de Curadores da Ordem Fraternal da Polícia, em 6 de setembro de 2024 em Charlotte, Carolina do Norte. Trump está fazendo campanha em estados-chave de batalha antes da eleição presidencial de novembro.(Foto: Grant Baldwin/Getty Images/AFP)
Foto: Grant Baldwin/Getty Images/AFP Candidato presidencial republicano, o ex-presidente dos EUA Donald Trump faz comentários na reunião de outono do Conselho Nacional de Curadores da Ordem Fraternal da Polícia, em 6 de setembro de 2024 em Charlotte, Carolina do Norte. Trump está fazendo campanha em estados-chave de batalha antes da eleição presidencial de novembro.

Por outro lado, sob a administração Joe Biden, além de não impor nenhuma sobretaxa, no início de janeiro, a Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos revogou a medida protecionista que cobrava taxas adicionais de 103,4% sobre o aço brasileiro, medida que estava em vigor desde 1992.

Em 2023, por exemplo, o setor siderúrgico cearense viu do mercado estadunidense um aumento de demanda de 156%, mesmo em meio à desaceleração global do setor.

Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que a possibilidade de mudanças drásticas na condução das relações externas com os Estados Unidos, redobram a importância do Brasil estar atento à escolha do novo mandatário.

Analisando os hipotéticos impactos com a eleição de Trump e seu histórico de políticas nacionalistas e protecionistas. "Revisões de tarifas e tratados podem gerar incertezas para setores exportadores, que dependem fortemente das exportações para os Estados Unidos".

Outra problemática é a relação próxima de Trump com o empresário Elon Musk, também um dos grandes patrocinadores da campanha do ex-presidente e atual candidato republicano.

Hugo teme que Musk, que critica abertamente as instituições brasileiras - especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) -, consiga influenciar decisões econômicas, comerciais ou de investimentos, gerando volatilidade na relação comercial.

Eleições EUA: Trump tem 49,8%, e Kamala, 48,1%, diz pesquisa Atlas/Intel l O POVO NEWS

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Kamala Harris, candidata a presidente dos Estados Unidos
Kamala Harris, candidata a presidente dos Estados Unidos

Kamala é vista como o cenário mais estável

As análises político-econômica em relação às relações brasileiras com os Estados Unidos sob nova gestão a partir de 2025 são bem divergentes quando observado o cenário entre os candidatos. A democrata Kamala Harris representa o ideal de continuidade do governo Joe Biden. A vice-presidente representa praticamente a antítese ao republicano Donald Trump, conforme analisa Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (NPII/FGV).

Segundo Leonardo, Kamala é a opção que desenha um cenário mais estável. "Quer dizer, temos um contexto no qual a vice-presidente Harris não só é uma pessoa mais institucional, moderada em relação à política, mas também representa o Partido Democrata, que tem uma aproximação estável com o Brasil".

A partir daí, uma relação entre Kamala e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, seria mais próxima, apesar de o professor lembrar que a candidata ainda não ter falado sobre planos para América Latina ou para o Brasil.

"Kamala não tem uma predileção especial por essa região, nunca discutiu a possibilidade de um aprofundamento maior no relacionamento. Isso não é necessariamente ruim, apenas indica uma tendência de estabilidade em torno do que temos agora, o que traz previsibilidade", aponta.

O empresário Elon Musk é um dos principais apoiadores da campanha presidencial do republicano Donald Trump
O empresário Elon Musk é um dos principais apoiadores da campanha presidencial do republicano Donald Trump

Risco Trump existe, mas corpo diplomático do Brasil é hábil

A postura do republicano Donald Trump caso seja eleito deve representar um desafio importante para a diplomacia brasileira. Mas a tendência é que a pauta comercial entre o Brasil e os Estados Unidos deva ser a última a ser "ideologizada".

A análise é da cientista política do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) e especialista em Relações Internacionais, Ariane Roder. Para ela, o corpo diplomático brasileiro é hábil para negociar e encontrar soluções, ainda que acordos bilaterais se tornem mais difíceis.

Ariane explica que a pauta comercial dos dois países envolve muitos setores e interesses mútuos em que, caso ocorra divergências importantes, pode afetar a economia gerando crises e desemprego, no pior dos cenários.

"Com o Trump eleito, existe risco, mas o corpo diplomático brasileiro vai aceitar o risco e não deve se afastar dos Estados Unidos. Vão tentar todas as alternativas, inclusive revidar caso produtos brasileiros sejam taxados, o que também não seria interessante para eles", observa.

Ainda na questão do "risco Trump", a professora destaca que outras áreas que têm relações com a economia devem sofrer reveses, como a agenda de desenvolvimento sustentável, além de direitos humanos e migração.

 

Brasil vive momento de expansão no número de empresas exportadoras; EUA é uma das principais opções

O tamanho do mercado americano atrai empreendedores brasileiros quando buscam internacionalizar marcas. Em 2023, 9.553 empresas brasileiras enviaram produtos para o mercado dos Estados Unidos.

Esse foi o maior quantitativo registrado em 200 anos de relações comerciais entre os dois países. O volume total de exportações do Brasil em manufaturas para aquele mercado atingiu US$ 29,9 bilhões, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio (MDIC) em parceria com a Amcham Brasil.

Sandro Marin, diretor da Tek Trade, empresa especializada em comércio exterior, esse cenário positivo demonstra a capacidade competitiva do Brasil no mercado global.

Segundo ele, muitas empresas nacionais enxergam no comércio internacional uma estratégia para se manterem fortes diante da oportunidade de atingir um mercado maior e com moeda mais forte.

"Buscando a competitividade externa normalmente melhora a qualidade de seus produtos, o que vai refletir para o mercado interno. A diversificação dos mercados é um fator crucial para garantir o crescimento contínuo das indústrias brasileiras", analisa.

A tendência positiva de reforço de laços comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos se estende para outros mercados. Isso se revela em dados divulgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Nos últimos 21 meses, a entidade aprovou R$ 26,9 bilhões em operações de apoio às exportações de bens. O valor supera a soma dos seis anos anteriores, período em que o total chega a R$ 21,5 bilhões.

O presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, afirma que a pauta de apoio às exportações industriais é considerada uma prioridade, especialmente aquelas com alto valor agregado.

De janeiro a setembro deste ano, as aprovações para o setor atingiram R$ 13,4 bilhões, valor quase igual ao realizado em todo ano de 2023 (R$ 13,5 bilhões).

"Apoiar a exportação industrial, especialmente aquelas com alto valor agregado, é fundamental, uma vez que outros países também estão adotando políticas semelhantes. Cerca de 98% do mercado mundial está fora do Brasil e nossas empresas precisam disputar esse espaço, gerando emprego de qualidade no Brasil e aumentando a escala e a competitividade da nossa indústria", afirma Mercadante.

A eleição nos Estados Unidos

O modelo americano é de voto indireto, portanto o vencedor não é definido por voto popular, mas por meio de delegados eleitorais. O candidato que obtiver o apoio de 270 delegados mais um é eleito.

Diferente do Brasil, nas eleições dos Estados Unidos o candidato mais votado pelos eleitores não necessariamente vencerá o pleito. Em 2016, por exemplo, Trump foi eleito pelos delegados, mas perdeu na quantidade total de votos populares para a democrata Hillary Clinton.

Em caso de empate, cabe à Câmara dos Deputados escolher o presidente por meio de voto direto dos deputados recém-eleitos, em que cada estado tem direito a um voto. Esse desempate já ocorreu duas vezes na história, em 1800 e 1824.

SETORES QUE MAIS SE RELACIONAM COM OS ESTADOS UNIDOS

  • Setor de ferro e aço: A demanda dos Estados Unidos puxou o desempenho do setor siderúrgico cearense, com um aumento de 156%. Neste ano, entre janeiro e setembro, já foram vendidos US$ 420,3 milhões.
  • Peixes e crustáceos: A demanda por esse tipo de produto saltou 42,6% entre janeiro e setembro deste ano em relação ao igual período do ano passado. São R$ 33,1 milhões em negócios.
  • Calçados: Setor calçadista encontra nos Estados Unidos um grande mercado, que entre janeiro e setembro deste ano movimentou US$ 24,2 milhões em vendas internacionais.
  • Peles e couros: Setor movimentou mais de US$ 11,2 milhões em negócios rumo aos Estados Unidos neste ano até setembro.
  • Gorduras e óleos animais ou vegetais - cera de carnaúba: Outro segmento com forte alta neste ano em relação a 2023 é o de gorduras e óleos animais e vegetais. Aqui, o principal produto é a cera de carnaúba. A alta é de 77,5%, com mais de US$ 13 milhões em negócios.
  • Alimentos - água de coco e castanha de caju: No setor de alimentos e bebidas, as exportações de preparações de produtos hortícolas, frutas ou outras partes de plantas aumentaram 3%, alcançando US$ 58,40 milhões em 2023. A água de coco se destacou, principalmente nos Estados Unidos, que também é responsável pelo consumo de 70% do total.

Balança Comercial - Ceará com o resto do mundo em 2023

  • Exportações: US$ 2,033 bilhões
  • Importações: US$ 3,160 bilhões
  • Saldo Comercial: US$ -1,127 bilhão

Balança Comercial - Ceará com os Estados Unidos em 2023

  • Exportações: US$ 960,58 milhões
  • Importações: US$ 640,09 milhões
  • Saldo Comercial: US$ 320,49 milhões
    Fonte: CIN-Fiec/Com dados do MDIC
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