Em diferentes discursos ao longo do atual mandato e de ambas as breves campanhas eleitorais, o presidente Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, disseram, repetidas vezes, que "esta não é a América". No lamento, ou na crítica velada, estavam o fantasma da invasão ao Congresso, o peso dos episódios de violência política e dos insultos etaristas, misóginos e racistas, em uma campanha marcada por duas supostas tentativas de assassinato, assim como pela profunda divisão social e partidária entre seus concidadãos, de clivagens cada vez mais profundas e delineadas, misturada ao caos e intermitentes disfunção, paralisia e obstrução legislativas e confronto intrapoderes.
No léxico político dos tempos recentes, a democracia liberal deste país epitomizado como modelo a ser seguido pelo mundo aparece em uma crise jamais vista. As luzes do farol no alto da colina tremulam cada vez mais fracas, em meio às denúncias de corrupção, acusações de fraude eleitoral, campanhas bilionárias que colocam interesses particulares e elitistas acima da representatividade, manipulação no limite das leis eleitorais nos estados, polarização e conflito.
Esta também é, enfim, a América, com suas sombras. Anti-imigrante, segregacionista, conservadora, avessa ao politicamente correto, que teme o destino de uma democracia real em que espaços de consenso e dissenso estejam igualmente disponíveis. É o país desenvolvido com maior percentual de pessoas passando fome. A conta chegou, e o custo foi todo para os democratas.