Entre 2013 e 2023, o número de mortes de bebês menores de um ano de idade no Ceará foi de 1.726 para 1.302, caindo 24,56%. Contudo, apesar da redução, o combate ao índice ainda tem como desafio o predomínio do óbito neonatal precoce, que em todos esses anos foi superior a 50% do total de casos.
Dados constam no Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), divulgado em outubro recente. Números foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), plataformas do Governo Federal.
Conforme documento, nos últimos dez anos, o quantitativo de crianças que morreram antes do primeiro ano de vida no Estado teve queda significativa, com aumentos discretos entre um período e outro.
Em 2022, por exemplo, o número de mortes foi de 1.317, quando em 2023 o mesmo índice registrado foi de 1.302.
Em relação à taxa de mortalidade infantil (a cada mil nascidos vivos), indicador que relaciona o número de nascidos vivos com a quantidade de bebês menores de um ano de idade que morreram, teve redução de 13,8 para 11,7 nos últimos dez anos no Estado (entre 2013 e 2023), indo de 13,8 para 11,7.
No comparativo do ano passado com o anterior (2022), a taxa apresentou estabilidade, se mantendo em 11,7 óbitos de crianças menores de um ano por mil nascidos vivos nos dois períodos.
Na análise das regiões, a taxa de mortalidade infantil da Superintendência de Saúde de Fortaleza foi de 11,9 em 2013 para 12 em 2023, se mantendo estável. Já no comparativo entre 2022 e 2023, a Superintendência de Saúde do Sertão Central foi a que registrou o maior aumento do índice, indo de 12,4 para 15,3.
Boletim também aponta que, nos últimos dez anos, mais de 50% dos óbitos de crianças nessa faixa etária no Ceará por ano foram por causas evitáveis, que são aquelas consideradas preveníveis por ações dos serviços de saúde, como atenção à mulher na gestação e ações de imunoprevenção.
Ana Cabral, coordenadora de Vigilância Epidemiológica e Prevenção em Saúde da Sesa, explica que quanto maior for o número de nascidos vivos na região, menor tende a ser a taxa, devido ao cálculo realizado para encontrar o indicador. Por esse motivo, ela diz que índice por área precisa ser "observado com cautela".
Já sobre o predomínio de causas evitáveis, a representante da pasta estadual destaca que por trás do indicador de mortalidade infantil há determinantes como o nível educacional e as condições socioeconômicas das mulheres gestantes, que influenciam no acompanhamento médico delas.
Cabral pontua que "problemas de saúde da mãe, como diabetes e hipertensão, podem afetar o feto ou o bebê", e frisa ainda a importância da vacinação no combate aos óbitos infantis.
Segundo a coordenadora de Vigilância, o Estado vem "conseguindo retomar as coberturas vacinais" e tem reduzido a mortalidade infantil nos últimos anos colocando o combate ao índice como prioridade. Para isso, realiza ações de promoção do cuidado integral da gestante e da melhoria de acesso à saúde.
Mortes nos seis primeiros dias de vida são mais de 50% dos Casos
Conforme Sesa, a mortalidade infantil é estruturada considerando a idade das crianças que vieram a óbito, sendo dividida como:
A pasta considera o óbito neonatal precoce um dos principais desafios para seguir reduzindo o número de mortes de crianças menores de 1 ano. Isso porque, de 2013 a 2023, mais de 50% de todos os óbitos infantis registrados por ano no Estado foram de bebês de 0 a 6 dias de nascidos.
Olhando de forma isolada, a taxa de mortalidade neonatal precoce foi de 7,8 óbitos por mil nascidos vivos em 2013 para 6,3 em 2023.
Márcia Machado, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Unidade Federal do Ceará (UFC), explica que o enfrentamento desse indicador passa pela criação de políticas de acolhimento às mulheres mais vulneráveis, como aquelas que vivem abaixo da linha da pobreza, as que apresentam transtornos mentais, as mães solos ou adolescentes, e as que têm deficiência.
Docente frisa a necessidade de profissionais, como agentes comunitários, realizarem visitas mais sistemáticas a essas mulheres, para identificar a gravidez ainda no primeiro trimestre e possibilitar o pré-natal, que é o acompanhamento médico da mãe e do bebê.
"Muitas dessas mulheres que engravidam têm infecções que fazem o trabalho de parto ser mais precoce", destaca Márcia.
Além disso, ela aponta a importância de ações sociais como o Programa Cozinha Solidária, que fornece alimentação gratuita para garantir a saúde dessas gestantes para que o bebê receba nutrientes dentro do útero, evitando que fique desnutrido e venha a nascer já com baixo peso.
Transtornos relacionados com baixo peso ao nascer foi, inclusive, a principal causa de mortes de bebês menores de até 6 dias de vida no Ceará em 2023, de acordo com boletim da Secretaria de Saúde.
Em diretrizes estabelecidas no Plano Estadual de Saúde 2024-2027, o Ceará tem como meta reduzir a taxa de Mortalidade Infantil para 9,5 óbitos por mil nascidos vivos até o fim do quadriênio.
Para alcançar objetivo, a Sesa lançou em abril recente o Projeto de Braços Abertos, que busca organizar e planejar a atuação das unidades de saúde básicas do Estado. Iniciativa tem como eixos de execução atividades de educação permanente, planificação da atenção à saúde e rede de articuladores nas cinco regiões de saúde da unidade federativa.
Conforme a Sesa, ação permite que agentes comunitários identifiquem famílias mais vulneráveis, levando à compreensão do contexto social em que elas estão inseridas. Dessa forma, é possível planejar o cuidado com base nas prioridades de cada grupo e desenvolver programas que atendam a essas necessidades.
Thaís Facó, coordenadora de Atenção Primária à Saúde da pasta, explica que, na prática, o programa vai permitir a integração do atendimento dado à gestante, possibilitando que ela passe pela atenção especializada ambulatorial e hospitalar sem deixar de ser acompanhada na atenção primária.
Uniformização deve ajudar a combater não apenas as mortes neonatais, desafio para o Estado, como também óbitos infantis ao todo e de mulheres grávidas. "O que a gente não pode se conformar é com causas evitáveis (...) gestante e criança não são pra morrer. Nenhum óbito é pra ser aceito", diz Facó.
De acordo com informações divulgadas pela Sesa, no Cariri, um dos eixos do Projeto de Braços Abertos está sendo desenvolvido em formato inovador, incorporando não apenas a atenção primária e a ambulatorial especializada, como também a atenção hospitalar e a governança regional. Essa aplicação inovadora, segundo Thais Facó, em caso de êxito, deve ser expandida para as demais regiões do Estado.
Ponto de vista | "Precisamos continuar avançando"
O Ceará tem demonstrado um compromisso significativo com a assistência a Primeira Infância, a partir do planejamento de ações e alinhamento das políticas públicas implementadas às metas globais da ONU, para 2030. No Brasil, esse foco se intensificou com a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância em 2015.
Ao longo dos 35 anos tem sido realizada a Pesquisa de Saúde Materno Infantil do Ceará, coordenada pelo grupo de pesquisa do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, avaliando diversos indicadores que sinalizam os avanços e desafios a serem enfrentados pela gestão dos municípios.
É perceptível a redução de mortes infantis ao longo desses anos, devido às diversas intervenções implementadas. No entanto, mesmo com esses avanços ainda não alcançamos o ideal de termos um dígito para a mortalidade infantil no nosso Estado. Uma das causas é devido às mortes neonatais.
Enfrentamos o desafio da falta de dados coletados sistematicamente, a ausência de integração dessas bases e a falta da cultura analítica dos gestores. Ampliar a atenção às gestantes, fazendo a busca ativa de todas aquelas que estão no primeiro trimestre, reforçando as visitas domiciliares sistematicamente e de forma mais contínua, no primeiro mês pós-parto, são intervenções necessárias.
Deve-se adotar ações para incentivar o aleitamento materno exclusivo, acompanhar de perto as mães adolescentes e aquelas que cuidam sozinhas dos filhos (muitas pelo abandono do pai da criança), oferecer o acesso a creches, pois esse grupo tende a sofrer mais os riscos de adoecerem e morrerem precocemente.
Retornar a cobertura vacinal completa é fundamental para prevenir doenças. Vivenciamos período de negação da ciência, durante a pandemia, e isso afetou diretamente na adesão das vacinas na infância.
Reforço a necessidade de acompanhar as mães que têm deficiência física e intelectual, pois o censo do IBGE (2022) apontou que o Brasil tem em torno de 18,4 milhões de pessoas com esse cenário, sendo que 10,4% são mulheres. Identificar onde estão essas mulheres nos territórios é tarefa urgente, para tirá-las da invisibilidade e promover uma assistência mais direcionada desde a gravidez e após o parto.
Um olhar atento para a nutrição materna e infantil deve ser foco central dos gestores. O Ceará tem avançado na criação de um ambiente propício ao desenvolvimento na primeira infância, com a adoção de políticas públicas robustas e de um monitoramento contínuo das condições de vida e saúde das crianças. O caminho é esse e devemos continuar avançando nos próximos anos!
Por Marcia Maria Tavares Machado, professora Associada do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC. Cientista Chefe SPS/FUNCAP