Embora indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) permanece como principal líder da direita no Brasil. O bolsonarismo raiz não o tira desse posto e aqueles considerados moderados ainda não têm se manifestado contrários à figura central do ex-mandatário no País.
Bolsonaro se apoia numa retórica que o fortalece em meio a aliados e simpatizantes do espectro em que ele está inserido. Apesar de juridicamente enfrentar um cenário complicado, politicamente a força dele se mantém. "Além de carisma, ele continua com o seu discurso eletrizando especialmente uma base na extrema direita desse bolsonarismo raiz", avalia Rodrigo Prando, cientista político e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), considera que Bolsonaro sustenta essa liderança na retórica quando afirma haver perseguição ou que nada o liga aos fatos.
"Isso acaba mantendo ele num lugar de benefício da dúvida em relação às demais lideranças da direita que o apoiam, e isso em termos de liderança de direita. Não estamos falando nem do seu apoio de base social, de base política, que está ali sendo apoiador das ideias do bolsonarismo".
O ex-presidente, segundo a pesquisadora do Lepem-UFC, tenta imprimir uma marca como se ele estivesse sendo perseguido, como se fosse uma liderança tão forte que ameaçasse as demais forças "desse sistema", que, para o ex-mandatário, é corrompido. Dessa forma, o indiciado permanece tentando segurar a possibilidade de concorrer e ter uma boa disputa em 2026, embora inelegível até 2030, por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Se ele vai continuar no páreo, nós temos muito caminho pela frente para eleição presidencial", pondera Paula Vieira. Ela também avalia que Bolsonaro deve sofrer desgaste de acordo com o desenrolar da investigação e que, nesse entremeio, a formação de opinião pública deve pender sobre os apoios de que tem.
"O que está agora em questão não é mais o Bolsonaro num sentido só de acusação, de provas da PF, é também essa construção de opinião pública em relação ao caso. É isso que vai pesar e, talvez, fazer com que outras lideranças de direita se manifestem contrário a ele nos próximos períodos", acrescenta a cientista política.
Nessa costura de uma narrativa favorável para si, o ex-presidente e seus apoiadores também vislumbram a repetição do que ocorreu nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump. Conforme Rodrigo Prando, há um desejo do bolsonarismo em "copiar" a trajetória do presidente eleito dos EUA.
"Até há algumas semanas, houve euforia do bolsonarismo com relação à vitória do Trump, que constitui uma narrativa muito próxima a do Bolsonaro, de que foi perseguido pelo sistema, de que foi especialmente atacado pela Justiça. E o Trump voltou de maneira messiânica, salvacionista, sendo eleito presidente da República. Era tudo o que o bolsonarismo queria para fazer uma possibilidade de transmutação da realidade norte-americana para a realidade brasileira".
Coordenadora do Observatório da Extrema Direita — grupo de Pesquisa que atua junto ao Laboratório de História Política e Social (LAHPS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) —, a cientista política Isabela Kalil entende que o prestígio de Bolsonaro frente ao recente indiciamento precisa ser analisado em duas dimensões: uma de apoio popular e outra do ponto de vista institucional.
"Como político, da perspectiva institucional ele está fora do jogo, mas continua o maior nome como representante da direita no Brasil. Essa ambiguidade pode, inclusive, ser utilizada para que ele continue com o apoio de alguns de seus pares, com a perspectiva de tentar herdar esses votos".
Apesar de considerar ainda "muito cedo" para prever qualquer cenário, Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), acredita que Bolsonaro "deverá continuar de forma 'decorativa' na política, ou seja, como um símbolo de resistência contra o que eles chamam de 'esquerda, sistema, abusos do judiciário'". "Calculo que deve se repetir o cenário da eleição municipal, em que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito releito Ricardo Nunes (MDB), ambos de São Paulo, subiram no palanque com Bolsonaro, mas de uma forma ambígua, se afastando em alguns momentos. Ou não deixando esse apoio em primeiro plano".