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UE-Mercosul: O que está em jogo no acordo que gerou boicote ao Carrefour?
Reportagem

UE-Mercosul: O que está em jogo no acordo que gerou boicote ao Carrefour?

| BLOCOS ECONÔMICOS | Expectativas estão mais acirradas devido ao encontro da Cúpula do Mercosul nos dias 5 e 6 de dezembro no Uruguai
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CARNE brasileira é alvo de impasse entre União Europeia e Mercosul (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES CARNE brasileira é alvo de impasse entre União Europeia e Mercosul

O acordo entre os blocos econômicos da União Europeia (UE) e do Mercosul contou com uma nova leva de embates nos últimos dias, após protestos contra o tratado na Europa e com a varejista de alimentos Carrefour se comprometendo a não comercializar carnes latino-americanas na França, o que levou a boicotes no Brasil.

As expectativas estão também mais acirradas devido ao encontro da Cúpula do Mercosul nos dias 5 e 6 de dezembro no Uruguai. O tratado de livre comércio pode ser anunciado na ocasião, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o qual espera que o acordo comercial seja fechado ainda neste ano na Comissão Europeia.

A possibilidade de parceria entre os blocos vem sendo discutida desde a década de 1990. O termo chegou a ser assinado em 2019, mas necessita de ratificação pelos parlamentos dos países até hoje. Especialistas acreditavam que a resolução viria junto às reuniões do G20 no Brasil em 2024, mas o período foi marcado por pressões externas.

Isso porque, com o eventual livre comércio entre as nações do acordo, o Brasil deve ser beneficiado no segmento agropecuário, tendo em vista sua alta competitividade produtiva e de preços. Algo que não agrada países protecionistas europeus, a exemplo da França, cujos agricultores têm protestado veementemente contra o tema.

O professor de relações internacionais da Universidade de Fortaleza (Unifor), Philippe Gidon, detalhou que a França usa argumentos contrários ligados à proteção ambiental, mas que a preocupação real seria econômica, o que deixa Lula bastante incomodado, segundo o docente. "Ele (Lula) criticou abertamente o que chamou de mudança das regras após o jogo."

Para o presidente Lula, a deliberação seguirá mesmo sem uma possível aprovação da França. "Se a França não quiser, eles não apitam mais nada", pontuou o petista, que se reuniu com o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, para tratar do assunto na última semana. Orsi está otimista com a possibilidade de estreitar laços na UE.

Além disso, o acordo envolve dois pilares além da parte comercial, de acordo com a doutora em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), Flavia Loss. "Ele também inclui um pilar político, voltado para o fortalecimento das democracias e do próprio Mercosul, e outro de cooperação, abrangendo diversas áreas", explicou.

Hoje a Europa enfrenta desafios como o fortalecimento da China e a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o qual já impôs tarifas sobre produtos europeus e pode fazê-lo novamente. Os europeus seriam forçados, assim, a buscar acordos comerciais mais amplos, a exemplo do Mercosul, disse Flavia.

O acordo seria uma oportunidade da indústria brasileira se inserir em cadeias de valor e sair da estagnação, apesar de ter enfrentado, no passado, uma fase temerosa quanto aos impactos da inserção europeia no País. "A maioria dos setores da indústria apoia o acordo, assim como o agronegócio. O problema está do lado europeu", segundo Flavia.

O cientista político e presidente do Instituto Monitor da Democracia, Márcio Coimbra, é mais cauteloso neste cenário. Ele vê que o acordo poderia afetar negativamente a indústria nacional, citando dificuldades de competição no exterior e a estrutura econômica brasileira voltada à exportação de commodities e importação de produtos industrializados.

A implementação completa do acordo poderia levar de 10 a 15 anos, para Márcio. Alguns setores contariam com períodos de adaptação. Todavia, o aproveitamento integral das medidas precisaria de estratégias de ativação tanto no Brasil quanto, até mesmo, no Ceará, segundo o economista e doutor em relações internacionais, Igor Lucena.

"Defendo que precisamos de uma preparação mais robusta. Cursos de relações internacionais em nossas universidades, além de órgãos públicos, empresas e federações setoriais com departamentos específicos para o comércio internacional, são essenciais. Sem essa estrutura, corremos o risco de ver o acordo acontecer, mas sem colher todos os frutos", pontuou Igor. (Com Agências Estado e Brasil)

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Carrefour se desculpa, mas CNA anuncia reação

O grupo francês Carrefour pediu desculpas a produtores brasileiros de carnes na última semana, depois que o diretor-presidente da companhia, Alexandre Bompard, afirmou que as carnes produzidas por países do Mercosul não atenderiam aos padrões europeus.

"Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas", escreveu o gestor ao governo brasileiro.

Desde a declaração, o Carrefour Brasil vinha sofrendo boicotes de frigoríficos no País, cuja normalização só ocorreu após a retratação. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), todavia, entrará com uma ação na União Europeia (UE) contra o Carrefour.

"Fomos surpreendidos com o Carrefour e outras empresas francesas que, de uma hora para outra, procuraram mostrar uma imagem de que a carne que estamos colocando na Europa não atende aos padrões europeus", segundo o presidente da CNA, João Martins.

"Diante dessa acusação, nos vimos obrigados a buscar nosso escritório em Bruxelas para entrar com as ações devidas para buscar o esclarecimento da verdade", acrescentou João, destacando que o maior exportador de carnes do mundo é o Brasil.

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) enalteceu, também, o trabalho da agropecuária brasileira em meio às polêmicas, citando uma "produção de excelência que chega às mesas de consumidores em mais de 160 países do mundo".

Já o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, destacou que o caso está encerrado, pois o dirigente do grupo Carrefour "compreendeu que errou e se retratou; agora, é bola para frente". Para ele, isso não deve atrapalhar o acordo entre Mercosul e UE.

"Sabemos que a França é contra o acordo, mas precisamos ver se conseguirá, sozinha, impedir algo que a União Europeia e o Mercosul desejam", acrescentou. (Com Agências Estado e Brasil)

Com acordo, setor de frutas do CE prevê elevar faturamento da exportação em 20%

Responsável por grande parte das exportações cearenses para a Europa, o setor de frutas prevê que um eventual acordo de livre comércio envolvendo a União Europeia e o Mercosul eleve o faturamento em 20% e em 15%, o volume exportado.

As informações são do diretor da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Luiz Roberto Barcelos, que detalhou que as exportações devem alcançar US$ 1,3 bilhão em 2024, 70% disso junto à Europa.

Hoje as frutas brasileiras contam com um imposto em torno de 10%, o que acaba encarecendo os produtos no exterior e prejudicando o segmento na visão de Luiz. "Estamos tentando há muito tempo esse acordo de livre comércio entre o Brasil e a comunidade europeia."

Questionado sobre as declarações contrárias de algumas associações europeias sobre a qualidade dos produtos agrícolas brasileiros, o diretor disse que todos os produtos exportados são fiscalizados e não colocam em risco a saúde dos consumidores.

"São bandeiras, na verdade, comerciais travestidas de preocupação sanitária e ambiental, mas são todas cortinas de fumaça, mas para não discutir realmente o protecionismo que eles têm em cima da produção, para proteger os produtores locais", detalhou.

Além das frutas, outros setores poderão ser beneficiados pelo acordo no Estado, como calçados, produtos hortícolas, ferro e aço, de acordo com a coordenadora do Núcleo de Práticas em Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mônica Luz.

O Ceará também deve se favorecer indiretamente como um eventual ponto estratégico de exportação devido ao Porto do Pecém e ao Aeroporto de Fortaleza, geograficamente próximos à Europa, segundo o professor de relações internacionais da Unifor, Philippe Gidon.

O cientista político e presidente do Instituto Monitor da Democracia, Márcio Coimbra, enxerga possibilidades, ademais, para empresas cearenses se internacionalizarem para a Europa; e das exportações cearenses atingirem o Leste Europeu.

Já a secretária das relações internacionais do Ceará, Roseane Medeiros, não vê impactos imediatos expressivos no Estado, pois o setor agropecuário brasileiro está mais concentrado em commodities das regiões Sul e Centro-Oeste.

Todavia, a dirigente destacou que sempre mira parcerias internacionais para viabilizar projetos e maximizar oportunidades locais, buscando estabelecer diálogos com representantes de diversos países para um entendimento mútuo que atenda ambas as partes.

Mônica vê que as parcerias internacionais serão cruciais neste cenário, além do fortalecimento da cadeia produtiva local. O grande desafio do Ceará, em sua visão, diz respeito ao atendimento das exigências europeias em sustentabilidade e qualidade.

O economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, Igor Lucena, disse observar, no entanto, uma falta de articulação no Ceará, tanto por parte do governo estadual quanto das prefeituras, para se preparar para a nova realidade do acordo.

Ele destacou a necessidade das entidades governamentais e das federações do comércio, da indústria e da agricultura analisarem e definirem estratégias sobre quais mercados atingir, quais produtos terão vantagens e como aproveitar as oportunidades no cenário europeu.

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