Ao longo dos anos, mesmo diante de desafios profundos, como tempos de ditadura, cortes severos e a desvalorização da pesquisa, a Universidade resistiu disposta a se reinventar. Preservando sua essência como guardiã do conhecimento e impulsionadora do progresso, no ano de 2010 substituiu o acesso via vestibular pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com vagas ofertadas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Além disso, em 2012 foi instaurada a Lei N° 12.711, conhecida como a Lei de Cotas. A partir daí vemos uma Universidade mais plural, com a expansão facilitada por políticas de inclusão, que ampliam o acesso para estudantes de diferentes classes sociais, regiões e etnias.
Segundo Wagner Bandeira Andriola, professor da UFC e coordenador do Mestrado em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior, os impactos positivos dessas políticas já são comprovados.
"Alunos que entram na UFC pela lei de cotas, mesmo com notas iniciais inferiores aos de ampla concorrência, superam dificuldades. Em alguns cursos, seu desempenho chega a superar o dos alunos não cotistas. Isso sugere que, com mais apoio, os resultados poderiam ser ainda mais expressivos. A lei de cotas se revela uma ação afirmativa fundamental para a justiça social no Brasil", esclarece.
Natural do município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), Felipe Caetano da Cunha, de 23 anos, é um exemplo do impacto transformador da educação pública e das políticas de inclusão. Ele se formou em Direito, mas sua paixão pela área começou muito antes. "Foi quando me percebi em situação de trabalho infantil e busquei conhecer mais dos meus direitos enquanto criança", aponta.
Ele foi o primeiro de sua família a entrar e concluir o ensino superior, algo que sua mãe, uma ex-empregada doméstica, e ele próprio jamais imaginaram ser possível. "Fazer faculdade, para muitos, era coisa apenas para filhos de doutores. Nunca me sonharam na UFC, mas eu tive que me sonhar e concretizar esse sonho", relata.
Hoje, Felipe é servidor concursado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Em sua trajetória representou adolescentes no Conselho Nacional dos Direitos das Crianças, foi conselheiro do Unicef e, aos 17 anos, discursou na Organização das Nações Unidas (ONU).
"Me alegra saber que não serei o único da família a chegar até aqui. Para mim, o maior legado da UFC é abrir suas portas para que pessoas pobres e periféricas possam estudar, pesquisar e fazer Ciência", destaca.
Rogério Bié também é o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Filho de agricultores, ele é originário da zona rural de Quixeramobim, a 212 km de Fortaleza. Para ele, a Universidade Federal é, além de um espaço acadêmico, um agente de transformação social.
"Cresci em um assentamento do Movimento Sem Terra (MST) e vivenciei o ativismo por causas socioambientais, direitos humanos e educação. No ensino médio, descobri novas oportunidades e percebi que meu sonho era possível. Decidi cursar Comunicação por acreditar que é uma ferramenta poderosa para mudar realidades e defender direitos fundamentais", relata.
Ele ingressou em Jornalismo na UFC e se formou no final de 2023. Atualmente, atua como gerente de mídias sociais na Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).
"Vejo na minha trajetória o propósito de fazer com que jovens como eu não sejam exceções, mas uma realidade comum no Brasil. A UFC ampliou minha visão de mundo, fortaleceu meu compromisso com a justiça social e me mostrou que a graduação vai muito além da sala de aula", relata Bié.