Entre o 11 de setembro e a pandemia de Covid, um quarto de século se consumiu, balizado por dois eventos definidores do presente e do futuro, que caducou como ideia. Terrorismo e peste ajudaram a moldar o mundo de hoje e do amanhã.
Foi assim com o ataque às Torres Gêmeas em 2001, cujo corolário se desdobrou em múltiplas trincheiras, todas mais ou menos derivadas do atentado da Al Qaeda de Osama bin Laden, morto uma década depois, quando já se tinham esgotados os recursos da "guerra ao terror" de George. W. Bush.
Evento simbolicamente cataclísmico e hipermidiático, registrado sob incontáveis ângulos e narrado sob muitas perspectivas, o 11/9 demarcou de vez a entrada no novo século, pressagiando o cenário conflitivo e redefinindo as relações entre Ocidente e Oriente.
Nele, a ordem global herdada do contexto pós-queda do Muro de Berlim entrava em parafuso, com suas instituições (ONU, Otan etc.) - esvaziadas de um sentido coletivo e internacional - agora reféns de forças sociais emergentes: era o tempo da desagregação que se anunciava.
Seguiram-se então ensaios de extremismo. Primeiro na Itália e na França, depois na Alemanha e finalmente noutras nações de cultura democrática menos sólida, como é o caso do Brasil. Entre nós também essa onda antidemocrática produziu estragos, sem que se saiba ao certo se se trata realmente de uma maré passageira ou de uma metamorfose nos valores políticos na esteira de uma reestruturação da esfera pública mediada pelas redes digitais.
Afinal, Donald Trump não foi um raio em céu azul. Fenômenos do tipo não se repetem sem que haja enraizamento no tecido comunitário e um pano de fundo socioeconômico que ajude a entender por que os EUA preferiram o magnata a Hillary Clinton e agora a Kamala Harris, quando se supunha que toda a série de acusações que recaíam sobre Trump se encarregaria de dinamitar sua popularidade, e não guindá-lo novamente à presidência.
Uma quebra de expectativas semelhante se deu no Brasil, com a eleição de Bolsonaro em 2018, ainda no rastro do sucesso do homólogo estadunidense dois anos antes.
Mesmo a derrota de 2022, quando o então candidato à reeleição se tornou o primeiro chefe do Executivo federal a não renovar o mandato, foi obtida a muito custo — a despeito de sua atuação catastrófica no enfrentamento da crise sanitária e das fartas demonstrações de seu desapreço pela Constituição.
Sinal de que há um tectonismo na política cujos movimentos vêm se registrando abaixo dos radares da análise mais atenta.
Da transição entre Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT), passando pelas crises sucessivas da gestão petista ("mensalão" e "petrolão"), até os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) e do nascimento e morte do "lavajatismo", o fio que conecta essa cadeia de acontecimentos revela um deslocamento dos eixos em torno dos quais a vida no pós-1988 havia se organizado.
Mais que reacomodação, há uma deterioração de noções antes vitais para a coesão social, tais como integração e solidariedade.
Nos últimos 25 anos, o mundo refluiu, com países recuando e fortificando suas fronteiras, no caminho de volta da globalização, que foi a marca dos anos de 1990. O "outro" se converteu em ameaça — terrorista, a depender do tom da pele e de seu credo religioso.
Daí a grande metáfora deste tempo não mais fraturado, mas isolado: o muro, seja o de concreto, como o que Trump planeja construir para estabelecer limites indevassáveis entre dentro e fora, entre amigo e inimigo; seja o virtual, com fluxos digitais alimentando novos radicalismos.