As medidas de fiscalização da Receita Federal nas transações do Pix acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas estão causando confusão dentro e fora do ambiente virtual, incluindo notícias falsas sobre uma taxação inexistente, tentativas de golpes e parte dos comerciantes não aceitando mais pagamentos via Pix no Ceará.
O POVO visitou a região do entorno do Buraco da Gia, no Centro de Fortaleza, ontem, 10, e apurou que a maior parte dos feirantes continua aceitando o Pix, mas temem as mudanças e avaliam alternativas para evitar o Fisco, a fim de seguir sonegando impostos, no caso da parcela que atua dentro da informalidade.
O feirante Vinicius Costa* (nome fictício para preservar a fonte), de 38 anos, disse que sua vontade era de não aceitar mais o Pix desde o dia 1º de janeiro, quando as regras da Receita entraram em vigor no Brasil. “Eu estou aceitando no momento só para não perder venda. Meu objetivo, no entanto, é parar de aceitar o Pix em breve”, pontuou.
O homem também descartou a possibilidade de se regularizar como microempreendedor individual (MEI) devido à questão financeira. “A gente vende bastante no atacado aqui, mas o lucro é pequeno. Então, esse valor vai muito para o distribuidor. A gente manda para o distribuidor e fica só com uma parte pequena”, detalhou.
O discurso é parecido no caso da feirante Larissa Melo* (nome fictício para preservar a fonte), 24, que chega a receber valores de cinco dígitos via Pix, isto é, R$ 10.000. “Para abrir um MEI e ser uma coisa mais organizada, fica mais difícil para mim. Como eu não tenho um ponto fixo, trabalho como ambulante na rua, eu não tenho como fazer esse movimento.”
Larissa chegou a cogitar uma prática irregular para não ter suas movimentações financeiras repassadas à Receita. “O jeito vai ser usar dois ou três Pix pra poder cair um tanto em cada conta e não dar problema, porque a gente passa o dia aqui vendendo, aí, caso chegue R$ 5 mil ou R$ 6 mil no Pix, como é que a gente faz? Tem que dividir nos Pix.”
Apesar das ressalvas feitas pelos dois, os feirantes devem se regularizar e informar suas movimentações financeiras adequadamente ao Fisco, por meio da declaração do Imposto de Renda, caso se enquadrem nos critérios de obrigatoriedade. O cenário da informalidade, no entanto, ainda é comum não só no Ceará, mas no Brasil.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas), Cid Alves, informou que esses casos de ressalvas ao Pix não acontecem nos comércios formais. “Quem trabalha assim está, pelo menos em parte, na informalidade, porque não há razão para isso em situações regulares.”
O desafio, para o especialista, está justamente relacionado à necessidade de formalização. “Você pode abrir uma empresa em cinco minutos, mas muitos ainda resistem, preferindo evitar impostos. Se o tempo consolidar essas tecnologias, quem permanecer informal pode acabar sendo penalizado de forma mais severa”, acrescentou Cid.
“O Pix é muito melhor. Mais prático, mais seguro. Não há risco de falsificação, como acontecia com as cédulas. Para o comerciante, o risco de lidar com dinheiro falso desaparece. Em 2025, inclusive, teremos a moeda digital do Banco Central, o Drex. É um passo importante na digitalização, não há como retroceder”, detalhou.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, ressaltou também que, uma vez que a medida de fiscalização foi aprovada, é preciso cumpri-la. Além disso, o Pix veio para ficar e facilita a vida dos consumidores e dos comerciantes, sendo moderno, instantâneo e prático, na sua opinião.
Assis vê, ainda, um impacto com a fiscalização. É possível, no primeiro momento, que volte a haver maior circulação de dinheiro, pois as pessoas podem achar que é uma solução para fugir do controle fiscal, porém a tendência não deve ser duradoura. “Na prática, o dinheiro vai para o banco, e as movimentações financeiras continuam acessíveis à Receita.”
No interior do Ceará, comerciantes deixam de receber Pix
Andar com dinheiro no bolso há tempos não era mais uma prática adotada pela estudante Jennifer Batista, 21, até que comerciantes da cidade de Guaraciaba do Norte - a 307 quilômetros (km) de Fortaleza -, onde vive, passaram a não aceitar mais pagamentos via Pix desde a implantação das regras de fiscalização da Receita Federal.
"No interior, as pessoas já estão com medo. Tanto quem faz unhas quanto quem faz cabelo e cílios não estão mais aceitando o Pix, justamente pelo medo do rastreamento. Então, já vim preparada para isso. Mas, aqui em Fortaleza, todos com quem conversei estão aceitando normalmente e não estão cobrando taxas extras", detalhou.
A jovem, que está passando uns dias na Capital e aproveitou para fazer compras no Buraco da Gia, trouxe dinheiro "vivo" para não correr riscos com a recusa do Pix. "Como agora tem essa demanda do Pix e as pessoas estão com medo de ultrapassar o limite, eu trouxe dinheiro. Saquei o dinheiro para fazer as compras, porque assim ficaria mais fácil."
O POVO apurou que o Pix já está sendo rejeitado, também, em Juazeiro do Norte, a 508 km de Fortaleza. Um estabelecimento local, que atua na venda de galões de água, repassou a informação para os clientes de que não aceita mais pagamentos pelo Pix ou cartões de crédito, só dinheiro. Situações similares têm ocorrido em Crateús, segundo o Portal Sertões.
Já a feirante Carmen Oliveira, 55, que atua em Fortaleza, relatou preocupação com as mudanças. Mesmo estando na formalidade e declarando o Imposto de Renda, a mulher teme algum tipo de perda financeira, mas acredita, na prática, que o pensamento não deve se concretizar. A maior parte dos recebimentos do seu comércio são via Pix.
"Como eu já estou regularizada, isso não vai impactar muito, mas tenho medo. A questão do Pix acho que até melhorou em relação a roubos. Porque, antes, quando saíamos da feira, as pessoas achavam que estávamos indo embora com muito dinheiro, e aconteciam muitos assaltos por causa disso. Hoje em dia, ficou um pouco mais seguro", disse.
Especialistas orientam consumidores sobre mudanças e direitos
Com parte do comércio alterando dinâmicas em torno do Pix, parte dos estabelecimentos só passou a aceitar pagamentos em dinheiro no Ceará, enquanto outros cogitam valores mais altos no Pix do que no dinheiro. Mas, afinal, o que é permitido? Especialistas orientam os consumidores sobre as mudanças e os direitos.
O advogado e especialista em direito do consumidor, Kevin de Sousa, relatou que os estabelecimentos comerciais têm autonomia para definir quais meios de pagamento aceitarão, não sendo obrigados a aceitar todas as modalidades. "No entanto, uma vez que um meio de pagamento é aceito, não podem estabelecer valores mínimos para sua utilização."
Além disso, ele explicou que a diferenciação de preços por meio de pagamento é regulamentada pela Lei Nº 13.455/2017. Tal discrepância é permitida, mas exclusivamente na forma de descontos e nunca como acréscimos. "Se um produto custa R$ 100, o comerciante pode oferecer um desconto para R$ 90 no pagamento em dinheiro."
"Consumidores que se depararem com cobranças adicionais (não descontos) baseadas no meio de pagamento podem recorrer aos órgãos de defesa do consumidor. É importante que o consumidor reúna evidências da prática irregular, como anúncios, comprovantes ou registros da diferenciação irregular de preços", esclareceu.
O coordenador jurídico do Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza), Airton Melo, destacou que, se os consumidores se depararem com práticas irregulares, devem recorrer à entidade para fazer um registro da reclamação por meio do site da Prefeitura Municipal de Fortaleza (www.fortaleza.ce.gov.br).
O especialista do Procon Fortaleza informou, ainda, que os consumidores podem entrar em contato para tirar dúvidas, já que o órgão orienta sobre tais práticas tanto pelo site quanto pelo número 151. "Estamos sempre atentos para garantir que as normas sejam cumpridas e para orientar os consumidores sobre os seus direitos", disse.
Kevin ressaltou, ainda, que o novo cenário do Fisco afeta especialmente trabalhadores informais, profissionais que realizam trabalhos extras sem declaração, como freelancers, e arranjos cotidianos, a exemplo da divisão de despesas entre familiares ou amigos. Especificamente para o comércio, significa um acompanhamento mais rigoroso.
"É importante ressaltar que esta fiscalização não visa criar obstáculos às transações legítimas, mas sim garantir a conformidade fiscal e tributária das operações financeiras no País", citou o advogado. "As mudanças na fiscalização do Pix e demais meios de pagamento digitais representam uma evolução significativa no sistema de monitoramento financeiro."
Cobrança em compra no Pix? Receita Federal alerta sobre novo golpe
Criminosos estão usando as fake news relacionadas à fiscalização da Receita Federal sobre as transações de R$ 5 mil feitas no Pix e nos cartões de crédito para aplicar um novo golpe nos consumidores.
Segundo o Fisco, os golpistas enviam mensagens por WhatsApp e alegam que há uma cobrança de taxas sobre as transferências via Pix em valores acima de R$ 5 mil.
Quando o consumidor diz que não vai pagar, o criminoso ainda ameaça dizendo que o CPF da pessoa será cancelado.
Veja abaixo as dicas de como
se proteger.
Tudo isso é mentira. "Não existe tributação sobre Pix, e nunca vai existir, até porque a constituição não autoriza imposto sobre movimentação financeira", assegura a Receita Federal.
Por que haverá fiscalização sobre
o Pix?
Maior segurança nas transações é o motivo da fiscalização sobre as operações acima de R$ 5 mil via Pix e cartões de crédito, segundo afirmou o Governo Federal.
Com isso, além das informações dos bancos tradicionais, o Fisco vai receber informações das operadoras de cartão de crédito e das chamadas "instituições
de pagamento".
"A Receita Federal, portanto, não cobra e jamais vai cobrar impostos sobre transações feitas via Pix. O que está ocorrendo é apenas uma atualização no sistema de acompanhamento financeiro para incluir novos meios de pagamento na declaração prestada por instituições financeiras e de pagamento", reitera. (Armando de Oliveira Lima)
Como se proteger dos golpes que usam o Pix?
Desconfie de mensagens suspeitas:
Não forneça informações pessoais em resposta a e-mails ou mensagens de origem desconhecida que solicitem dados financeiros ou pessoais.
Evite clicar em links desconhecidos:
Links suspeitos podem direcionar você a sites fraudulentos ou instalar programas prejudiciais no seu dispositivo.
Não abra arquivos anexos: Anexos em mensagens fraudulentas geralmente contêm programas executáveis que podem roubar suas informações ou causar danos ao computador.
Verifique a autenticidade:
A Receita Federal utiliza exclusivamente o Portal e-CAC (Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte) e o site oficial como canais seguros de comunicação.
Não compartilhe fake News:
A Receita também dá dicas para que os consumidores não reforcem as histórias dos golpistas ao compartilhar fake News sobre a fiscalização do Pix. Veja:
Verifique a fonte:
Mensagens com informações alarmantes ou urgentes geralmente são falsas. Consulte sempre o site oficial da Receita Federal ou outros canais confiáveis.
Questione o conteúdo: Desconfie de mensagens com erros de português, textos muito sensacionalistas ou promessas milagrosas.
Não acredite em mensagens não oficiais:
A Receita Federal não envia cobranças ou comunicados por WhatsApp, SMS ou redes sociais. Sempre confirme diretamente pelos canais oficiais.
Converse sobre o tema: Oriente familiares e amigos a sempre verificarem informações antes de repassá-las. O combate às Fake News começa com cada um de nós.
Haddad desmente fake news criadas sobre taxação de Pix, compra de dólares e pets
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desmentiu um vídeo falso e manipulado que foi publicado nas redes sociais em que ele parece dizer que o plano do governo é "taxar tudo", incluindo "cachorrinhos de estimação". O ministro também desmentiu, em vídeo publicado no perfil do Ministério da Fazenda, a cobrança de impostos sobre o Pix.
Segundo Haddad, esses conteúdos são mentirosos e, às vezes, se misturam com algum fato verdadeiro para confundir a opinião pública.
"A única coisa verdadeira desse vídeo que está circulando é que, de fato, as empresas, os cassinos virtuais, chamadas bets, que são casas de apostas que lucram uma montanha de dinheiro, essas casas de apostas vão ter que pagar impostos devidos como qualquer outra empresa instalada no Brasil. Fora isso, é tudo falso", esclareceu Haddad, em vídeo publicado nas redes sociais.
O ministro disse que é mentira que o governo vá cobrar impostos sobre o Pix, sobre a compra de dólar ou sobre animais de estimação.
No vídeo manipulado que circula nas redes sociais, Haddad fala na criação de um imposto "do cachorrinho de estimação", de um imposto "pré-natal" para mulheres grávidas e de um imposto "das bets".
O conteúdo foi alterado com uso de inteligência artificial, como mostrou o Estadão Verifica.
Haddad reforçou que a disseminação de fake news traz uma série de inseguranças para a população.
"Pessoal, vamos prestar atenção, está circulando uma fake news, prejudica o debate público, prejudica a política, prejudica a democracia. Essas coisas estão circulando e nem sempre as pessoas têm tempo de checar as informações", afirmou ele. "Então, fica ligado, deixa a mentira de lado e vamos seguir com o Brasil para frente."
Receita Federal e Pix
Mais cedo, o Ministério da Fazenda já havia feito uma publicação rebatendo notícias que circulam nas redes sociais dizendo que o governo iria taxar o Pix.
"Não, a Receita Federal NÃO vai cobrar impostos sobre o Pix! O que está acontecendo é uma atualização do sistema de acompanhamento financeiro para incluir novos meios de pagamento, como o Pix", diz a pasta na publicação. "A Receita vai receber só valores globais das instituições financeiras, sem identificação individualizada de cada operação."
Em 1º de janeiro, entraram em vigor as novas regras da Receita Federal para a fiscalização de transferências financeiras.
A principal mudança foi a extensão do monitoramento de transações financeiras às transferências Pix que somam pelo menos R$ 5 mil por mês para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
Além das transações Pix, esses limites também valem para as operadoras de cartão de crédito e as instituições de pagamento, como bancos digitais e operadoras de carteiras virtuais.
Elas deverão notificar à Receita operações cuja soma mensal ultrapassa esse teto.
Os bancos tradicionais, as cooperativas de crédito e instituições que operam outras modalidades de transação já tinham de informar à Receita sobre esses valores.
O reforço na fiscalização de transferências via Pix e cartão de crédito não significa, porém, criação de impostos, esclareceu nesta semana a Receita Federal.
Em comunicado, o Fisco desmentiu informações falsas que circularam nas redes sociais nos últimos dias sobre cobrança de imposto para transferências digitais.
No comunicado, a Receita também explicou que o reforço na fiscalização não desrespeitará as leis que regulam os sigilos bancário e fiscal, sem identificar a natureza ou a origem das transações. "A medida visa a um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária, a partir da qual será possível oferecer melhores serviços à sociedade, em absoluto respeito às normas legais dos sigilos bancário e fiscal."