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Crime organizado: o esforço do Ceará para desmantelar o tráfico de animais
Reportagem

Crime organizado: o esforço do Ceará para desmantelar o tráfico de animais

| mercado ilegal | Órgãos públicos e instituições do Estado criam rede de inteligência para resgatar vítimas e prender as quadrilhas criminosas. Tráfico de animais movimenta por ano pelo menos US$ 2 bilhões no Brasil
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-12-2024: Macacos em um dia no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) do Ibama Ceará, estrutura e procedimentos para o combate ao tráfico de animais. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-12-2024: Macacos em um dia no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) do Ibama Ceará, estrutura e procedimentos para o combate ao tráfico de animais. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Engaiolado, uma vítima. Esticando as mãos entre as grades, o macaco-prego (Sapajus) procura a atenção humana que foi ensinado a recorrer desde pequeno. É o sintoma de uma história trágica no início, meio e fim: ele é um dos milhares de indivíduos retirados da própria mãe, quase sempre assassinada, pelo tráfico de animais silvestres. Tudo para ser vendido ilegalmente e viver uma vida afastada dos direitos estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978 — os de uma vida digna, livre no seu próprio ambiente natural.

O tráfico de animais é o terceiro mercado ilegal mais lucrativo do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Só no Brasil, ele movimenta pelo menos US$ 2 bilhões, entre US$ 10 bilhões mundiais, por ano.

Como país mais biodiverso do mundo, o Brasil é vítima fulcral do contrabando. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), 38 milhões de animais são retirados da natureza por ano no País — 15% da movimentação do comércio internacional vem daqui. Os dados são todos do Renctas, mas o tema ainda sofre com subnotificação e defasagem de dados consolidados.

Espalhado por 162 países e territórios e afetando cerca de quatro mil espécies de flora e fauna mundialmente, também não há indícios de redução substancial nos números de tráfico. É o que indica o Relatório Global sobre a Vida Selvagem e os Crimes Florestais 2024, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Em geral, estima-se que de dez animais traficados, nove morrem na captura ou no transporte. "Eu costumo dizer mais: de dez animais traficados, nove morrem e um sai traumatizado", complementa a primatóloga Vitória Nunes, do Instituto Pró-Silvestre.

O nosso jovem macaco-prego é um desses sobreviventes traumatizados. Ele está nos primeiros estágios de reabilitação no Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ceará (Cetras-CE), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na gaiola com diversos frutos à disposição, ele balança a cabeça aleatoriamente. Ao levantar-se para caminhar, ao descascar a comida… É um dos tiques mais comuns observados por biólogos em macacos que passaram por situações de estresse e de confinamento.

Para os olhos leigos, parece uma mania engraçada. "É um comportamento estereotipado", define o analista ambiental do Cetras-CE Alberto Klefasz. "O mais típico é o girar de cabeça. Tem também a autocatação, que é quando ele fica se coçando (o que pode gerar feridas), tem a masturbação e tem o autoengancho".

Eles também tendem a apresentar marcas de corrente e cordas. "Macacos são muito hiperativos, curiosos e inteligentes. Por isso eles tendem a ser presos em gaiola ou em correntes", lamenta a primatóloga Vitória Nunes.

"As pessoas compram eles filhotinhos, e os filhotes ficam nas costas das mães até os dois anos. Aí o tráfico mata a mãe", descreve. Nesse período, eles são mais fáceis de manejar, não à toa é mais comum ver filhotes em vídeos, gifs e figurinhas nas redes sociais.

No entanto, à medida que eles crescem e atingem a maturidade sexual, o cenário muda. "Macacos são muito ágeis e tendem a quebrar as gaiolas, e aí vêm os castigos. As pessoas acham que vão adestrar", diz a especialista.

Somente entre 2015 e 2022, o Cetras-CE recebeu 30.565 animais silvestres apreendidos, em sua maioria, do tráfico. Esses são apenas os que foram resgatados pelos órgãos ambientais. O número, portanto, não dá conta da real dimensão de vidas sequestradas e perdidas pelo comércio ilegal.

Ibama, Ministério Público do Ceará (MPCE), Batalhão de Polícia Militar Ambiental da Polícia Militar (BPMA), Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil (DPMA), Secretaria de Proteção Animal do Ceará (Sepa) e Instituto Pró-Silvestre (IPS) formam uma teia de inteligência policial, ambiental e técnica para resguardar os direitos do patrimônio brasileiro, uma fauna viva e que também sente dor.

Sinais de maus-tratos a macacos

Vestindo roupa

As roupas impedem o animal de se movimentar livre e naturalmente. Às vezes, o movimento engraçado é sinônimo de desconforto. Roupas também podem impedir a síntese de vitamina D, por bloquear a luz solar.


Sorriso e vocalização de medo

Quando macacos abrem a boca e mostram todos os dentes, isso significa medo, subsmissão ou agressividade. Mostrar os dentes não é um sorriso. Algumas vocalizações dos saguis também são de medo.


Mutilação animal

É comum que os macacos "pet" tenham os dentes arrancados ou lixados. Isso é mutilação animal e dá para perceber em alguns vídeos e fotos. Em outros casos, os rabos são cortados ou partes do corpo são quebradas.


Coleira

Colocar uma coleira em macacos, ou prendê-lo com correntes, é uma das formas mais óbvias de impedir a movimentação e a liberdade do animal. Também pode machucar.

No Brasil, há apenas um criadouro de primatas autorizado pelo Ibama, localizado no interior de Santa Catarina. Lá, os macacos podem custar até R$ 60 mil e saem com microchip, requisito obrigatório.

Com a constante veiculação da imagem desses primatas como "pets", o tráfico coopta pessoas que desejam comprar um macaco por vias mais fáceis e baratas. Nesse caso, o comprador também comete crime.

O artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais indica que a pena por "matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente" é de detenção de seis meses a um ano, com multa.

Passo a passo do impacto do tráfico de animais na crise climática

1 Tráfico ilegal de animais silvestres

2 Redução das populações de espécies silvestres

3 Redução dos estoques de carbono e aumento nas emissões

4 Perturbação no equilíbrio dos ecossistemas

5 Debilitação das medidas de adaptação e mitigação à crise climática

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