Por critério, um Geoparque é mais apenas um espaço geológico; é também aprendizado e cultura. Quixadá é berço de ícones como Rachel de Queiroz, pioneira na literatura cearense, e Cego Aderaldo, poeta e repentista que exaltou o sertão. Já Quixeramobim é terra de Antônio Conselheiro, líder do movimento de Canudos.
Michelle Maciel é historiadora e gestora cultural na Casa de Saberes Cego Aderaldo, equipamento em Quixadá. Ela reforça a conexão entre o território e sua riqueza cultural: "Nós estamos em um lugar ancestral, com comunidades tradicionais como os quilombos Sítio Veiga e Marinho, além de outras comunidades remanescentes. Essa herança se traduz em manifestações culturais coletivas, envolvendo diversas instituições."
As danças tradicionais, como o Reisado Boi Coração e a Dança de São Gonçalo, mantêm viva a tradição centenária da região. Outro aspecto do local são os Profetas da Chuva, que utilizam saberes tradicionais para prever o clima, unindo conhecimento popular à ciência.
Michelle também falou sobre um dos atrativos mais curiosos: a ufologia. "Quixadá é conhecida como a capital dos discos voadores. A Lagoa do Eurípedes, chamada de 'Aeroporto dos ETs', atrai curiosos pelo seu misticismo, algo que até Raquel de Queiroz mencionou em suas obras."
Os municípios também serviram de cenário para diversas produções cinematográficas que retratam a vida no sertão central e o típico humor cearense. Segundo Humberto Cunho, especialista em Direito Cultural e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), é curioso notar que não são apenas os humoristas que tornam a narrativa engraçada, mas sim a própria cultura local.
"Esse estilo de humor cearense, marcado pela capacidade de 'mangar' uns dos outros sem ofensa, tem paralelos com práticas já reconhecidas pela Unesco. Aqui, o humor vai além do entretenimento: é uma linguagem de afeto e mediação social", aponta.
Se oficialmente reconhecida pela Unesco, a expectativa é que as cidades se tornem um ponto estratégico para o turismo sustentável. Segundo Felipe Monteiro, um dos idealizadores do projeto Sertão Monumental e professor do IFCE, sua localização, a pouco mais de duas horas de Fortaleza, é uma vantagem importante para atrair visitantes.
"Quem não gostaria de explorar um patrimônio da Unesco? Será possível fazer uma visita em um único dia", destaca Felipe.
Outro aspecto importante é que a implementação do geoparque não exige a desapropriação de terras. Isso permite que os proprietários de áreas com geossítios, como fazendas, possam se beneficiar economicamente por meio do turismo.
"Os proprietários podem oferecer visitas guiadas ou até cobrar pelo acesso a locais específicos se esses ficarem em suas propriedades. É uma relação de ganha-ganha, desde que o planejamento seja cuidadoso e o respeito à conservação ambiental seja prioridade", conclui o especialista.