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Os impactos de Donald Trump e os desafios à agenda ESG
Reportagem

Os impactos de Donald Trump e os desafios à agenda ESG

| REPERCUSSÕES | Enquanto potência econômica, os EUA têm o potencial de influenciar, e já estão impactando, outros países e empresas nos campos de sustentabilidade e de diversidade
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Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. (Foto: STRINGER / AFP)
Foto: STRINGER / AFP Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.

A agenda ambiental, social e de governança (ESG, em inglês) tem ganhado força globalmente nos últimos anos, mas tem enfrentado novos desafios em virtude das políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Enquanto potência econômica, os EUA têm o potencial de influenciar, e já estão impactando, outros países e empresas no campo.

Desde que reassumiu o poder em 20 de janeiro de 2025, uma das primeiras ações do presidente foi retirar os EUA do Acordo de Paris, que visa à descarbonização global. Trump tem defendido um aumento nos investimentos em combustíveis fósseis e adotado políticas e discursos que se opõem aos direitos dos imigrantes e às pautas de diversidade.

O republicano também suspendeu uma parceria com o Brasil para o combate a incêndios florestais, e censurou termos como “direitos humanos”, “crise ecológica”, “opressões de gênero, classe e raça”, entre outros, em um projeto do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marco Alves, aprovado pelo programa dos EUA Fulbright Specialist Program.

Além disso, grandes empresas como Google, Amazon e Meta – dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – já voltaram atrás em iniciativas socialmente sustentáveis em seus negócios no início deste ano, encerrando programas de diversidade e restringindo políticas de contratação de minorias dentro do quadro de funcionários e, até mesmo, de fornecedores.

No Brasil, a primeira manifestação foi da nova vice-presidente executiva de pessoas da Vale, Catia Porto. Em postagem, ela defendeu políticas de recursos humanos voltadas à meritocracia e excelência em contraposição a ações de diversidade. Porém, a própria empresas tratou de reforçar a política ESG em comunicado posterior.

“Essa retórica do Trump influencia muito, não só os governos de outros países, como também as empresas, porque há um viés ideológico muito forte. (...) Isso faz parte de uma mentalidade, de uma orientação ideológica da extrema-direita mundial”, acrescentou a doutora em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), Flavia Ross.

Flavia ressaltou que o retrocesso não é tão significativo até o momento, pois o novo mandato de Trump ainda está no começo. No entanto, no longo prazo, ela vê consequências “terríveis”, já que colocar “a sustentabilidade em segundo plano traz riscos graves”. E o que foi alcançado em diversidade pode ser mais comprometido na disputa ideológica.

Países como Itália, Argentina e Alemanha podem acabar na mesma direção do presidente norte-americano, enquanto França e outros europeus devem continuar mais voltados ao ESG. No caso do Brasil, já há legislações mais fortalecidas, como as leis ambientais, de cotas e de participação feminina, segundo a sócia da Verri Paiva Advogadas, Adriana de Paiva.

Já a especialista sênior em gestão de sustentabilidade, Meire Ferreira, acredita que o movimento dos EUA é político, e não espera grandes influências na prática, pois não há como ignorar as mudanças climáticas e a necessidade de diversidade. “Vejo o Trump começando a ficar isolado sob a perspectiva de uma agenda que é de futuro – e não um futuro para daqui dez anos, mas para amanhã.”

Agora fica a dúvida em relação ao retrocesso nas empresas, pois as que não têm comprometimento com as causas estão muito mais confortáveis para voltarem atrás. “Muitas dessas empresas adotaram tais políticas em resposta às exigências de seus investidores (...), mas não se tratou, de fato, de uma mudança de cultura empresarial”, disse Adriana.

O Brasil tem um diferencial no ambiente corporativo, pois as normativas contábeis exigem a observação dos impactos ESG, especialmente no caso das instituições de capital aberto na bolsa de valores; mas não dá para acreditar que o País está protegido, “porque uma coisa é ter a legislação e outra é as empresas realmente adotarem”, explicou Meire.

Porém, se por um lado o Governo Trump pode enfraquecer o compromisso de algumas companhias com o ESG, por outro pode levar a um fortalecimento das que passam a adotar uma postura ainda mais ativa nos assuntos, diferenciando-se no mercado e atraindo investidores que priorizam práticas sustentáveis e inclusivas, afirmou Adriana.

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Bolsa de valores brasileira diz que agenda ESG "não retrocede"

A bolsa de valores brasileira, conhecida como B3, acredita que a agenda ESG não vai retroceder. A vice-presidente de pessoas, marketing, comunicação, sustentabilidade e investimento social na B3, Ana Buchaim, vê as práticas evoluindo no Brasil.

“O compromisso da B3 com a agenda ESG não muda, mesmo nesse contexto de posicionamento dos Estados Unidos. A B3 lidera a agenda ESG há mais de 25 anos no Brasil, promovendo práticas de governança“, de acordo com a executiva.

A ideia da entidade é seguir avançando na pauta de diversidade, equidade e inclusão, ganhando ainda mais maturidade. A B3 possui cerca de 30 índices, dez deles são ESG, com metodologias e objetivos próprios para representar diferentes teses de investimento.

“A B3 ajuda muito na questão de indução, olhando e dando exemplo daquilo que se faz boas práticas ESG; dando palco e mostrando as companhias que fazem muito bem e ajudando as companhias nas suas jornadas”, explicou a executiva em entrevista ao O POVO.

O principal indicador ESG na B3 é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), avaliando as práticas de sustentabilidade dentro das empresas. As cearenses Aeris Energy, M. Dias Branco e Grendene estão nesta carteira, composta por um total de 76 empresas em 2024.

Outros com destaque são o Índice de Diversidade (IDiversa), que mede a diversidade nas companhias, e o Índice Carbono Eficiente (ICO), avaliando as emissões de carbono e aspectos de governança. A M. Dias Branco está na carteira deste último.

Ana explicou que os índices ajudam os investidores a olharem os recortes de um grupo de companhias e entenderem sua performance financeira de acordo com uma tese de investimento. “Fazem esse recorte a partir de uma lente voltada para as práticas ESG”.

A B3 atua, ainda, com um pilar de dados, em que coleta, padroniza e disponibiliza dados que podem ser usados tanto pelos investidores quanto pela sociedade, a fim de auxiliar decisões de investimentos, consumo e gestão, conforme Ana.

Além disso, há a negociação de crédito de carbono, que é uma agenda que tem avançado no País tanto pelo lado regulado quanto voluntário. E a B3 está posicionada tanto para a negociação dos créditos quanto para o registro dessas operações.

O chefe de investimentos da XP Inc., Artur Wichmann, acrescentou que os investidores estão atentos aos temas da agenda ESG, mesmo com Trump. No ambiental, ele vê riscos em ignorar a realidade. No social, citou impactos limitados. Já a governança está consolidada.

Artur enxerga, ainda, pontos questionáveis e efeitos negativos nas políticas do presidente norte-americano tanto para os EUA quanto para a economia global, podendo gerar impactos inflacionários e, consequentemente, afetar os mercados.

Ele teme que isso acabe gerando um efeito cascata ao redor do mundo, pois já que os EUA passaram a ter esse olhar mais contrário à sustentabilidade e à diversidade, outros países ficarão menos pressionados a evoluir com as pautas também.

Quem assume mais responsabilidades

As grandes empresas que já estão consolidadas têm assumido mais responsabilidades na área ESG, independentemente das mudanças nos Estados Unidos, de acordo com Gabriela Almeida, gerente executiva de direitos humanos e trabalho do Pacto Global Rede Brasil, iniciativa de sustentabilidade corporativa da Organização das Nações Unidas (ONU).

A especialista demonstrou estar bastante otimista, pois, em conversas com empresas e parceiros de fora, ficou claro que as organizações estão se posicionando favoravelmente à diversidade, aos direitos humanos e à sustentabilidade. Ela não descarta que há muito trabalho a ser feito, mas vê comprometimento nesta movimentação.

O Pacto tem reforçado a importância do setor privado assumir sua parcela de responsabilidade quando se trata do meio ambiente e das questões sociais. Isso porque as empresas têm um papel de ação, enquanto os estados e países possuem outros. Se as empresas têm essa política bem estabelecida, elas têm mais força para continuar investindo, segundo Gabriela.

Gabriela vê uma atuação transversal das pautas ESG não só no Brasil, mas em diversos países, sendo fundamental que as empresas analisem os assuntos de desenvolvimento sustentável com metas e indicadores. Ela não acredita que apenas pela boa vontade o mundo vai avançar nesses temas.

Neste sentido, o Pacto Global Rede Brasil lançou, há alguns anos, o movimento Ambição 2030, o qual traduz em metas os compromissos que as empresas precisam atingir em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A executiva destacou que, anualmente, as empresas assinam o compromisso e reportam os seus avanços.

Na área de direitos humanos, por exemplo, são trabalhados cinco ODS: gênero, trabalho, saúde, desigualdade e salário digno. Além disso, se o trabalho com direitos humanos e sustentabilidade era algo voluntário antes, ele está se tornando uma pressão regulatória atualmente em nível internacional, especialmente na Europa.

Como o mundo está interconectado, essas pressões internacionais positivas impactam o Brasil. Gabriela pontuou, inclusive, a tramitação do projeto de lei (PL) nº 572/2022, voltado à relação entre os direitos humanos e as empresas. Essas pressões também devem vir de consumidores e investidores, que demandam maior eficiência e sustentabilidade.

Pátio de Compostagem visa tornar o Beach Park autônomo na gestão de resíduos. Iniciativa reduz a pegada de carbono do parque, e o adubo produzido é utilizado no programa
Pátio de Compostagem visa tornar o Beach Park autônomo na gestão de resíduos. Iniciativa reduz a pegada de carbono do parque, e o adubo produzido é utilizado no programa "Mãos à Horta", de educação ambiental com crianças. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Sustentabilidade como prioridade dos negócios

A sustentabilidade e a diversidade são pautas que o Beach Park já trabalha há mais de uma década, antes mesmo de se popularizar como ESG. A preocupação com os temas é essencial para a existência do complexo turístico, já que atrai um público que busca contato com a natureza, conforme a gerente de sustentabilidade Raissa Bisol.

"Para nós, a decisão de outros países não altera nosso posicionamento. Sustentabilidade é o nosso negócio. Para demonstrar como isso é prioritário, nossa área de sustentabilidade responde diretamente à presidência da empresa. (...) Para nós, sustentabilidade só existe quando há equilíbrio entre esses três pilares: social, ambiental e governança", disse.

Entre as iniciativas de destaque da empresa cearense, estão o programa "Eu Reciclo", que cresceu nos pilares social e ambiental, começando com um índice de reciclagem de 3% e atingindo 98%. O projeto emprega catadores de materiais recicláveis de Aquiraz, proporcionando uma fonte de renda. Transforma, ainda, boias usadas em chinelos.

Já a ação do Pátio de Compostagem visa tornar o Beach Park autônomo na gestão de resíduos, produzindo adubo a partir de casca do coco, poda de jardinagem e resíduos orgânicos das cozinhas. Essa iniciativa reduz a pegada de carbono do parque, e o adubo produzido é utilizado no programa "Mãos à Horta", de educação ambiental em escolas.

A entidade também destacou seu programa de diversidade e inclusão, denominado "Na Onda da Diversidade", que promove rodas de conversa com diversos grupos, como LGBTQIAPN , mulheres e pessoas com deficiência. A empresa tem um comitê que organiza as pautas e projetos prioritários, além de possuir o selo de "Empresa amiga do autista".

Além disso, uma das principais companhias reconhecidas pela sua atuação ESG no Brasil é a Natura&Co, que divulgou uma carta, em meio aos avanços de Trump, para reafirmar o compromisso na "construção de um mundo mais justo, ético e inclusivo." "Mais do que nunca, esse esforço precisa ser corajoso, intencional e, sobretudo, coletivo."

"Não há mais tempo para retrocessos. Para a Natura, mais do que metas, a conservação da natureza, a defesa irrestrita dos direitos humanos e a valorização da diversidade são pilares essenciais para a longevidade do nosso negócio", destacou.

A empresa citou, neste sentido, que os desafios sociais e ambientais não se resolverão apenas por governos ou organismos multilaterais, sem que a sociedade civil e o setor empresarial se mobilizem. "Movida por essa urgência, recentemente a Natura revisitou suas metas e assumiu compromissos sociais e ambientais ainda mais ambiciosos a serem alcançados até 2030."

A Natura busca, nas próximas décadas, ser um negócio regenerativo, "indo além da compensação de impactos negativos para passar a gerar resultados positivos sistêmicos para as pessoas e para a natureza", disse. "Acreditamos que os negócios só se tornam mais prósperos na medida em que a humanidade e natureza também prosperam."

 

ESG sob Trump: linha do tempo das principais ações em 2025

  • 20/01/2025: Trump retira os EUA do Acordo de Paris voltado à descarbonização
  • 20/01/2025: Trump retira os EUA da Organização Mundial da Saúde e ataca imigrantes
  • 24/01/2025: Trump demite funcionários ligados à diversidade e meio ambiente
  • 27/01/2025: Trump declara fim da 'ideologia transgênero' no Exército
  • 27/01/2025: Governo Trump anuncia maior deportação da história
  • 28/01/2025: Trump renomeia Golfo do México para Golfo da América
  • 28/01/2025: Trump restringe transições de gênero em menores por decreto
  • 28/01/2025: Trump ataca políticas de diversidade e inclusão
  • 29/01/2025: Trump propõe cortar financiamento de escolas que ensinam 'teoria crítica da raça'
  • 29/01/2025: Trump quer usar Guantánamo para prender imigrantes
  • 30/01/2025: Trump culpa políticas de diversidade por falhas na segurança aérea
  • 03/02/2025: Musk afirma que Trump fechará agência de cooperação ao desenvolvimento
  • 03/02/2025: Trump exige garantias sobre terras raras da Ucrânia em troca de ajuda
  • 03/02/2025: Musk e Trump atacam agência de ajuda dos EUA, afastando diretores
  • 04/02/2025: Trump diz que EUA 'assumirá controle' da Faixa de Gaza
  • 04/02/2025: Trump retira os EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU
  • 05/02/2025: Após Meta e Amazon, Google cancela metas de contratação por diversidade
  • 05/02/2025: Trump impede participação de atletas trans em esportes femininos
  • 06/02/2025: Governo Trump processa Illinois por proteção a imigrantes
  • 07/02/2025: Trump congela ajuda à África do Sul por discriminação contra minoria branca
  • 07/02/2025: Governo Trump envia 111 deportados ao Brasil
  • 10/02/2025: Trump limita aplicação de lei anticorrupção no Exterior
  • 10/02/2025: Trump diz que palestinos não voltarão a Gaza
  • 11/02/2025: Trump volta a permitir canudo de plástico e refuta o de papel
  • 11/02/2025: Casa Branca responde ao Papa Francisco por críticas migratórias
  • 11/02/2025: Trump critica 'juízes politizados' que bloqueiam suas medidas
  • 11/02/2025: Trump suspende parceria com o Brasil no combate a incêndios
  • 12/02/2025: Dinamarqueses reagem após ameaça de Trump sobre Groenlândia
  • 12/02/2025: Trump demite inspetor-geral de Agência de Desenvolvimento dos EUA
  • 12/02/2025: Trump pressiona Jordânia a aceitar palestinos em seu plano para Gaza

Fontes: Wall Street Journal e Agências Estado, Brasil e AFP

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