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Tecnologia auxilia empresas a diminuírem riscos do trânsito na operação logística
Reportagem

Tecnologia auxilia empresas a diminuírem riscos do trânsito na operação logística

Após 108 mil acidentes com veículos de carga entre 2022 e 2023, empresas movem investimentos em prevenção. Donos de frotas aplicam recursos em treinamentos e tecnologia para diminuir incidência de acidentes, que gera prejuízos econômicos e sociais
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Em 13 meses, quase 108 mil acidentes foram registrados no Brasil envolvendo veículos de carga. O dado alarmante é de estudo do Instituto Paulista do Transporte de Cargas (IPTC), realizado entre janeiro de 2022 e fevereiro de 2023. O recorte dá a noção da violência no trânsito brasileiro.

O Observatório Nacional da Segurança Viária (ONSV) indica ainda que o principal motivo dos acidentes é a imprudência dos condutores. Essa é, nada menos, que a causa de 90% dos sinistros. São reações tardias, distrações ao dirigir — como o uso do celular, desrespeito à sinalização de trânsito, falhas ao acessar vias e excesso de velocidade, conforme o Boletim de Acidente de Trânsito da Polícia Rodoviária Federal de 2024.

Para remediar a situação no ambiente profissional, o setor de transportes investe em treinamentos e tecnologia para diminuir riscos.

Uma das soluções encontradas é a instalação de câmeras inteligentes que miram o rosto de motoristas e emitem alertas em caso de indícios de cansaço ao volante. Outra alternativa tem sido a adoção de telemetria.

Esse sistema possibilita o monitoramento em tempo real de veículos. A ferramenta coleta dados importantes, como velocidade, aceleração, frenagens bruscas, rotas utilizadas e comportamento de quem está ao volante. O levantamento permite uma análise detalhada, gerando relatórios para as empresas.

As duas medidas já foram adotadas pela Lima Transportes, empresa especializada em transporte de combustíveis com sede em Fortaleza (CE) e negócios no Norte e Nordeste. Fundada em 1982, mas de origem familiar datada de 1972, a companhia tem por tradição a implementação de recursos de segurança na operação.

Pedro Lima, sócio-proprietário da transportadora, destaca que a telemetria foi implementada em 1994 e a empresa acompanha a evolução da tecnologia ao longo dos anos. Há cerca de 12 anos veio o sistema de câmeras inteligentes.

Treinamentos também fazem parte da estratégia da Lima Transportes, cuja meta é seguir à risca as regras da Lei do Motorista. Pedro diz que desde a fundação do negócio, o número de sinistros é baixo e uma morte em serviço foi registrada, quando um acidente vitimou um motorista. Mas as câmeras mostraram que o causador foi um terceiro.

"No transporte de combustíveis, os investimentos em segurança são fundamentais, devido aos riscos que um acidente pode causar. Incluindo danos ambientais significativos, então tomamos todas as precauções necessárias", destaca.

Atualmente, a empresa mantém o sistema de prevenção em regime de comodato, pagando uma mensalidade de aproximadamente R$ 600 por veículo. "Podemos acessar as imagens em tempo real, o sistema nos permite esclarecer ocorrências com precisão.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 27-02-2025: Pedro Lima, da Lima Transportes investe em tecnologia para minimizar ao máximo o risco do trabalho com transporte de combustíveis para aumentar a segurança no transporte rodoviário. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 27-02-2025: Pedro Lima, da Lima Transportes investe em tecnologia para minimizar ao máximo o risco do trabalho com transporte de combustíveis para aumentar a segurança no transporte rodoviário. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Nova legislação para motoristas profissionais visa diminuir riscos

Outra iniciativa que contribui para aumentar a segurança no trânsito é a implementação das medidas expressas na Lei do Motorista Profissional (Lei 13.103/2015), que regulamenta aspectos como os pontos de parada e descanso obrigatórios para os profissionais.

O principal foco neste caso é reduzir a fadiga dos motoristas e prevenir acidentes. No texto, está prevista, por exemplo, a jornada de trabalho dos profissionais, de 8 horas diárias, que podem ser prorrogadas por até 4 horas extras.

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) atualizou as normas e fortaleceu os direitos da categoria. Entre as alterações, está previsto que o período em que o motorista estiver à disposição da empresa, inclusive aquele referente à espera para saída da garagem e afins, seja contabilizado como jornada de trabalho.

Essas iniciativas promovidas a partir da Lei do Motorista, assim como o endurecimento das regras de renovação de habilitações categorias C, D e E, com obrigatoriedade do exame toxicológico a cada dois anos e meio, ajudam a amenizar os riscos no trânsito, mas precisam ser reforçados, avalia Victor Cavalcanti, CEO da Infleet, desenvolvedora de tecnologias para gestão de frota que colabora na promoção da segurança nas estradas.

Ele destaca que a tecnologia voltada ao setor de transportes tem sido difundida e se consolidou como uma ferramenta eficaz na mitigação de riscos e na prevenção de prejuízos decorrentes de acidentes.

"Com os avanços tecnológicos, as empresas agora dispõem de ferramentas que não apenas identificam, mas também previnem comportamentos de risco", diz.

Entre elas está a câmera veicular, que combina filmagens inteligentes conectadas a sistemas de análise avançada, que identificam comportamentos de risco, como embriaguez, sonolência e uso do celular.

Segundo Victor Cavalcanti, a tecnologia emite alertas em tempo real, permitindo que os condutores ajustem seu comportamento imediatamente. "Ao detectar uma conduta arriscada, a tecnologia emite alertas instantâneos como 'não use o celular', ajudando motoristas a evitar infrações e melhorando seu comportamento ao volante", explica.

De acordo com dados da Infleet, a câmera veicular já auxiliou na redução dos custos de infrações em 40%, na diminuição das distrações na direção em 80%, e ainda, os sinistros de trânsito foram reduzidos em 60% nas frotas dos clientes.

O Centro de Liderança Pública produziu levantamento que projetou o prejuízo causado pela imprudência no trânsito entre os anos de 2012 e 2023. E o custo supera a marca de R$ 21 bilhões.

O montante é obtido com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc).

O documento faz uma estimativa da média de quantos anos uma pessoa poderia viver se não tivesse sido vítima no trânsito, além de considerar a renda que esse indivíduo iria ter durante esse período.

Desse custo, uma parte recai sobre as empresas que operam frotas comerciais e que enfrentam tanto despesas diretas quanto indiretas resultantes de incidentes, destaca Victor.

Além da perda econômica, o trânsito brasileiro provoca prejuízo social em níveis superiores aos países vizinhos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 05-05.2022: Faixa de pedestregigante na Avenida Tristão Gonçalves. Intervenções Maio Amarelo, ano passado, em alusão ao maio amarelo, foram feitas várias intervenções no Centro de Fortaleza. A ideia era reduzir a quantidade de mortes no bairro que era considerado um dos que mais tinha acidente de trânsito. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 05-05.2022: Faixa de pedestregigante na Avenida Tristão Gonçalves. Intervenções Maio Amarelo, ano passado, em alusão ao maio amarelo, foram feitas várias intervenções no Centro de Fortaleza. A ideia era reduzir a quantidade de mortes no bairro que era considerado um dos que mais tinha acidente de trânsito. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)

A necessidade de focar em segurança viária

As transformações deste século incluem a forma de pensar sobre segurança no trânsito. Evitar mortes e ferimentos no passou a ser considerado questão de saúde pública. "Por alguns anos, algumas cidades no Brasil apresentaram redução de mortes e feridos no trânsito, e muitas vidas foram salvas por reverter a tendência de subida das mortes. Infelizmente, no último ano, esses números voltaram a subir, e é essencial que o foco em segurança viária continue," convoca o Global Designing Cities Initiative (GDCI).

Segundo o GDCI, a gestão de velocidade continua sendo um dos maiores desafios relacionados aos esforços para reduzir sinistros de trânsito. Apesar de a legislação brasileira possibilitar que os municípios estabeleçam limites seguros de velocidade, isso não tem acontecido com a frequência necessária. "Algumas cidades, como Fortaleza, têm reduzido a velocidade em vias críticas como a Leste-Oeste, mas raramente essa é uma política na escala das cidades," exemplifica a instituição.

Os dados de 2024, ainda em consolidação, indicam um aumento do número de óbitos em relação ao ano anterior em Fortaleza.

As informações preliminares apontam 185 óbitos em 2024. Segundo a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), esse aumento pode ser fruto de diversos fatores, dentre eles a diminuição de investimento nas áreas de mobilidade e segurança viária nos últimos anos.

A AMC informou que realiza um trabalho "contínuo e integrado", combinando engenharia de tráfego, educação e fiscalização. E que ações serão aprimoradas de modo a proteger os usuários mais vulneráveis a acidentes.

Nesse sentido, um estudo está sendo realizado para implantação de faixas azuis para motociclistas, que são os mais vulneráveis a acidentes e representam mais da metade das mortes no trânsito. Além disso, ciclistas terão infraestruturas cicloviárias mais seguras, com reforço da sinalização em ciclofaixas e ciclovias.

"É essencial fortalecer a gestão da segurança viária, aperfeiçoar a legislação e a fiscalização, melhorar a infraestrutura das vias e veículos e ampliar a capacidade de resposta dos sistemas de emergência. Também é necessário reorientar a mobilidade urbana, tornando seguras as alternativas sustentáveis, como o uso da bicicleta, o deslocamento a pé e o transporte público," recomenda a OMS.

Em Fortaleza, a redução da velocidade na avenida Leste-Oeste foi acompanhada, nos anos seguintes, pela criação de mais de 7 km de ciclovias e ciclofaixas no local. De acordo com o GDCI, um estudo realizado na capital cearense mostrou que, em ruas que foram implantadas ciclofaixas e as faixas de tráfego foram estreitadas, houve um potencial de redução de acidentes com feridos em 29%. (Júlio Caesar)

FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-02-2025: Professor Ademar Gondim, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC). (Foto: Júlio Caesar/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-02-2025: Professor Ademar Gondim, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC). (Foto: Júlio Caesar/O Povo)

Uma via de mão dupla

"O trânsito é cruel para quem sabe dirigir, mas é pior para quem não sabe", sentencia o entregador de aplicativo José Erivan Torres, de 56 anos. Quando começou a trabalhar percorrendo a cidade de motocicleta, há quatro anos, José possuía a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para a categoria. Entretanto, faltava experiência. Precisou aprender na marra.

O professor Ademar Gondim, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que há uma diferença entre estar habilitado e capacitado.

"Quem tira a carteira de habilitação, o próprio nome diz, carteira de habilitação, não quer dizer que está capacitado. A capacitação depende de exercício permanentemente," explica ele, e vai além: "Nesse caso, se a educação não atingir a conscientização, não é educação. É treinamento, é outra coisa, mas não é educação."

Nesse contexto, Ademar acrescenta, instrumentos punitivistas como as multas contribuem para inibir infrações, mas não resolvem o problema. Se não houver investimentos massivos em educação, as outras soluções empregadas serão insuficientes.

Responsável pelo disciplinamento do tráfego em Fortaleza, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) tem entre suas competências desenvolver projetos educativos que busquem uma consciência mais humanizada nas vias urbanas.

Segundo a instituição, os projetos incluem campanhas de sensibilização, palestras em escolas, workshops para condutores e ações comunitárias que incentivam o respeito mútuo, além do cumprimento às normas de circulação viária.

Algumas ações são voltadas para o ensino do uso correto da faixa de pedestres, como o Travessia Cidadã e o Dê passagem para a vida. Para motociclistas, o órgão realiza a iniciativa Motociclista Prudente, com entrega de materiais educativos, e o Curso de Pilotagem, capacitação gratuita com aulas teóricas e práticas na sede do órgão.

Com a ação educativa Volta às Aulas, a AMC trabalha para conscientizar pais, alunos e educadores para uma boa convivência no trânsito e obediência às regras de circulação e estacionamento.

No Curso Dando Grau, oferecido gratuitamente pela AMC para a população de baixa renda, os participantes são apresentados às ferramentas que os possibilitem atuar na manutenção de bikes, no desenvolvimento e na gestão de pequenos negócios. Entre os temas das aulas está a segurança no trânsito. O objetivo é incentivar o empreendedorismo e estimular o uso da bicicleta como ferramenta de geração de renda.

Na intenção de prevenir acidentes causados por condutores alcoolizados, a Autarquia realiza, por meio do projeto AMC nos Bares, abordagens em bares movimentados de Fortaleza com o propósito de orientar os motoristas acerca da Lei Seca e do perigo de misturar álcool e direção.

Entre 2021 e 2024, a AMC promoveu 1.631 ações educativas alcançando 232.355 pessoas. Já o Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE) informou ter intensificado ações educativas para conscientizar a sociedade sobre a importância do respeito às regras de trânsito. Em 2024 o Detran-CE realizou 2.391 ações no total, alcançando um público de 385,663 pessoas.

Íntegra

Este especial foi publicado antecipadamente para o leitor do O POVO . Confira a íntegra apontando a câmera para o QR Code

Prêmio

Com os esforços e resultados alcançados, Fortaleza foi notada por instituições internacionais, recebendo prêmios e incentivos financeiros para investir em políticas na área, entre eles o Bloomberg Initiative for Cycling Infrastructure (Bici)

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