Poucos dias após os primeiros decretos de lockdown por causa da pandemia, o médico, pesquisador e professor Marcelo Alcântara Holanda acompanhava os debates globais sobre a insuficiência de ventiladores mecânicos e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para tratar os infectados pela Covid-19. Em meio a dilemas, pesquisas e notícias alarmantes, nasceu uma ideia revolucionária: o capacete Elmo.
Os primeiros protótipos logo surgiram. Desde então, mais de 11 mil unidades do Elmo, que atenderam aproximadamente 40 mil pessoas, foram vendidas ou doadas, evitando a intubação de 66% dos usuários, segundo o estudo ELMO Registry, conduzido pela Gerência de Pesquisa em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), vinculada à Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
O impacto do dispositivo no combate à Covid-19 garantiu dezenas de premiações ao projeto, incluindo a Medalha da Abolição em 2022, a mais alta honraria do Ceará — a primeira concedida a um projeto.
Idealizado em abril de 2020, o equipamento foi desenvolvido, testado, patenteado e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em menos de um ano, impulsionado pela urgência da pandemia. Cinco anos depois, ainda é utilizado em tratamentos de insuficiência respiratória.
O futuro já aponta para novas versões, como o Elminho e o Elmo 2.0, e protocolos, segundo o professor Marcelo Alcântara. Com o fim da emergência, os investimentos na ciência voltaram a se tornar um obstáculo a ser superado.
O pesquisador lembra que as primeiras medidas restritivas em Fortaleza foram anunciadas e o debate mundial era sobre a falta de respiradores (ventilador mecânico) e de leitos de UTI: "A taxa de intubação era de cerca de 4%, mas o volume de casos era tão grande que a demanda superava a capacidade do sistema de saúde".
Com a constatação de que a quantidade de leitos e ventiladores disponíveis não seria compatível com a demanda, a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) convocou uma reunião com diferentes gestores.
Marcelo conta que a expectativa era de que um respirador de baixo custo, inspirado em um modelo belga, fosse desenvolvido. Um equipamento de alta qualidade, como demandava o funcionamento em 24h, não era possível, alertou o médico. A recusa causou surpresa.
Foi então que Marcelo teve que apresentar uma ideia inovadora: um dispositivo que prevenisse a intubação. Nesse momento, a ideia do Capacete Elmo ganhou força. O dispositivo, inspirado em um modelo de capacete italiano, ganhou seu primeiro protótipo duas semanas após a reunião.
No primeiro teste, o pesquisador relembra que a equipe ficou animada ao ver o capacete inflar após o manequim ser ligado. "Aí botou no manequim, ligamos lá e o bicho insuflou, né? Ficou bonitinho. Todo mundo ficou feliz, né? Aí eu: 'vamos ver se o cara tossiu se o capacete aguenta, né?', porque o meu medo era o contágio." Foi quando Marcelo deu uma leve batida na cúpula do capacete, para simular um aumento de pressão: "Pá. Rasgou", confessa.
Sem desânimo, a equipe continuou trabalhando e, duas semanas depois, já tinha um novo protótipo. "Dessa vez, a costura era melhor," explica o pesquisador. "Mas assim, a base era ruim. Enfim, o tamanho não era o ideal".
Entre um ajuste aqui e outro acolá, nove protótipos foram criados, em tempo recorde, até que um deles fosse considerado adequado, em junho de 2020.
Para os primeiros testes, os próprios especialistas se voluntariaram, reunindo-se em um laboratório improvisado no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), da sede Parangaba, para dar início aos primeiros ensaios. Era fundamental que a equipe confiasse no dispositivo antes de testá-lo em pacientes. E deu certo. Após garantir a confiabilidade do equipamento e seguir os trâmites burocráticos, em julho, os primeiros pacientes começaram a usá-lo.
Apesar disso, o pesquisador conta que precisou enfrentar outros desafios, como a dificuldade do Governo Federal em expandir o acesso e distribuição do equipamento.
Ao fim da pandemia, o equipamento passou a ser utilizado no tratamento de outras doenças, em estudos clínicos para tratar condições como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), enfisema, bronquite e pacientes pós-operatórios de cirurgia cardíaca. Esses projetos estão sendo conduzidos em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC).
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