Há cinco anos, os três primeiros casos de Covid-19 eram confirmados no Ceará. Ao puxar na memória, grande parte de nós situa os acontecimentos entre antes e depois da pandemia. Além de alterar a forma como nos localizamos no tempo, o período de emergência de Covid-19 trouxe inúmeras consequências para a saúde mental da população, que já apresentava tendência de aumento de transtornos.
Inúmeros fatores contribuíram para isso: isolamento social, rotinas alteradas, medo da infecção, mudanças nas dinâmicas de trabalho, luto por familiares e amigos, crise econômica, entre outros aspectos que impactaram a vidas das pessoas rapidamente.
"Uma mudança muito abrupta em um recorte cronológico muito pequeno. Nós saímos de um Carnaval para um isolamento social", lembra a psicóloga Eveline Câmara, gestora e fundadora do Instituto de Especialidades Integradas.
Houve aumento de diagnósticos de ansiedade e depressão, além do agravamento de casos preexistentes. Segundo ela, a "pandemia exacerbou problemas de saúde mental preexistentes no Brasil".
Segundo o Global Mind Project, relatório anual com dados sobre o bem-estar no planeta, o Brasil é um dos países cuja saúde mental foi mais afetada. Dados de 2023 mostram que mais de um terço dos brasileiros está "angustiado". Os jovens com menos de 35 anos são os mais afetados.
O documento foi elaborado a partir de enquetes feitas com 420 mil pessoas, em 71 países e em 13 idiomas, e usou um quociente de saúde mental que avalia capacidades cognitivas e emocionais.
Cláudio Martins, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), acrescenta que o home office, embora tenha sido uma solução para a continuidade do trabalho, misturou a vida pessoal e profissional, exigindo adaptações nem sempre fáceis, como trabalhar em espaços inadequados e conciliar as demandas do trabalho com as familiares.
Conforme o médico, o isolamento imposto pela pandemia afetou a forma como as pessoas interagem e se relacionam. Mesmo após o retorno à "vida normal", as relações interpessoais enfrentaram desafios devido ao aumento do tempo de tela e à dificuldade de interação pessoal.
Elton Yoji Kanomata, médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, também destaca um nível de estresse bem mais elevado e transtorno de estresse pós-traumático, bem como de casos de suicídio e de abuso de álcool e drogas.
"Antes da pandemia, enquanto o mundo inteiro estava tendo uma leve diminuição no número de suicídios — por conta de política, saúde pública, conscientização — no gráfico da OMS, nas Américas, em toda América Central, Sul, Norte estava sendo observado um aumento do número de suicídios. O aumento da incidência de transtornos mentais acaba levando a um nível de sofrimento psíquico, que é um dos fatores que acaba levando à tentativa de suicídio", relaciona o psiquiatra.
Na avaliação de Elton, o "pico" desse aumento de doenças mentais já passou. Mas isso não significa que, após o pico, a situação cessa. "É um processo que vai desacelerando, mas esse processo de desaceleração não vai ser rápido, vai ser algo gradual. Até por conta desses processos de tratamento que não são rápidos. É um tratamento que dura alguns anos", analisa.
Isolamento prejudicou linguagem e socialização de crianças
Passar alguns dos anos formativos em isolamento social teve impacto no desenvolvimento cognitivo, motor e na socialização de crianças e adolescentes. A distância necessária nos momentos mais críticos da pandemia trouxe consequências que ainda geram desafios para famílias, educadores e profissionais da saúde mental.
Para crianças que atravessaram o período enquanto viviam a primeira infância, até os 6 anos, os principais danos reconhecidos por estudiosos foram nos campos da linguagem e da socialização.
"Principalmente as crianças menorzinhas, que nasceram na pandemia, tiveram um certo comprometimento no desenvolvimento da linguagem. Até porque, para desenvolver a linguagem, a gente precisa estar em relação com o outro, observando o comportamento dos outros, convivendo para ter vocabulário e para conseguir se comunicar", explica a psicóloga infantil Juliana Lima.
Na pesquisa Iracema-Covid, coordenada pela professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Márcia Machado, mais de 300 mães e bebês nascidos na pandemia em Fortaleza são acompanhados desde 2020.
Conforme Márcia, todos os marcos de desenvolvimento das crianças participantes foram afetados durante o isolamento. Ao destacar os prejuízos à linguagem, a pesquisadora afirma que o uso excessivo de telas no período também contribuiu para o cenário observado.
"O uso de telas, mesmo na população de baixa renda, foi muito elevado", relata. A pesquisa mostra que 68,58% das crianças de até 18 meses acompanhadas ultrapassavam o limite de uma hora por dia de telas recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A média de tempo diário de uso de telas era maior em famílias com menor renda: 5,44 horas por dia para aqueles que ganhavam menos de um salário mínimo.
O contato exacerbado com as telas e a falta de estímulos durante o lockdown também influenciou na coordenação motora fina, responsável pelos movimentos precisos dos menores músculos do corpo, como os dos dedos das mãos e dos pés.
"Essa ideia de tirar as telas das crianças em determinadas horas na creche e na escola é bem-vinda por isso, porque elas estão com dificuldade inclusive de pegar lápis, giz de cera. O dedo polegar está perdendo um pouco a função, porque as crianças apontam mais o dedo indicador", explica.
A falta de exercícios e acesso a ambientes espaçosos foi outro fator que interferiu no desenvolvimento da coordenação motora grossa, aquela necessária para movimentar os músculos grandes, como braços e pernas.
"Para o desenvolvimento motor, a criança precisa experimentar o mundo, correr, se sujar, cair, ela precisa aprender a levantar", diz Juliana.