A carestia sobre a cesta de produtos alimentícios tem provocado uma aceleração da inflação brasileira nos últimos meses, com maior impacto em fevereiro. No mês passado, a taxa anual de inflação disparou para 5,06% ante 4,56% em janeiro, a mais alta desde setembro de 2023 e acima das expectativas do mercado, que previa 5%.
O que mais contribuiu para a alta da inflação em fevereiro foi a alta de 7,25% dos custos com alimentação e bebidas. Após o segundo mês do ano, o índice inflacionário parece descontrolado e está acima da meta de inflação de 4,5%, definida pelo Banco Central.
Mas este não é um problema somente do Brasil. Nas principais economias do mundo, como na Zona do Euro, Reino Unido e Estados Unidos, as expectativas de mercado era que o processo de recrudescimento inflacionário ocorresse de forma mais acelerada, mas os alimentos impediram.
O impacto da inflação dos alimentos no bolso dos brasileiros já é sentido desde 2024, quando a categoria "alimentação e bebidas" subiu 6,44%. Somente o preço do café disparou 38,8% no período na comparação com o igual período de 2023. Desde então, a questão se deteriorou e se espalhou.
O café é considerado o maior "vilão" da cesta de produtos do dia a dia dos brasileiros, mas outros seguiram o mesmo caminho, como óleo vegetal (derivados de milho e soja), azeite, açúcar, carne bovina e ovos.
Dentro desse contexto, a questão climática tem se tornado o principal desafio. Novo relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgado no início deste mês destacou a elevação do patamar de custos do conjunto de commodities alimentares no mercado internacional, de 8,2% em fevereiro ante o igual período do ano passado.
A entidade cita preocupações sobre a produção mais apertada de suprimentos para a temporada 2024/2025, "particularmente devido às perspectivas de produção em declínio na Índia e às condições climáticas adversas que afetam as safras no Brasil".
Além da quebra de safra, um conjunto de fatores acessórios decorrem do problema, gerando uma crise de oferta. E neste contexto, o crescimento da demanda interna é um dos principais.
O consumo das famílias aumentou 4,8% em 2024, o maior aumento desde 2011 e um dos principais fatores para a alta de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no ano passado.
Outro fator citado é o atual patamar do Dólar em relação ao Real, que, próximo aos R$ 6, torna as exportações mais vantajosas ao agronegócio brasileiro.
Além disso, há ainda o próprio aumento da demanda de alimentos por outros países. Por conta do surto de gripe aviária nos Estados Unidos, por exemplo, as exportações brasileiras de ovos in natura e processados atingiram 2,53 mil toneladas em fevereiro. Esse montante é 7,2% superior ao vendido ao mercado externo em janeiro e 57,5% em relação ao igual período de 2024.
Ao longo dos anos, o Brasil também tem vivenciado um movimento de troca de culturas acelerado. A produção de alimentos mais básicos, como arroz e feijão, tem dado lugar às lavouras de soja e milho, voltados à exportação.
Com isso, menor a oferta e variedade de alimentos disponíveis dentro do país, tornando o mercado mais sensível aos preços e eventuais quebras de safra. Essa constatação faz parte da Carta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O estudo de conjuntura econômica, assinado pelo economista Luiz Guilherme Schymura, aponta que a inflação da alimentação no domicílio teve alta de 162% entre 2012 e 2024, enquanto a inflação geral subiu 109%.
Schymura enfatiza que essa carestia continuada dos alimentos na última década tem muitos e complexos fatores, mas destaca um em especial: as mudanças climáticas.
"(O aumento de eventos extremos) Provocam perturbações crescentes na oferta de commodities [mercadorias negociadas com preços internacionais] e produtos alimentícios, num processo que afeta diversas partes do globo e, de forma bastante nítida e relevante, o Brasil".
E isso afeta como o Brasil lida com a "responsabilidade" de alimentar os brasileiros e o resto do mundo. Segundo o estudo da FGV, o crescimento da produção agrícola mundial, que teve ritmo médio de cerca de 2,6% nas décadas de 1990 e 2000, desacelerou para 1,9% nos anos 2010.
O economista Alex Araújo explica que existe uma pressão global por alimentos devido ao crescimento da população urbana e à redução da produção agrícola em alguns países. Ele avalia que a expansão de milho e soja ocorreu porque esses produtos se tornaram mais lucrativos com a alta do dólar.
Assim, a produção de alimentos para consumo interno foi reduzida a partir da perspectiva do agronegócio de produção orientada pela demanda externa. Por isso, diz Alex, é necessário rever conceitos para políticas públicas, especialmente do Plano Safra.
"Esse cenário ilustra a importância da política pública no setor agrícola. O Plano Safra, que orienta o financiamento e subsídios ao setor, deveria considerar o impacto estratégico da produção voltada ao mercado interno para evitar situações de escassez e inflação excessiva", aponta.
DEMANDA INTERNA
O contexto de alta de preços não impactou a demanda, já que o varejo alimentar brasileiro teve crescimento de 5,4% no ano, com faturamento de R$ 1,27 trilhão. O avanço percentual em 2024 foi superior à média obtida pelo comércio em geral, de 4,7%.
EXPORTAÇÕES EM FOCO
Por conta do surto de gripe aviária nos Estados Unidos, as exportações brasileiras de ovos in natura e processados atingiram 2,53 mil toneladas em fevereiro. Esse montante é 7,2% superior ao vendido ao mercado externo em janeiro e 57,5% em relação ao igual período de 2024.
Café
Estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) afirma que o aumento de preços do café em nível mundial foi de 38,8% em 2024. A perspectiva é de que os preços continuem subindo em 2025 e a expectativa de queda nos preços vai ficar por conta de como virá a safra de 2026
CAFÉZINHO CARO
Estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) afirma que o aumento de preços do café em nível mundial foi de 38,8% em 2024. A perspectiva é de que os preços continuem subindo em 2025 e a expectativa de queda nos preços vai ficar por conta de como virá a safra de 2026.
A origem da disparada do preço da bandeja de ovo
A safra de milho 2023/2024 foi impactada por condições climáticas desfavoráveis, o que provocou uma quebra de 6% na produção de grãos, segundo a Conab. Com isso, o preço da ração para os animais ficou mais caro no ano passado e, por consequência, encareceu o produto ao consumidor final.
O breve resumo serve para descrever, em parte, o contexto da alta da bandeja de ovos no Brasil. O economista Leandro Rosadas, especialista em Gestão de supermercados, detalha que houve um aumento acumulado de 20,8% no preço da carne bovina em 2024.
"Esse movimento fez com que houvesse uma alta da demanda interna, já que diversos brasileiros começaram a buscar por fontes de proteínas mais em conta, a principal opção entre elas, é o ovo".
O movimento, porém, gerou desequilíbrio na oferta por conta da alta na demanda pelo produto dos Estados Unidos, sendo o Brasil uma das principais fontes fornecedoras.
Lá, um surto de gripe aviária obrigou o abatimento de milhões de aves, em consequência, os preços de ovos subiram 15% em janeiro, ao passo em que a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) apontou que as exportações brasileiras de ovos aumentaram mais de 22% no mesmo período.
Leandro ainda diz que outros fatores também devem contribuir para a carestia do preço do ovo nos próximos períodos. Exemplo disso são novas regulamentações. O Ministério da Agricultura baixou regulamento que reduziu o peso médio por unidade em cerca de 10 gramas, com isso, o consumidor leva menos produto para casa.
"A partir de março, os ovos vendidos avulsos deverão ter informações como data de validade e registro do produtor impressas na casca. Essa medida aumenta a segurança alimentar, mas aumenta os custos adicionais para os produtores", comenta Leandro.
Essa demanda representa um recorde para fevereiro, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). No mesmo recorte temporal, a caixa de 30 dúzias de ovos brancos apresentaram altas que chegaram a até 35,68% e os ovos caipiras/vermelhos registraram sobrepreço de 36,75%, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), no último dia 13.
Plano para baratear preços deve ter impacto limitado
Na tentativa de frear a disparada dos preços, o Governo Federal lançou no início deste mês um conjunto de medidas, incluindo a isenção de imposto de importação sobre alguns produtos e ações regulatórias para estimular a competitividade e reduzir custos.
Passaram a contar com a alíquota zero de importação os seguintes itens: carnes desossadas de bovinos; café torrado, não descafeinado (exceto café acondicionado em capsulas); café não torrado, não descafeinado, em grão; milho em grão, exceto para semeadura; outras massas alimentícias; bolachas e biscoitos; azeite de oliva; óleo de girassol e outros açúcares de cana.
Em relação à sardinha, foi zerada a alíquota dentro de uma quota de 7,5 mil toneladas. Já a quota do óleo de palma passou de 60 mil toneladas para 150 mil toneladas.
O Governo Federal também fez um apelo aos governadores para isentarem a cesta básica. A medida, no entanto, não deve atingir o efeito necessário, uma vez que, pelo menos 14 das 27 unidades da Federação, já isentam o imposto estadual sobre os alimentos básicos, inclusive o Ceará, que isenta ou dá desconto sobre uma lista de 51 produtos, segundo a Secretaria da Fazenda (Sefaz).
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, diz que o efeito em preço final deve ser pequeno, já que a tributação sobre os alimentos "já foi cortada ao longo dos anos e tem pouca margem de saída por esse lado", avalia.
Para o analista de mercado da Ceasa, Odálio Girão, até que nova safra chegue, em meados de maio e junho, os preços devem continuar em alta.
Ele diz ainda que outros produtos têm tendência de alta, como as hortaliças e frutas, impactadas pelas chuvas. O período chuvoso tem potencial de prejudicar ainda a safra de grãos, que foram plantados e estão em fase de formação.
A partir do cenário descrito, Odálio avalia positivamente o retorno da política de estoque regulador, prevista no pacote do Governo, para que a Conab possa suprir o mercado em momentos de necessidade.
Ele lembra que a política foi descontinuada por não ter sido gerida de forma eficaz, mas entende que o momento exige um novo esforço coordenado, corrigindo também o déficit de estocagem.
"A Conab ensaiou algumas ações nacionalmente, mas sem continuidade suficiente para garantir a estocagem de grãos e outros produtos essenciais. Se houvesse um estoque regulador ativo, os alimentos poderiam ser liberados no mercado em momentos de alta, ajudando a estabilizar os preços", disse.