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Obra de Alan Mendonça inspira peça sobre massacre do Caldeirão
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Obra de Alan Mendonça inspira peça sobre massacre do Caldeirão

Espetáculo sobre o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto conquista premiações nacionais e projeta o trabalho do cearense Alan Mendonça
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Foto: Sergio Fernandes/Divulgação Espetáculo "Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto", com texto de Alan Mendonça, mergulha em fatos históricos que marcam o povo cearense

A investida do governo de Getúlio Vargas contra a comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, episódio que marcou o ano de 1937 e deixou rastro histórico na região do Cariri, é revivida em espetáculo premiado.

"Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto" retrata a trajetória da comunidade sertaneja a partir dos escritos do cearense Alan Mendonça. A obra é encenada pelo Grupo Clariô de Teatro, coletivo artístico periférico da região metropolitana do Estado de São Paulo.

Com a direção de Cleydson Catarina e Naruna Costa, a peça coloca um refletor sobre o massacre cearense, explicando as motivações por trás da revolução que prosperou entre os anos de 1926 e 1937.

O espetáculo foi vencedor do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) como "Melhor Dramaturgia" e o Prêmio Shell na categoria "Música". As duas honrarias são algumas das principais do cenário artístico brasileiro.

Alan Mendonça celebra o feito e afirma que a história do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto foi ofuscada no imaginário popular e nos livros de história.

"É uma história muito forte, muito rica em elementos, cheia de gritos e silêncios, festa, folia, fartura e desastres, injustiças, desmandos, massacres. Contar essa história é uma forma de resistir, de identificar um mesmo povo entre os sobreviventes descendentes dos diversos ciclos de êxodos rurais e moradores das periferias de uma cidade como São Paulo", conta o cearense.

Liderado pelo beato paraibano José Lourenço, o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto foi um movimento que aconteceu em uma fazenda situada no Crato. Por lá, conta Alan, o solo gerava plantio, o trabalho era repartido, a sociedade igualitária e os recursos eram divididos igualmente entre a população.

Devido à grande migração de pessoas para o Caldeirão, já que a sociedade era vista como um "paraíso" para os trabalhadores sertanejos, o governo brasileiro invadiu a fazenda e a destruiu, assassinando os moradores da comunidade com o argumento de que ali estava acontecendo uma revolução comunista.

"'Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto' fala de um massacre brasileiro, da trituração por parte das instâncias do poder, do humano brasileiro sem posse de nada, nem quase de si mesmo. Sujeito que é expulso da terra onde engana a morte, é preso em currais do governo, solto à própria sorte por estradas de poeira e fome até desembocar às margens de grandes centros urbanos" afirma Alan, sobre os "terrores" enfrentados durante o ocorrido.

A história do Caldeirão de Santa Cruz se assemelha a tão conhecida Guerra de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro no interior da Bahia. Entretanto, o massacre cearense não ganhou notoriedade popular na época, sendo abafado pelas autoridades. Até hoje, os descendentes dos mais de 500 sertanejos assassinados nunca souberam onde estão enterrados os corpos de seus antepassados.

Responsável pela construção musical da peça, Alan explica que o objetivo do grupo era "contar essa história dentro do universo estético e sonoro do reisado" e que a peça se trata de um espetáculo com "folias, variações de bois, lamentos e incelenças". O compositor também explica que, no espetáculo, é possível identificar influências do maracatu, toré, forró e repente, fortes gêneros da musicalidade nordestina.

Alan Mendonça, poeta e compositor musical responsável pela musicalização do espetáculo
Alan Mendonça, poeta e compositor musical responsável pela musicalização do espetáculo "Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto".

As criações de Alan Mendonça

"Tive a imensa sorte, cada vez mais rara em nosso País, de nascer em uma casa com muitos livros e discos". Filho de duas mães (sua mãe biológica e sua tia), Alan Mendonça é o mais novo de quatro irmãos. Desde muito cedo, reúne referências ligadas à literatura e à música devido aos costumes de sua casa. Segundo o escritor, suas mães foram as suas primeiras referências musicais.

"Minha mãe passava o dia cantando um repertório brasileiro maravilhoso dos anos 1950 e minha tia fazia musiquinhas para nos chamar para almoçar, tomar banho, dormir, acordar. Isto, junto aos primeiros escritos de meus irmãos mais velhos, revelou para mim o ato de criar como algo simples", explica Alan, sobre seus primeiros processos artísticos durante a infância.

Alan Mendonça é escritor, letrista, dramaturgo, arte-educador, editor, produtor cultural e curador em projetos artísticos. Em conjunto com a diretora Naruna Costa, Alan compôs as músicas que fazem parte do espetáculo "Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto".

Sobre o processo de composição das músicas, ele explica: "A partir das decisões estéticas dialogadas, fui escrevendo o texto e as sugestões de letras e enviando para o grupo, que, ao mesmo tempo em que eu escrevia, concebia a encenação e as músicas eram compostas"

Dentre suas publicações estão "Varandas" (poesias, 2004), "[Des]caminhos da Arte-educação" (artigos, 2006, org.), "Angústias, álcool e cheiro de cigarro" (poesias, 2006), "A desmedula da seta" (poesias, 2011), "Palavra Russas" (vários, 2011, org.), "De peixes e aquários - poemas signos" (poesias, 2015), "O silêncio possível" (poesia, 2017).

Em janeiro de 2024, lançou o livro-disco "Cinema Carruagem", com músicas que foram resultado da sua parceria com Rogério Franco e interpretadas pelo músico Rodger Rogério, do Pessoal do Ceará.

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