Presença marcante em diversas áreas da arte no Brasil, Nany People consagrou seu nome nos palcos, telas, discos e também na internet. Revelando mais uma de suas facetas, a artista vem a Fortaleza com o espetáculo musical "Sob Medida - Nany Canta Fafá".
Com apresentação única neste sábado, 13, no Theatro Via Sul, o evento traz Nany interpretando as canções da paraense Fafá de Belém. As músicas são dispositivos para contextualizar momentos da vida e trajetória da própria Nany.
"Eu tenho um quadro na minha casa chamado 'As mulheres da minha vida', com mulheres que me inspiraram. Nesse quadro tem a minha mãe, Hebe, Rogéria, Fafá [de Belém] e Lilia Cabral. São mulheres à frente do seu tempo que fizeram do teatro, da arte, e tem um portfólio de vida pela qual inspira a vida das pessoas, que sempre abraçaram a liberdade com as suas vozes e mais diretamente à causa LGBT .
Ela completa: "São mulheres que desde sempre apoiaram a causa antes de ser 'modinha'. Mulheres humanitárias, solidárias, justas e faziam isso em seus trabalhos e nas atitudes na vida pessoal".
Relembrando da primeira vez que viu Fafá, ainda na juventude, Nany explica que "aquela mulher cantando descalço no meio do povo" a inspirou nos mais diversos aspectos.
"No decorrer da vida, a minha carreira artística me levou à Fafá, me jogou no mesmo palco que ela", afirma. Atualmente, Nany e Fafá compartilham uma amizade "fortalecida". Na tarde anterior à entrevista ao Vida&Arte, as artistas se encontraram para um almoço na casa da cantora paraense.
A ideia do show em homenagem à Fafá partiu de um amigo que instigou Nany a levar sua idolatria e respeito à cantora para os palcos. "Não é um show que eu to fazendo um cover da Fafá, eu estou cantando as músicas dela do meu jeito", explica, ao citar o repertório com canções sobre amor, memórias e cheias de sentimento.
"É um show lindo, pulsante, participativo e que eu adoro fazer", comenta empolgada. A apresentação de Nany People no Theatro Via Sul ocorre neste sábado, 13, às 21 horas.
Nany na TV
"Em 1996, na Manchete, Goulart de Andrade foi renovar o 'Comando da Madrugada' e resolveu me convidar para ser repórter. Eu fiquei na Manchete até fechar e depois o Amaury Jr. me convidou para fazer o "Flash", na Band, em 1999, que me apresentou para a sociedade e me deu um upgrade. Um pouco depois fiz uma matéria para a Marie Claire junto com outras três drags que estavam bombando em São Paulo, e aí a Hebe nos convidou para o sofá dela. Quando foi em 2002, a Hebe me ligou numa noite pedindo pra eu não aceitar proposta de mais ninguém e ir para o programa dela. Na Hebe, eu fazia links ao vivo para todo o Brasil. Foram seis anos e meio, a Hebe me deu um 'know-how', e depois eu não fiz programa com mais ninguém. Só voltei para a televisão com a Xuxa. Eu saí de uma rainha e fui para outra. Após a Hebe, eu recebi convite de tudo quanto é tipo, mas só aceitei a voltar a 'fazer TV' se fosse com outra rainha. A Xuxa foi maravilhosa comigo durante aquele período e até hoje é.
Para todos os públicos
"Eu sempre quebrei o gelo, os parâmetros das expectativas e convenções alheias. Quando a gente estava na pandemia da Covid-19, o Bruno Astuto me convidou para comandar uma live no Instagram do Shopping Cidade Jardim, de São Paulo, que ia durar um mês, mas que teve tanto sucesso que durou cinco meses. Eu conversava com várias pessoas que eu conhecia, Fafá, Cláudia Raia, Xuxa, Padre Fábio de Melo, Em Portugal, eu conheci um menino que me abordou em um restaurante e disse: 'Nany, você não tem ideia do quanto mudou a minha vida, do quanto eu aprendi com você'. Isso tem a ver com o que você vai plantando durante sua trajetória. A semente que você planta ela germina, né? Tem a ver com o amor que você leva para os momentos da sua vida. Eu fui predestinada a fazer isso. Eu quero me comunicar, eu quero ver vários pensamentos, eu gosto de ouvir gente. Tanto é que foi daí que veio o meu nome 'People'".
Ao vivo e sem filtros
"Participar de 'A Fazenda' (reality show da Record), em 2010, me humanizou. Foi no momento da minha vida que eu tinha me tornado uma mulher trans e o público não sabia ainda, porque tinha a ideia daquela drag de cabeça colorida. As pessoas não conheciam a Nany trans ainda. No reality, eu entrei como a Nany trans, fazia provas como mulher, foi uma mudança de chave. Eu entrei na 'Fazenda' para mostrar para as pessoas todos os meus conceitos, preceitos e preconceitos, e consegui. O que eu mostrei lá era uma Nany acordando, comendo, que brigou com todo mundo quando precisava. Eu já fui parada em um posto de gasolina por um rapaz que disse que a mãe dele conseguiu entender o neto depois de me ver na Fazenda. Foi uma coisa nova. Na época da Fazenda, acho que o público ainda tinha um senso de crítica, o mundo não era tão polarizado como é hoje. Hoje não tem diálogo, porque o diálogo acontece além do "sim" ou não", existe também o "pode ser".
Nem oito, nem oitenta
Na época da Fazenda, acho que o público ainda tinha um senso de crítica, o mundo não era tão polarizado como é hoje. Hoje não tem diálogo, porque o diálogo acontece além do “sim” ou “não”, existe também o “pode ser”. Isso aí é em tudo, na sociedade, na política, na religião, e aí parte para o reality também. Porque dependo de como a pessoa de fora te vê, porque todo mundo vai te ver de uma forma diferente, porque nós somos diferentes. Em 2018, quando houve aquela disputa entre o partido do Lula e o do Bolsonaro, o mundo se polarizou. Foi uma sequela que se criou na sociedade. Quando há qualquer tipo de polarização, se para de ter progresso e evolução na sociedade.
Espelho da vida
Tem uma música famosa dos anos 1980 que é assim: “Eu vivo sempre no mundo da Lua. Tenho a alma de artista, sou um gênio sonhador e romântico”. Sou uma mulher que enxerga o mundo mais possível e mais tolerante, mais palatável e degustativo atrás das transformações que a arte pode dar. É o que eu acredito, é pra isso que eu faço meu trabalho todo dia, que eu levo e vou para a rua. Poderia muito bem estar em casa com meus cachorros, acomodada com os contratos com a Globo, mas eu tenho a alma inquieta, de ir atrás, querer fazer acontecer, pensar, dividir, aprender, ir até onde vai meu limite. De fazer, com o mecanismo da arte, o mundo um lugar mais gentil
Ontem e amanhã
Para o futuro, eu digo: “Como será o amanhã? Me diga quem puder, o que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser”. Depois da pandemia eu não faço planos para mais de três meses. A gente organiza e Deus ri. Eu vou vivendo os meus projetos a curto prazo e não faço nada além disso. Acredito que isso tem a ver com maturidade também. Eu to com 58 anos, quase 60, então me permito pensar “será que é isso mesmo?”. As pessoas têm essa mania de ter uma ideia diferente da gente, elas minimizam a sua história, desconsideram o seu sacrifício e desacreditam na sua luta, por isso que eu digo que o diálogo é muito importante. É na conversa que você vê o que levou o outro para aquele lugar. Tudo na vida é conexão, cada um vai mostrando o que tem e você vai filtrando aquilo que melhor se conecta com você.
Sob Medida - Nany Canta Fafá