A magnitude da voz feminina ecoa na luta pelo rompimento do ciclo de violência, tema representado na exposição "O Que Não Nos Disseram". Sediado no Museu da Imagem e do Som (MIS), o projeto da jornalista Andressa Meireles conta com imagens de 15 fotógrafas cearenses protagonizadas por 16 mulheres que apresentam suas vivências na luta contra a violência contra a mulher e o feminicídio. A terceira edição da mostra tem início neste sábado, 13, às 18 horas.
"O Que Não Nos Disseram", além do registro fotográfico, apresenta tipos de violência contra a mulher. Além da agressão física, também é classificado o abuso psicológico, moral, sexual e patrimonial, de acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340). A proposta é discutir o tema sob a perspectiva das fotografadas.
Andressa Meireles iniciou o projeto em março de 2020, após um documentário experimental que discute formas de violência. O interesse pelo assunto surgiu quando ela saiu de uma relação violenta e despertou o desejo de conhecer outras mulheres que passaram por situações semelhantes. "Eu preciso conversar com outras mulheres que também foram vítimas para entender o que eu vivi para além da violência física", pontua a jornalista e idealizadora da iniciativa. O projeto também inclui palestras, conversas nas escolas e comunicação no Instagram com grupos de mulheres online.
Entre os retratos apresentados no MIS, está a memória da contadora Kaianne Bezerra Lima Chaves. Brenda Bezerra, sua irmã mais nova, comenta como a participação no projeto reafirma o legado da primogênita da família. "O projeto significa pra gente uma maneira de deixar Kaianne presente e que todos conheçam a mulher incrível que ela foi. Participar da exposição foi como ter dividido a dor da perda e ter sido cuidada por mulheres incríveis", pontua.
Feita pela advogada Thayná Silveira, a fotografia recriar o escritório de Kaianne com referências da Frida Kahlo, sua pintora preferida. Para a fotógrafa, trazer Luciana Bezerra, mãe da contadora, e a irmã, representou um grito por justiça. "Há sofrimento no olhar delas pela violência ali demarcada, mas há também uma força infinita por justiça e de lutar pela memória de Kaianne. A cadeira vazia e iluminada representa a ausência dela, mas também representa um lugar que ela amava sentar para estudar, para ler poemas ou mesmo escrever sua dissertação de mestrado ou nos planners que ela utilizava. O intuito era presentificá-la", completa sobre a obra.
Kaianne, 35 anos, foi assassinada em setembro de 2023 pelo então esposo, Leonardo Nascimento Chaves, que foi preso por suspeita de participação no assassinato. O crime teria como motivação o desejo de obter um seguro de vida no nome da contadora, no valor de R$90 mil.
No ano passado, o Brasil atingiu o marco de 3.181 mulheres vítimas de violência, representando um aumento de 22,04% em relação a 2022, segundo informações do boletim "Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver". Ou seja, em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas e 586 foram vítimas de feminicídios. Dados que fazem referência a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança.
Andressa Meireles ressalta a necessidade do diálogo e da fala como ferramenta de transformação social. Também reforça que a violência contra a mulher é um problema social que a ONU considera uma questão de saúde pública. Ela enfatiza que o assunto não deve se restringir apenas às mulheres, mas deve atingir outros grupos.
"Precisamos pensar os nossos vários papeis com a sociedade, seja enquanto iniciativa privada, enquanto mulheres, homens, das gerações que estão por vir e dos mais velhos. A gente precisa discutir com todo mundo o assunto porque a urgência é enorme", afirma a jornalista.
Thayná Silveira frisa como o trabalho da Andressa Meireles promove a ressignificação do tema proposto. Poder compartilhar a sua história para outras pessoas foi uma maneira de se sentir abraçada diante as marcas da violência, assim como um espaço para encorajar outras mulheres.
"Quando participei na outra edição e as pessoas ouviam o meu relato e me reconheciam, me abraçavam, choravam, agradeceram por eu ter contado essa história e muitas relataram ter vivido o mesmo. Foi quando eu entendi o quanto a coragem é viralizante. Ou seja, quando uma mulher rompe esse silêncio, outras se sentem fortalecidas e com a certeza que não estão sozinhas, ser o braço que se abraça e isso era muito difícil", conta Thayná.
O sentimento dela também é compartilhado por Brena Bezerra que durante a participação nesta edição enfatiza o projeto como uma rede de força e emancipação feminina. "O projeto faz olhar com carinho para si mesma diante dos traumas da violência. É um projeto que acolhe, cuida e nos apresenta uma rede de apoio que fizeram a gente acreditar que não fossemos capaz de conseguirmos. O projeto mostra que a força da mulher chega muito além", afirma.
A exposição interativa e inclusiva contará com 16 retratos de dois metros que incorporam obras táteis, audiodescrição, tradução em Libras e legendagem para surdos. Este ano, a exposição audiovisual também estará presente na sala imersiva do MIS, e reforça o impacto do debate sobre violência doméstica.
As fotógrafas Beatriz Souza, Byya Kanindé, Camila de Almeida, Débora Anacé, Delfina Rocha, Gabi Madeiro, Lia de Paula, Keli Pereira, Marcela Müller, Naya Oliveira, Rayane Mainara, Tainá Cavalcante, Tatiana Fortes, Thais Mesquita e Thayná Silveira apresentarão seus trabalhos na mostra.
Complementando o protagonismo feminino no evento, Rosana, Darciane, Bárbara, Lis, Dayana, Luciana, Danielle, Cinthia, Denise, Maria, Ingrid, Pérola, Salete, Cristiane, Luciana e Brenda expressam a partir das experiência pessoais próprias e contam suas histórias de vida ao público por meio dos registros audiovisuais.
O que não nos disseram
Quando: sábado, 13 de abril, às 18 horas. Em cartaz até dia 12 de maio com visitação às quartas e quintas, de 10 às 18 horas; e de sexta a domingo, de 13 às 20 horas
Onde: MIS-CE
(Avenida Barão de Studart, 410 - Meireles)
Gratuito
Mais informações: @mis_ceara