Logo O POVO+
Filme de Karim Aïnouz em Cannes reforça impacto de políticas públicas para o cinema
Vida & Arte

Filme de Karim Aïnouz em Cannes reforça impacto de políticas públicas para o cinema

Equipe do filme "Motel Destino", obra indicada à Palma de Ouro do Festival de Cannes, conversa sobre processo de criação da obra e reflete sobre políticas públicas para o audiovisual
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Com protagonistas cearenses, filme "Motel Destino" foi gravado no litoral do Estado 
 (Foto: Maria Lobo/Divulgação)
Foto: Maria Lobo/Divulgação Com protagonistas cearenses, filme "Motel Destino" foi gravado no litoral do Estado

A frase que dá título a este texto é um verso da música “Aquela fé”, presente no álbum “Roteiro para Aïnouz, vol. 3”, trabalho do rapper cearense Don L. O disco é inspirado na sensação de não-pertencimento presente na produção do cineasta cearense Karim Aïnouz.

Esse sentimento de desencontro segue presente em “Motel Destino” (2024), novo longa-metragem dirigido por Aïnouz. “Acho que, a partir das pesquisas feitas, foi ficando muito claro para mim que eu queria falar sobre um personagem em fuga, que não encontra lugar no mundo”, conta, o também cearense de Crato, Wislan Esmeraldo, que assina o roteiro com Mauricio Zacharias – este colaborador de Karim em “Madame Satã” (2002).

A produção acaba de ser indicada à Palma de Ouro, maior honraria do Festival de Cannes. A produção marca a sexta passagem do cineasta no evento francês. Karim também foi indicado em 2023 por “Firebrand”, primeira trama em inglês do cearense e que contou com as estrelas Alicia Vikander e Jude Law no elenco.

“Estou muito feliz, me sinto muito feliz pelo filme (“Motel Destino”), por estar na companhia de cineastas que eu admiro, que eu respeito, que são gigantes, então fico muito honrado de ter um filme lá”, comemora o diretor cearense. A narrativa concorre com produções de Francis Ford Coppola e Yorgos Lanthimos.

“Mas fico particularmente honrado porque é um filme inteiramente filmado no Ceará, com atores cearenses. Muitas das pessoas que estão nele foram alunos e alunas do Porto Iracema das Artes”, continua Karim. “Mas fico mais feliz ainda de poder estar fazendo esse filme em 2024, porque há dois anos não achei que faríamos cinema ou seríamos livres, de poder viver num lugar que não fosse governado por fascistas”, salienta.

Aïnouz se refere ao momento em que obras cinematográficas passaram a ter mais dificuldade em rodar nos circuitos e às tentativas de censura ocorridas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Um exemplo foi o filme “Medida Provisória” (2022), dirigido por Lázaro Ramos, que acabou tendo dificuldade em estrear por ausência de liberação da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

“Motel Destino” surgiu quando Wislan, que também é graduado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC), foi convidado por Karim para compor um núcleo criativo, fruto de uma política pública de fomento Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro - Fundo Setorial do Audiovisual (Prodav-FSA), promovido pela Ancine.

“Na época, eu não tinha nenhum argumento pronto para apresentar para ele, mas rapidamente iniciei um intenso trabalho de pesquisa e dias depois lancei a ideia do ‘Motel Destino’”, relembra Esmeraldo. “Eu não queria ficar de fora daquilo de jeito nenhum. Quando começamos a trabalhar, fiquei muito surpreso com o Karim gostar tanto da história a ponto de querer dirigir. Foi um choque e uma alegria imensa que hoje se concretiza”, conta o roteirista.

Wislan conheceu Karim por meio dos filmes “Madame Satã” (2002) e “O céu de Suely” (2006), virando fã do diretor. “Quando soube da Escola Porto Iracema das Artes e vi que ele era um dos tutores do Laboratório de Cinema, eu comecei a pensar numa história para entrar e fazer parte daquela cena”, rememora o artista. Natural do Crato, Esmeraldo foi aluno do equipamento, referência nacional de formação artística.

Já Luciana Vieira, diretora assistente do longa, teve seu primeiro contato com o cineasta durante uma fala dele na abertura das aulas do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2010. “E eu lembro que me impressionou muito o que ele disse na época, porque ele fez uma fala linda, e no final ele brincou dizendo que demorava sete anos para se fazer um filme. E aquilo me chocou muito, porque eu não imaginava que o processo era tão árduo e demorado”, conta.

A inserção de Luciana no filme para atuar na assistência da direção aconteceu por meio de Janaína Bernardes (da Cinema Inflamável) que liderou a equipe de produção com Fabiano Gullane e Caio Gullane.

Além de Wislan e Luciana, outros alunos da Porto Iracema das Artes participaram do processo de produção do filme fazendo storyboard, montando cenários e em cena atuando. Como foi o caso de Iago Xavier, aluno do curso básico de artes cênicas da Porto Iracema das Artes, cria do Pirambu que foi selecionado entre 500 atores.

Karim, com seus 32 anos de carreira, celebra esse encontro com gerações atuais: "É uma tesão maravilhoso. Eu aprendo muito com o que você faz, entendeu? Você aprende um monte de coisas que não sabe, um monte de coisas que não conhece, e tem uma alegria e um sangue no olho”, pontua o cineasta.

O incentivo de políticas públicas foi fundamental para que o longa-metragem pudesse ser feito, que além do suporte da Porto Iracema contou com auxílio da Secretaria de Cultura do Ceará. “Estamos no maior festival de cinema do mundo, concorrendo ao prêmio mais importante, um filme feito por várias mãos que passaram pela Porto Iracema das Artes e que foram acompanhadas por políticas públicas que acreditam na educação e no talento de nossa gente”, destaca Wislan.

“Isso, pra mim, é comprovação da eficácia e do impacto que esses equipamentos culturais, assim como as demais políticas públicas de incentivo”, continua o roteirista que é natural do Crato. “Eu, Luciana, sou fruto da política pública. Estudei numa universidade pública e fiz a formação de roteiro numa escola pública. Se não tivesse passado por essas iniciativas, hoje não estaria conquistando os espaços que eu estou conquistando, seja na televisão, com a série “Se Avexe Não”, que está em TV aberta em horário nobre ou através dessa oportunidade que nós estamos tendo de ter um filme exibido na mostra competitiva de um dos maiores festivais de cinema do mundo”, completa a diretora assistente.

Karim também destaca a importância da atuação da Porto, mas salienta que é preciso que o equipamento não seja somente uma incubadora, mas também uma realizadora dos projetos criados pelos alunos. “Que a gente possa acompanhar esses talentos de maneira mais perene e que, de fato, esses roteiros possam se tornar realidade”, enfatiza Aïnouz.

O que você achou desse conteúdo?