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Projeto leva formação em audiovisual a jovens indígenas no Ceará
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Projeto leva formação em audiovisual a jovens indígenas no Ceará

Escola de audiovisual ligada ao Povo Anacé realiza atividades para jovens indígenas se tornarem cineastas e levarem seus olhares ao cinema
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CAUCAIA, CEARÁ, BRASIL,13.04.2024:  Oficina de fotografia com Povo Anacé. (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA CAUCAIA, CEARÁ, BRASIL,13.04.2024: Oficina de fotografia com Povo Anacé.

No curta-metragem “Reino da Encantaria”, Kauê é uma criança que cresceu fora de sua aldeia. Ele retorna ao local para se reconectar à sua raiz Anacé a partir da relação com a sua mãe e com sua avó. “Matinta Pereira”, por sua vez, é um filme de terror sobre uma versão da encantada Matinta Pereira, que protege e assusta aqueles que invadem as matas.

Essas são apenas duas das sete obras audiovisuais produzidas por jovens indígenas do Povo Anacé em 2023. Os filmes são resultados da atuação da Brotar Cinema, escola livre de audiovisual que visa “proporcionar as condições necessárias para que jovens artistas indígenas se tornem os novos semeadores” do cinema.

A iniciativa é ligada ao Povo Anacé em Caucaia e é “semente germinada” do projeto de cineclubismo Cine Japuara. O histórico da Brotar Cinema reúne também formações em roteiro, captação de vídeo, de som e montagem. Em 2024, a escola continua promovendo atividades formativas. No último fim de semana, por exemplo, foi realizada uma oficina de fotografia na Aldeia Japuara. O Vida&Arte acompanhou in loco a ação.

O projeto contribui para a perpetuação de memórias e para o incentivo à elaboração de produções feitas por jovens indígenas, levando ao público, assim, as suas perspectivas e histórias. Esse ponto se torna ainda mais forte diante da celebração do Dia dos Povos Indígenas na próxima sexta-feira, 19.

A escola é apoiada pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) e foi oficialmente consolidada em 2023. No ano passado, foram realizados ciclos formativos em três aldeias Anacé (Aldeia Japuara, Taba dos Anacé e Aldeia do Cauípe), mas eles contaram também com alunos das aldeias da Mangabeira, das Queimadas, de São Sebastião, das Pindobas, do Bolso, da Tabuba e do Parnamirim.

Atualmente, a equipe que está à frente da escola é composta por Aurea Anacé (Coordenação Geral), Iago Barreto (Coordenação Pedagógica) Mariano Anacé (Assistente de Coordenação) e Annanda (Coordenação de Comunicação). A semente inicial foi plantada a partir do desejo de Cacique Antônio, que faleceu em 2019.

De acordo com Iago Barreto, ele queria que houvesse um projeto de comunicação e contação de histórias para envolver o próprio povo. O cineclube se transformou na Brotar Cinema pelo entendimento de que era preciso um percurso formativo para que os jovens indígenas fizessem seus próprios filmes e se entendessem como realizadores audiovisuais.

O trabalho é coletivo: todos podem experimentar diferentes funções e todos se ensinam de algum modo. “Há muita gente engajada para fazer isso acontecer. Nosso nome, ‘Brotar Cinema’, é como quando você está em uma rua e vê nascer um brotinho do asfalto. Ele quebra o asfalto. É um pouco do cinema que eles estão fazendo. Eles estão ocupando esses espaços em uma cidade maior geograficamente em relação à Fortaleza, mas que não tinha um projeto como esse”, explica Barreto.

Inscrito no Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense, o projeto consegue se manter a partir desse apoio - ao menos ajuda a cobrir o custo de operação, como alimentação dos integrantes, financiamento dos bolsistas e deslocamento para as atividades, segundo Iago Barreto.

A oficina de fotografia do último fim de semana foi ministrada pela fotógrafa e videomaker Annanda, 27. Com a oficina, levou a criação de imagens “para além da parte teórica” para que os estudantes saibam “que também podem imaginar e transformar essas imaginações em imagens”.

“Dentro da história do cinema, o mais comum é ver o branco e o ‘cinema do colonizador’. A gente quer mostrar a narrativa indígena e inverter essa lógica, que eles possam transmitir dentro do próprio território a realidade de um lugar de pertencimento, de luta pela terra e pela própria cultura, que isso também seja manifestação artística”, afirma.

Professor da Escola Brotar Cinema, Mariano Anacé é jovem liderança Anacé do território Japuara e membro do Conselho de Juventude do Povo Anacé. Ele iniciou sua trajetória no Cineclube Cine Japuara e relata também ter sido aluno da escola. Para ele, é importante levar ao cinema a perspectiva indígena.

“O cinema precisa ser ocupado pelos povos indígenas. É preciso ter pessoas indígenas trabalhando com cinema, com fotografia, elas precisam estar presentes, ter poder de decisão, espaço e lugar de voz. Acredito que isso seria bastante revolucionário. É uma barreira que estamos quebrando”, aponta Mota, que dirigiu “O Reino da Encantaria”.

O curta-metragem também teve direção e roteiro pela jovem Sergiane Anacé, 14. “Foi a primeira vez que dirigi algo. Foi uma experiência muito boa, porque nunca tinha participado de um filme, eu só assistia a um na televisão. Não pensei que pudesse participar de algo assim. Foi uma experiência única. Nunca vou esquecer cada momento que vivi e do que aprendi nesse processo”, compartilha.

Outro filme produzido a partir da Brotar Cinema foi “Jurema e seu Reinado”, documentário sobre a Cabocla Jurema e sua mensagem para a humanidade. Gleydson Anacé, 18, foi diretor de câmera da obra e atualmente também desenvolve outro filme, mas dessa vez para falar sobre a agricultura tradicional de Caucaia.

“Como eu já participei da turma do ano passado, estou vendo caras novas e isso é bom. É bom ver uma juventude mais nova do que eu - apesar de não ser tão velho, sou um dos mais velhos da turma. É bonito ver os curumins da aldeia crescendo e se interessando pelos filmes”, indica.

O caso de Gleydson vai ao encontro da situação elencada pelo coordenador pedagógico Iago Barreto: os mais velhos ajudam os mais novos. Ninguém fica de fora. Qual o futuro, então, imaginado para o projeto? Iago Barreto analisa: “Espero um mundo melhor para esses meninos. Eu trabalho em aldeias como educador há mais de dez anos. Vi muitos artistas indígenas não conseguirem se manter e desistirem porque não tinham abertura na sua cidade. O Brotar Cinema também vem no sentido de que essa geração tenha oportunidade de fazer seus filmes”.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-09-2023: Exibição de filmes feitos pela comunidade indígena Anacé. Os filmes irão ser exibidos nessa mostra, no Shopping Iandê. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-09-2023: Exibição de filmes feitos pela comunidade indígena Anacé. Os filmes irão ser exibidos nessa mostra, no Shopping Iandê. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

Mostra de Cinema

Em 9 de setembro de 2023, foi realizada no Shopping Iandê, em Caucaia, a 1ª Mostra de Cinema Indígena Brotar Cinema. Diversos indígenas Anacé puderam assistir em uma sala de cinema às suas próprias histórias e culturas. Foram exibidos sete filmes produzidos por integrantes de quatro territórios distintos - Japuara, Taba, Cauípe e Parnamirim.

As obras exibidas foram “Construindo Nossa História”, “Reino Da Encantaria”, “Os Indígenas De Amaceyó”, “Matinta Pereira”, “Jurema e seu Reinado”, “Kaluanã” e “Partilha Anacé”. “Foi uma coisa linda, conseguimos levar nossos troncos velhos que nunca tinham visto uma tela de cinema. Isso para nós, da juventude que está crescendo agora, é uma alegria. Isso vai marcar a história para os curumins que estão crescendo”, lembra Gleydson Anacé, diretor de câmera de “Jurema e seu Reinado”.

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