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Aos 50 anos de carreira, Simone afirma: "Eu tenho um tesão pelo que eu faço"
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Aos 50 anos de carreira, Simone afirma: "Eu tenho um tesão pelo que eu faço"

Em entrevista exclusiva, Simone revisita seus 50 anos de carreira e fala do show que apresenta neste sábado, 20, em Fortaleza
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Simone celebra 50 anos de carreira com show da turnê 'Tô Voltando' em Fortaleza (Foto: LORENA_DINI)
Foto: LORENA_DINI Simone celebra 50 anos de carreira com show da turnê 'Tô Voltando' em Fortaleza

Simone do samba, do rock, do amor, da luta, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, da Bahia, do Ceará. Em pouco mais de 50 anos de carreira, a cantora Simone se vestiu de muitas formas e se desnudou de outras tantas. Desde o show "Expo-Som 73", que rendeu seu primeiro disco - um projeto coletivo dividido com Márcia, Ari Vilela e Leny Andrade - até "Da Gente", álbum que lançou em 2022 reunindo muitos compositores nordestinos inéditos em sua voz, a baiana de alma brasileira já cantou em muitos países, deu voz a muitos compositores e inventou e reinventou muitas vezes sua arte.

Não à toa, foi uma tarefa difícil resumir tanta história em um show de cerca de 20 músicas na turnê "Tô Voltando", que ela apresenta neste sábado, 20, no Iguatemi Hall. Com direção musical de Pupillo e direção geral de Marcus Preto, a apresentação passeia por compositores como Milton Nascimento, Sueli Costa, João Bosco, Chico Buarque. No palco, ela será acompanhada por Fábio Sá (baixo), Filipe Coimbra (guitarra e violão), Chico Lira (teclados), Ronaldo Silva (bateria) e André Siqueira (percussão). Por telefone, Simone conversou com o Vida&Arte sobre a turnê, os 50 anos de carreira, amigos, influências e projetos futuros. Confira.

O POVO – Quero começar sabendo desse show em que você celebra 50 anos de carreira. Para quem tem uma carreira tão longa, como foi feito o recorte do repertório que você apresenta?
Simone – Tudo para tirar é mais difícil, né? Você ter que tirar uma música é muito ruim. Então, eu e Marcus Preto, que é o diretor desse show, nós não priorizamos o que ele gosta ou o que eu gostaria. Priorizamos uma linha de tempo, músicas que foram conhecidas através da minha voz, com exceção de duas músicas. E assim foi a primeira linha que nós tomamos. O que é muito difícil você com um repertório tão vasto, tão grande, uma carreira tão longa escolher 20 músicas para celebrar 50 anos de carreira, agora já 51.

O POVO – Você disse que o repertório tem duas exceções.
Simone – Só duas músicas desse repertório que não foram lançadas por mim, mas uma foi feita para mim, que é o “Divina Comédia humana”, e a outra que eu gravei junto com o Martinho (Da Vila), que já tinha gravado primeiro, que é o “Ex-amor”. E eu gravei com Martinho no disco que chama “Café com Leite” (1996). Foi um trabalho feito só com músicas do Martinho e parceiros. Foi nisso que a gente tentou se manter. Mas sabendo que nós poderíamos fazer um outro show, porque nós temos repertório para isso, né? E assim foi escolhido, nua e cruamente, o repertório desse show. E essa turnê teve início em março do ano passado. A gente já está há mais de um ano rodando com ela. Ela tem sido muito bem recebida por todos os lugares que passou, alguns lugares nós voltamos duas, estamos voltando pela terceira vez e cumprindo um desejo meu que é passar por todos os estados, a maioria dos estados brasileiros, das capitais.

O POVO – E já passou por muitos lugares?
Simone – Passamos por muitos. A gente agora está fazendo o que estava faltando pelo Nordeste. Vamos a João Pessoa ainda, não tenho um roteiro todo. Mas vamos voltar a Recife. No Sul a gente tem mais uma cidade e no Norte, a gente tem uma cidade.

O POVO – Seu último disco fez um apanhado de canções inéditas na sua voz e de compositores nordestinos. Inclusive tem uma novidade que é um disco que você fez sem piano.
Simone – Esse trabalho mais recente, que foi feito durante a pandemia, eu já tinha pensado nele em 2015. Só que a maneira que eu havia pensado era um outro repertório. Não este que foi feito, isso porque havia se passado já quase sete anos, né? Eu tinha muita vontade de cantar os compositores, fazer um trabalho só voltado para o Nordeste. O que acontece muito é assim: nós temos uma riqueza musical que é absurdamente gigante. A gente pensou assim, vamos pular a Bahia. Porque se você fala de Bahia, logo de cara, você vai falando de Dorival Caymmi, você não pode deixar de pensar no Caetano, no Gil e diversos, muitos compositores mais recentes e não os nossos contemporâneos. Até tem uma música de uma baiana, que é a Karina Buhr, né? Depois que eu chamei a Zélia Duncan para fazer parte, para me ajudar na direção (artística) do disco, no repertório, quem que a gente iria chamar para fazer o disco, isso já veio com uma roupagem nova. Porque você está falando de uma coisa nova. O que você pensou lá 7 ou 8 anos atrás, já não era mais aquele repertório e muita gente já estava rodando por aí. E ela trouxe para mim o Juliano Holanda que trouxe o Rapha B, que é um baterista com quem ele trabalha. Ambos são maravilhosos. O Juliano Holanda é um compositor fantástico. Produz muita gente do Nordeste, conhece muita gente do Nordeste, muitos compositores novos. Pessoas que estavam com músicas que pareciam comigo, que eu poderia dar uma leitura também, além da do compositor. E eles começaram a me trazer pessoas novas, como o Martins, a Isabela Moraes, Joana Terra... Não eram pessoas que eu gravei e ao longo da minha vida, como o Fagner, que eu escolhi para gravar, que eu acho muito bonita, aquela música “Dezembros”, dele com o Zeca (Baleiro) e do Fausto Nilo. E começou, sem querer, a ser um disco de mais ou menos 80% de compositoras. O que foi muito bem-vindo. Tem músicas da Zélia, Joana Terra, Karina Buhr, Socorro Lira, Rogéria Dera... Quantas compositoras. Tem até eu aí no meio (em “Nua”, com Tiago Torres da Silva), mas que foi uma imposição deles. Ficou a minha cara, com uma roupagem nova e músicas inéditas também. Como “Nua”, como “Boca em brasa”, eu adoro essa música. E quando a gente estava fazendo repertório, nós passeamos também pelo trabalho do Nordeste, que eu ainda não trabalhei. Porque, depois de quase um ano que ele tinha sido feito, a gente lançou. E em seguida eu fiz 50 anos de carreira. Como era uma data redonda, nós resolvemos fazer uma comemoração. Então o disco ainda será trabalhado nos shows que eu fizer daqui para frente.

O POVO – Você sempre teve uma ligação muito forte com uma música mineira. Você já disse que foi muito mais influenciada pela música mineira do que pela música baiana.
Simone – A pessoa que mais influenciou na minha vida foi o Bituca, né? Desde o começo da minha carreira. Mesmo as músicas que não eram dele. No primeiro disco, eu gravei “Tudo que você podia ser” (Lô e Márcio Borges). Eu lembro bem disso porque, quando eu comecei, os mineiros me receberam muito bem. Eu gravei muita coisa do Milton com Fernando (Brandt), com Ronaldo Bastos. As pessoas que faziam parte do grupo de Minas. O Toninho Horta, Nelson Ângelo, Beto Guedes, muita gente. E eu gosto muito do trabalho deles, foi um trabalho que revolucionou. Inclusive, quando o Milton apareceu, cara, ele revolucionou todo mundo, entendeu? A maneira que ele tocava, as divisões dele, o jeito dele cantar. Assim como a Tropicália deu uma sacodida. Opa! Olha o que é que está vindo aí, olha o que está pintando aí. As influências que eles tiveram. O Bituca, claramente, fala que o ídolo dele é Ray Charles, Paul McCartney, um pessoal de jazz que não é brincadeira, pessoas bem fortes musicalmente. E teve o Ivan (Lins) também, que eu gravei muito a partir dos anos 1990, né? Eu gravei no meu primeiro disco e depois, e ele já puxa mais para aquela música americana. Eu gosto de todo mundo, agora logo logo no meu começo, sem dúvida nenhuma, como cantor, Milton é uma voz que qualquer um queria ter, entendeu? Conhecimento musical dele, a maneira que ele divide, como ele respira. Ele é uma aula de canto para qualquer um.

O POVO – Você relembrou essa gravação que está lá no seu primeiro disco solo, de 1973. A cantora, a mulher, a artista Simone é muito diferente daquela mulher que cantou, lá em 1973, o “Tudo que você podia ser”?
Simone – (Risos) São 51 anos de estrada. Era uma menina... A essência é a mesma, entendeu? Os sonhos não envelheceram, não morreram. Eu gosto do que eu faço. Eu gosto da minha profissão, eu tenho prazer, eu tenho amor pelo que eu faço. Eu tenho um tesão pelo que eu faço. Eu gosto de trabalho. Eu gosto de tudo que envolve o trabalho na hora de subir ao palco e na hora de entrar no estúdio. Eu acho que é uma conexão que você tem, que é diferente de tudo, com divino, com o superior. Acima de todo esse tempo que passou, eu continuo com a mesma vontade, o mesmo tesão de chegar. Agora, claro que é diferente, né? O tempo é diferente, mas a vontade é igual.

O POVO – Seu primeiro é disco um projeto coletivo que tinha a Márcia, o Ari Vilela e a Leny Andrade. O que você lembra dessa gravação e que relação você manteve com a Leny?
Simone – Eu conheci Leny naquela época. Foi um disco, um show que a Odeon fez. Eu não lembro onde foi, realmente. Era num clube (Clube Pinheiros, em São Paulo), fecharam e fizeram o disco, onde algumas pessoas cantaram neste lugar. Eu tinha sido convidada pela própria Odeon, e a tinha Márcia, a Leny, o Ari Vilela. Mas eu assisti bastante shows da Leny. A gente se encontrou poucas vezes e eu lembro que uma vez ela falando de umas parcerias que ela tinha com os músicos. E ela tinha uma ligação muito grande com um músico que inclusive tinha trabalhado comigo, o Filó (Machado). E ela tinha um jeito de cantar, além de ser jazzístico, era uma loucura, né? A extensão vocal, os graves que ela lançava. Pessoas que se destacaram pela sua excelência, né? Mas o tempo passa e muita gente vai. Quer dizer, todo mundo irá um dia. Uns vão mais cedo, outros não.

O POVO – Você nunca teve uma formação clássica de música, em conservatório, estudar partitura, notas. Mas é claro que nesse tempo você aprendeu muita coisa convivendo com músicos, arranjadores. Tem alguém que tenha sido mais importante para você nessa parte de formação mais formal?
Simone – Eu nunca tive uma formação acadêmica, não. Não tenho formação acadêmica. Não sei ler uma partitura. O máximo que eu leio são as notas em letra. A B C D E F... Mas eu tenho ouvido muito musical. Eu formo acordes na minha cabeça quando eu quero opinar coisas sobre o meu trabalho. Eu tenho os arranjos todos na minha cabeça, como eles foram feitos, quais os acordes que foram dados naquela frase. Mas academicamente nula. Eu tentei, mas não tive nem a paciência, nem a dedicação, nem a disciplina e nem sei lá o quê. Não tive. E quando você não tem essas coisas você não aprende. Uma vez eu encontrei com um maestro e ele falou: “Simone, ou a gente aprende quando criança, tratando-se de partituras, ou então fica difícil”. E é mesmo, né? Talvez eu tenha usado também isso para não querer aprender, me dedicar a um instrumento.

O POVO – Mas em algum momento isso te fez falta?
Simone – Eu sinto falta, eu gostaria de tocar um instrumento, como diz o Caetano, né? Como é bom tocar um instrumento (citando um trecho de “Tigresa”). Claro que é sempre bom você saber mais alguma coisa, tratando-se do seu trabalho. Mas quando eu quero falar ou mostrar alguma coisa para o maestro, para o músico, eu vou catando milho, como se diz, e mostro. Me faço entender.

O POVO – Lembrei agora de uma entrevista sua, em que você falava que o Ney Matogrosso lhe convenceu uma vez a tocar violão no palco.
Simone – Mas eu toco muito mal, entendeu? Não é que eu não saiba tocar uma nota. Claro que eu sei, mas não para pegar o violão e fazer o show. Claro que não. Agora, se for para tocar uma música, até vou. Mas prefiro ficar sem essa responsabilidade. Alguns shows que nós fizemos em festival eu toquei “O tempo não para” com guitarra e tudo. É super legal, mas não é o caso de a gente fazer um show em teatro ou sair um pouco do roteiro que está previsto.

O POVO – Em 50 anos de carreira, muita coisa mudou. A indústria fonográfica, sua relação com a sua carreira. Não tem mais aquela pressa que existia nos anos anteriores, de gravar um disco por ano. Quero saber o que que te move hoje a entrar no estúdio e gravar um repertório novo, buscar compositores novos, como foi o caso desse “Da Gente”, que você lançou.
Simone – Antigamente a indústria era uma coisa que você tinha que gravar. Na verdade, um disco por ano quer dizer que em seis meses você já começava a trabalhar e tudo. Hoje em dia eu só faço o que eu tenho vontade. Quando eu quis fazer o “Da gente”, que embolou... A primeira vez em que eu pensei não era “Da Gente”, ele se chamava “Por ser de lá”, referindo-se ao “Lamento Sertanejo”, do (Gilberto) Gil e Dominguinhos. Quando eu tive a ideia desse disco, em seguida eu tive que que cumprir uma agenda de alguns shows, depois eu fiz um show com o Ivan. E aí o tempo foi ficando curto, não deu. Por isso que teve aquele espaço grande entre eu ter tido a vontade de fazer o disco e ter tido o tempo para fazer o disco. Mas, respondendo à sua pergunta, é o seguinte: hoje, para eu gravar um disco, eu tenho que ter muita vontade, como eu tive de fazer o “Da Gente”, sabe? Um disco bem vazio, três músicos. Pela primeira vez eu estava fazendo um trabalho sem teclado, que eu amo, que acho combina muito comigo. A gente se dá muito bem (risos), mas nada que fizesse falta naquele trabalho. O teclado ali, o piano não fez falta no trabalho que a gente fez. E o que move hoje para eu gravar um trabalho novo é ter o que mostrar nesse trabalho. Que é o que eu estou pensando agora, o quê que eu quero dizer agora nesse momento. É isso, é exatamente isso que me move.

O POVO – Não sei se está cedo, mas já existe algum projeto para depois dessa turnê comemorativa? Já existe alguma coisa que esteja ali movendo, um novo projeto?
Simone – Sim, sim. Já existe e aos poucos eu estou trabalhando nesse projeto. Em um próximo projeto, um novo projeto. A única coisa que eu posso te dizer é que é um projeto novo. No ano que vem.

Simone - Tô voltando

  • Quando: sábado, 20, às 21h30min
  • Onde: Iguatemi Hall (Av. Washington Soares, 85 - Edson Queiroz)
  • Quanto: R$200 (cadeira prata), R$250 (camarote), R$140 (pista) e R$39,60 (pista cultural). Valores de inteira. À venda na Bilheteria Virtual
  • Instagram: @iguatemihall

 

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