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Stefano Volp aborda questões de raça em nova distopia
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Stefano Volp aborda questões de raça em nova distopia

"O Segredo das Larvas", de Stefano Volp acompanha o retorno das distopias à cultura pop, trazendo mais diversidade a esse tipo de narrativa
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Stefano Volp e seu livro
Foto: Luiza Barreto/Divulgação Stefano Volp e seu livro "O Segredo das Larvas"

Em um Brasil apocalíptico, onde após um longo período de apagão chamado Breu, a população entra em caos e se reconfigura. Um dia a energia elétrica no País é desligada e só é restabelecida dois meses depois. A protagonista, Freya, uma adolescente negra de 17 anos, nasce e cresce nesse novo contexto, aprendendo a sobreviver do modo em que foi ensinada.

A garota mora em uma colônia onde pessoas de pele negra foram confinadas e rebatizadas de “O Povo da Noite”. Neste local, Freya é atormentada tanto pelos transtornos mentais da mãe quanto assombrada pela “Filtragem”, um programa que acontece a cada 4 anos na metrópole, selecionando as moças mais belas para passarem o restante das suas vidas em Éden, tendo acesso aos privilégios da capital.

Contudo, ninguém retorna de Éden. A tão sonhada metrópole é também a responsável pela exploração das pessoas que vivem nas colônias. E apesar de nunca ter atravessado a cerca para o outro mundo, Freya não acredita nas promessas boas. Principalmente por que sua mãe foi a única filtrada que voltou, no entanto, com a língua decepada. Essa é a premissa de “O Segredo das Larvas”, novo livro de Stefano Volp.

Inicialmente lançado em 2019, como publicação independente, o autor decidiu revisitar a obra novamente neste ano, reescrevendo boa parte das páginas. “Ele teve uma visão independente em 2019, o que foi muito legal, porque aos pouquinhos, em 2020, ela foi crescendo bastante e começou a se espalhar por alguns clubes de leitura. Isso trouxe uma visibilidade incrível para o livro como independente”, celebra o escritor, que é natural do Espírito Santo, mas radicado no Rio de Janeiro.

“Ficou em primeiro lugar nos livros de cópia da Amazon por um mês inteiro, o que atraiu um grande número de leitores e várias críticas. Isso foi ótimo para mim, porque me ajudou a entender o que funcionava no livro e o que ainda não funcionava", destaca Stefano. Embora as críticas tenham ajudado Volp a identificar pontos de melhorar, ter uma casa editorial o auxiliou ainda mais a potencializar o enredo a ser narrado.

“Vi uma oportunidade de finalmente dar a este livro, esta história, o que ela merece. Então, realmente reescrevi, é um livro novo. Eu não sei nem se é uma nova edição do livro; realmente é um livro novo, mas é claro que mantive a estrutura narrativa", destaca. O carioca-capixaba detalha que escreveu palavra por palavra para a obra.

Entre as mudanças feitas e que podem ser descritas sem dar nenhum “spoiler” está a construção da protagonista Freya, que segundo o também roteirista, ganhou mais profundidade. “É uma personagem muito mais completa e mais complexa”, descreve. O autor fez um estudo intenso sobre Freya, já que a trama é contada sob o ponto de vista dela.

“Se eu não sei quem é essa personagem, tenho dificuldade em contar essa história. Por isso, era importante para mim entender quem ela é de fato, quais são seus sonhos, quais são as opções dela, quais são as falhas dessa personagem”, rememora. “É difícil escrever sobre uma pessoa que não é você, principalmente um livro em primeira pessoa”, pontua.

A nova versão de “O Segredo das Larvas” também traz as questões raciais de modo mais explícito, se tornando, portanto, uma distopia afrofuturista. “Um detalhe interessante aqui é que antes na história as meninas costumavam ser transportadas em um trem para a colônia. Nesse novo livro mudei o transporte para um navio, que faz referência às pessoas que eram sequestradas em África e levadas para serem escravizadas no Brasil”, salienta o escritor, que também é formado em Jornalismo.

“Então, acredito que ‘O Segredo das Larvas’ é mais do que uma distopia afrofuturista; e a questão da colonização aparece de forma muito intensa, principalmente nesta nova edição”, destaca o carioca-capixaba. “Ao mesmo tempo, foi um desafio falar desse tema, porque para nós, pessoas negras, é muito doloroso revisitar nosso passado triste. Mas ao mesmo tempo, é um bom desafio, poder voltar atrás e começar a pintar um cenário de resistência no futuro", pontua Stefano.

A obra do carioca-capixaba se assemelha as escritas por Octávia Butler, primeira dama da ficção-científica conhecida por escrever distopias atravessadas por questões de gênero, raça e sexualidade como “Kindred” e “Filhos de Sangue - E outras histórias”. Algo que se perdeu nas obras literárias do gênero durante o boom dos anos 2010. “E o que me incomoda muito é que, embora protagonizadas por pessoas brancas, as histórias, na realidade, trazem vivências de pessoas negras ou pessoas racializadas”, salienta.

“O que a gente via tomando conta do globo eram histórias escritas por autores estadunidenses ou vindos de impérios coloniais. Isso é muito problemático. Eu não tiro a validade da narrativa dessas histórias, porque éramos adolescentes na época”, destaca Volp. “Essas distopias tinham um papel muito forte e importante em trazer uma discussão política dissolvida no entretenimento”, enfatiza.

Toda essa reescrita aconteceu enquanto Volp estava em Toulouse, na França. “Estava morando no bairro de imigrantes, e isso para mim foi um desafio que me ajudou bastante a construir, porque estando um país que foi um império colonial, e no bairro onde eu estava, no sul da França, uma região que recebe muitos imigrantes”, relembra o jornalista, que esteve na europa entre o final de 2022 e início de 2023.

Para auxiliar o processo, que foi acompanhado de uma análise na estrutura do livro anterior, o roteirista chegou a criar uma playlist com músicas latino-caribenha. “De certa forma, essas canções tinham uma melancolia que trazia muita ressonância com a Freya e o lugar onde ela morava”, explica. “Foi a primeira vez que escrevi ouvindo música, então eu tinha uma rotina onde eu as escutava. Como ela também desenha, imprimi imagens e fiz um mural onde sempre olhava antes de escrever, com ilustrações que imaginei que ela desenharia”, conta.

"O Segredo das Larvas"

Quanto: R$59,90

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