Por trás de um portão azul, com um jardim repleto de flores, está o mundo fantástico do artista cearense Roberto Galvão. O pintor completa 60 anos de carreira em 2024 e abriu as portas de casa para receber o Vida&Arte.
Com uma carreira plural, o artista já participou de diversas exposições por cidades brasileiras e na Alemanha, Argentina, Bulgária, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Polônia, Portugal e Uruguai.
Entre pinturas, livros, desenhos e gravuras, Roberto também é graduado e mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará, onde defendeu a monografia "A Escola Invisível: Artes Plásticas em Fortaleza (1924 - 1958)".
“É preciso, claro, ter maleabilidade nos possíveis campos das artes, principalmente dando aulas, fazendo projetos de interesse cultural, produções, etc. É preciso ser proativo", declara o artista cearense, que nesta quarta, 1º de maio, completa 74 anos.
O fascínio dele pelas atividades no campo das artes visuais começou ainda criança, aos sete anos, sua avó foi uma grande incentivadora. No início, suas obras eram feitas por grafite, lápis de cor, em nanquim com bico de pena de metal e executadas sobre papéis ofícios mais encorpados, como cartolinas e papelão branco de caixas de sapatos.
Para ele, no princípio, executar um desenho era um exercício ou uma curiosidade sobre sua própria capacidade de registrar imagens e ideias que vinham a sua mente de forma figurada. Um navegar em um oceano coberto de incertezas.
“Eu não sabia as minhas potencialidades reais. Na verdade, não tinha norte definido, nem direção alguma estabelecida. Eu olhava as imagens que despertavam meu interesse e, na minha mente, transformava-as em desenhos gráficos, sempre sem sombras ou texturas”, conta.
Galvão foi aluno do primeiro curso de Educação Artística/Artes Plásticas realizado no Nordeste, na Universidade Federal da Paraíba e acredita que no momento em que um artista vai criar uma nova obra deve mostrar suas visões ou olhares para a sua comunidade.
“Atualmente — já pensei diferente— não vejo muito sentido em realizar trabalhos para críticos e curadores, principalmente, de mundos distantes. Acredito que a arte é e deve ser elaborada dentro de um determinado contexto cultural, onde vive o artista. Fazer algo diferente disto é estar fora de lugar, é uma espécie de alienação” expõe.
Na juventude, frequentou a casa do pintor e gravador Raimundo Cela (1890-1954), do qual possui grande admiração, e teve a oportunidade de conviver com os artistas Aldemir Martins (1922-2006), Heloísa Juaçaba (1926-2013), Zenon Barreto (1918-2002) e Descartes Gadelha.
Caminhando pelo extenso jardim de sua casa, do qual serviu de inspiração para as pinturas em aquarelas do seu último livro “Jardim Interior”, o artista mostra a beleza das flores que fazem parte do trabalho que evidenciam as plantas mandacarus, damas da noite, orquídea, palma florida, flor de cuxá e ipê amarelo, são algumas delas.
“Eu comecei a observar e pintar mais durante a pandemia da Covid-19, não podia sair de casa e o jardim serviu de inspiração”, revela sobre a criação do livro.
Com dois amplos ateliês pela propriedade, Roberto escolhe pintar na sala, seu lugar de calmaria ao som dos pássaros que o visitam sempre. E seus mais recentes quadros de trabalho, que intitulou como “Flores para Lúcia”, em homenagem à esposa, Lúcia Helena Galvão, possuem cinco metros.
Ele relata que as pessoas costumam questionar quem irá comprar um quadro tão grande e a resposta que sempre dá é que “pinta porque tem vontade, não para vender”.
“As pessoas às vezes veem tudo como se a gente pintasse para vender e não é bem assim. Quando vende é ótimo, mas não necessariamente é assim, se fosse por isso ainda estava pintando palhaço porque vendia que era uma beleza”, brinca.
Roberto relembra que o divisor de águas em sua carreira foi durante a Bienal de São Paulo, momento que teve certeza que queria ser artista e abandonou o curso de arquitetura, já no último período.
“No Brasil, creio que a exposição que mais me tocou foi a participação da Bienal de São Paulo, em 1973, mas eu não soube tirar o partido que poderia ter tirado. No exterior, foi a individual na Galeria de Nesle, em Paris, em 1991. Todavia, hoje creio que nada disso tem muita importância. Nós artistas somos muito movidos pela vaidade”, revela, acrescentando que seu quadro de maior significado pessoal é o “Palhaço vermelho”, premiado no Salão de Abril de 1971.
O cearense acredita que a convivência com as artes é fundamental para fazer as pessoas verem o mundo de uma maneira mais crítica e objetiva, pois ela nos faz perceber, compreender e ajudar na construção do mundo do modo que queremos.
“Por isso necessitamos de arte nas escolas e equipamentos que possibilitem um maior acesso do público às artes: museus, teatros, cinemas, salas de concerto”.
E continua, afirmando que o principal obstáculo para um artista conseguir viver do seu trabalho no Ceará é: “A falta de disciplinas sobre as artes nas escolas de maneira menos improvisadas (não existe um currículo mínimo por cumprir); A nossa postura colonialista (é mais fácil obter informações sobre os artistas estrangeiros e nacionais, de São Paulo e do Rio, que sobre os mais significativos artistas locais); O nosso subdesenvolvimento cultural, onde sempre acreditamos que o que vem de fora é melhor do que é feito aqui”, declara.
O desenhista enxerga com alegria, esperança e medo o surgimento de novos equipamentos culturais em Fortaleza. “É sempre muito bom quando aparecem novos equipamentos. Sempre tenho a esperança de que vai sobreviver a uma gestão de governo, mas será que vai mesmo? Como será a sua manutenção no governo seguinte? Será que a nova administração não vai destruir o que foi feito e fazer algo que já foi realizado e destruído?” debate.
Os 60 anos de carreira
O pintor, desenhista e gravador, Roberto Galvão revela que em seus 60 anos de carreira possui plena consciência de que já viveu a maior parte de sua vida e foi feliz. E que agora se dedica aos estudos de filosofia, religião e história.
“O meu futuro ativo é, tudo indica, curto. E eu espero que assim seja. Não desejo viver sem ter a capacidade de contribuir, pelo menos com ideias”, conta.
E para celebrar essa data, o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC), pretende fazer uma exposição sobre a trajetória de Roberto, evento que já teve datas alteradas por conta da greve dos professores da UFC. A previsão é de que a exposição aconteça no dia 15 de junho, mas nada foi confirmado pelo Universidade até o fim do fechamento dessa matéria.
O artista possui o interesse em evidenciar os trabalhos produzidos nos últimos 20 anos e novos projetos que estão em andamento. Para ele, fazer uma exposição contando toda sua trajetória desde a criação de seu primeiro trabalho,como uma espécie de retrospectiva, pode confundir o público. Mas afirma que isso ainda é um assunto a ser debatido com o curador e a diretora do museu.
“O passado pouco me interessa, o que me interessa é o hoje ou o amanhã e eu estou fazendo coisas e espero que deixem eu fazer isso. Retrospectiva eu penso, geralmente como uma coisa acabada, como uma pesquisa que alguém vai mostrar a visão através de obras. Eu não quero isso, eu quero mostrar o que eu estou fazendo agora. Se uma retrospectiva não for muito bem elaborada eu acho que ela pode confundir o público”, conta, revelando que pretende chamar a exposição de “Sertão”.
O conselho que o, experiente profissional, deixa para os mais novos ,que possuem o desejo de viver da arte, é para serem dedicados a tudo que se propuserem a fazer.
“Quem faz artes plásticas é muito difícil, é preciso desenvolver estratégias de sobrevivência e isso não é tão simples. Tem que estar preparado para o mercado de trabalho. Essa realidade exige certas coisas, às vezes você está pintando algo e o mercado não tem um interesse nisso, mas às vezes tem também. Por isso tem que estar preparado”, aconselha.
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