Foi na periferia de Fortaleza que a atriz Nataly Rocha descobriu sua paixão pela atuação, vendo poetas declamando suas criações, recitando poemas nas escolas públicas da Cidade e participando de saraus e eventos culturais, como a Bienal do Livro do Ceará. Para ela, adentrar nesse mundo da atuação foi um "acidente de percurso", mas que a está levando direto para o Festival de Cannes, na França, concorrendo à Palma de Ouro com o filme "Motel Destino", do diretor Karim Aïnouz.
A artista recorda que, durante sua infância e adolescência, não existiam tantos equipamentos culturais quanto hoje. Então, ela não teve tanta oportunidade de ver teatro, dança e exposições. Mas relembra que, em um terreno abandonado na esquina de casa, às vezes chegava algum circo mambembe e passava por lá uma curta temporada.
"Acho que esse foi o meu primeiro acesso às artes da cena, também os casamentos matuto das quadrilhas nas festas juninas, tudo no meio da rua, era a coisa mais linda. Ser plateia é também fazer parte do teatro, da dança, do circo", expõe.
A artista se apresentou de forma independente dos 15 aos 17 anos. A primeira apresentação ocorreu na praça de alimentação de um shopping da Capital, com poemas que tinha ensaiado na escola. O público era diverso e disperso, mas a sensação para a jovem iniciante era de uma felicidade e adrenalina nunca antes experimentada, que a fez perder o sono durante a noite.
"Ainda hoje sinto isso, às vezes fico sorrindo sozinha olhando pro teto relembrando as cenas que fiz no dia da troca com os parceiros de cena. É um bom termômetro pra mim", declara.
Foi no Theatro José de Alencar (TJA), durante as aulas da turma de 2004 do curso de Príncipios Básicos de Teatro (CPBT), que a cearense descobriu os diversos mundos que podia explorar através da arte. Este contato possibilitou novos olhares para a criatividade, diversidade e potência de sonhar coletivamente.
Mas, antes de qualquer formação teatral, Nataly mobilizou com os amigos do bairro um grupo independente que declamava poemas, inspirados na sua professora de literatura, Emanoelli Soares, que impulsionou a criação do grupo de poesia Diversos.
"Os incentivos que recebia dos meus pais eram mais nos estudos e no esporte, ninguém da minha convivência tinha muita aproximação com as artes. Infelizmente nem mesmo tive na época referência de atrizes cearenses na televisão, que era o lugar de mais acesso do público e meu também", relembra.
Mesmo com poucas oportunidades de viver de arte no Estado, a atriz foi aluna da última turma do curso de Arte Dramática, extensivo da Universidade Federal do Ceará (UFC), quando ainda não existia formação superior em teatro e cinema em Fortaleza. Ela também cursou Artes Cênicas no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) e integrou formações em instituições como a Escola Porto Iracema das Artes e o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ).
"É difícil viver de arte no Ceará, no País. Já vi tanta gente talentosa, capacitada, que contribuiu durante décadas e acaba desistindo, parte pra outra área por falta de retorno financeiro, que é desesperador. Eu já pensei em desistir mil vezes. Afinal, as contas não param de vir", revela.
Para ela, fazer investimentos na área e até mesmo ser artista parece uma "utopia". A atriz relata que muitos grupos de teatro acabaram ou, caso persistam, criam seus trabalhos lidando com a precariedade de recursos, resistindo às dificuldades.
"Espero bons ventos pro nosso cenário atual, que já esteve pior com boicotes a nossa democracia. Espero ver meus amigos, amigas e amigues, conhecidos, novos talentos na potência das suas criações com condições de trabalho dignas, com incentivos e garantias de direitos, como qualquer profissão merece ter", expõe.
Hoje, a pesquisadora e preparadora de elenco possui experiência no teatro, cinema, televisão e performance. Nataly fez parte do Projeto Palco Giratório com a diretora cearense Herê Aquino e também esteve em diversos festivais internacionais de teatro com o coletivo Ultralíricos, dirigido pelo carioca Felipe Hirsch.
Sua última série, chamada "Delegado", foi produzida em Recife e dirigida por Léo Lacca e Marcelo Lordello e ainda está em processo de finalização. No cinema, Nataly atuou em dez longas e oito curta-metragens. Seu mais recente trabalho é um longa-metragem do diretor cearense Guto Parente, que foi rodado em abril deste ano na praia de Lagoinha, no município de Paraipaba, no Ceará, e ainda não possui data de estreia.
"Motel Destino" em Cannes
Já madura e mais experiente, Nataly Rocha vive agora um dos momentos mais importantes da sua carreira. A artista está de malas prontas para Cannes, onde vai concorrer à Palma de Ouro com o filme "Motel Destino", do diretor Karim Aïnouz. O festival acontece entre os dias 14 e 25 de maio na França.
Entre mais de 500 atores, a cearense foi a escolhida para dar vida à misteriosa Dayana, personagem casada com Elias, interpretado pelo ator Fábio Assunção. A narrativa do filme que joga luz nos amores periféricos nasceu da parceria de Karim com o Laboratório de Roteiro do Porto Iracema das Artes.
O longa foi inteiramente gravado no litoral do Ceará e é um dos favoritos na competição. Para ela, fazer parte desse filme foi um sonho realizado, no qual se divertiu muito e teve a oportunidade de criar em condições "ideais".
"O Karim tem uma escuta sensacional, aprendi muito com ele, de como ele entende ali o jogo dos atores, da cena, de roteiro. É empolgante e bonito de ver. O elenco todo e a equipe foram parceiros criativos muito generosos, então os desafios do próprio trabalho em si foram tratados com muito carinho e entusiasmo", conta animada, acrescentando que, para completar a felicidade, só falta assistir à estreia do filme em Cannes.
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