Cara Luísa Vaz,
Escrevo estas poucas linhas, talvez uma crônica em forma de missiva clássica, para tentar fazer um manifesto pela persistência da existência dos caurés e outras "aves comuns". Em particular no Parque Rio Branco, habitat dessa e de outras espécies necessárias ao urbano. E, docemente desconfio, que a área verde também é vosso bioma-quintal e de outros ativistas que insistem na liça pelo sobrante de florestas em Fortaleza.
Caurés, você bem sabe, Luíza, e consultei os diários de campo dos passarinheiros, é um sinônimo para Caboré (Glaucidium brasilianum), caburezinho, caburé-do-sol e caburé-ferrugem.
É uma corujinha carnívora - a menor das espécies de "raptoras" de presas - que reúne em seu derredor inimigos em contra-ataque. Pudera! Ela é uma predadora acurada. Já vi nas passarinhadas por aí cenas fantásticas da peleja natural. Uma luta estrita pela sobrevivência.
Ao perceberem a presença da miúda - é uma ave que não passa dos 16,5 cm - os sanhaços, os bem-te-vis, os sibites, os beija-flores, os sibites-gatinha, os ferreirinhos, os verdelinos, os pitiguaris, os chorós-bois, as rolinhas, as lavadeiras-de-maria se alvoroçarem em pé de guerra numa trincheira avoante para afugentar a ameaça.
Ela pia em assobios de 10 a 60 alarmes, projeta a sombra em quem está abaixo e mira certeira em voos de pouca margem para erros. O caburezinho arranca filhotes aninhados de outros pássaros ou, mesmo, submete os adultos.
Tão implacável que não se intimida com tamanhos maiores de bichos além das aves. As cobras, as iguanas, as rãs, os preás, os soins, os teiús crianças e as ratazanas da Cidade podem entrar no cardápio do café da manhã, do almoço e da merenda desse ser alado rapinante.
O cauré, Luiza, é um considerado um "pássaro comum" que se adaptou para sobreviver ao avassalamento urbano. Não sei se isso foi uma "evolução" da espécie para seguir existindo em florestas cada vez mais extintas e Cidades insustentáveis.
Ela insiste na sobrevida numa Capital de gente e de um poder público que executam árvores, que asfaltam e poluem um Pajeú, que concretam dunas e que entopem o mar de lixo e penicos humano.
O caburé vive, também, na floresta. É a natureza dele. E o chamam de "comum", talvez, porque mesmo com tanto destroço ambiental ainda faz o favor de existir e controlar pragas e as populações de outros seres no traçado urbano.
Você sabe, Luíza, o quanto é importante persistir um Parque Rio Branco. Essa ilha no meio da quentura da Cidade e desprovida de corredores de sombra. O Parque é seu bioma-quintal e, no compartilho, a morada dos caurés e outros "pássaros comuns" e resistentes ao desequilíbrio ambiental.
O dizer "pássaros comuns" é um equívoco no senso comum de vários ornitólogos e passarinheiros de álbum e figurinha. Imaginem nós
sem os caurés, os gaviões-carijós, as casacas-de-couro-da-lama, as jaçanãs, os corujas-de-igreja, os sebinhos-do-mangue, os maçaricos, as garças, as sericoias-três-potes, os carões, os socozinhos?
Imaginem o vão de cantos, de cores, de manifestação de seres vivos (diferentes dos humanos) se faltarem os caurés? Se desviverem as árvores e as criaturas que nela habitam em "condomínios" fabulosos de outros existires?
São superimportantes, para mim, o viver dos caurés e outros seres selvagens na Cidade. Penso que importam para você, também, que se permitiu fotografá-los no imprescindível Parque Rio Branco. Tomara que ele seja reaberto logo. Há saudades e existências a cuidarmos no Parque. Para que não desapareçamos todos...
Faço reverência a seu olhar sempre florestado e passarinhado no urbano.
Abraços