Logo O POVO+
Do samba ao cinema, conheça a história do artista cearense Dipas
Vida & Arte

Do samba ao cinema, conheça a história do artista cearense Dipas

Em entrevista ao Vida&Arte, o cearense Dipas relembra sua trajetória na arte e discutiu sobre sua nova fase como músico
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Cantor e compositor cearense Dipas revisa sua carreira no samba (Foto: IGOR DE MELO)
Foto: IGOR DE MELO Cantor e compositor cearense Dipas revisa sua carreira no samba

Amante das artes desde a infância, o cearense Felipe de Paula (ou Dipas, como é conhecido atualmente) sempre teve uma queda pela música. Após estudar música ainda na escola, o artista integrou o grupo de pagode Mesura, para quem compôs diversas músicas. Todavia, decidiu trilhar o próprio caminho e lançar seu primeiro disco, "Filho de Manicure", em 2014.

Além da música, Dipas também se dedica ao teatro, cinema e estudos relacionados à antropologia, atualmente fazendo um mestrado na área. Em sua trajetória no audiovisual, é possível encontrar desde a direção de um documentário ("Swingueira") até a atuação no filme "Só no Sertão". Sobre sua história na música, visão artística e metas para o futuro, o artista conversou por telefone com o Vida&Arte. Confira.

OPOVO - De início, eu queria saber sobre sua infância. Como começou sua relação com a música?
Dipas - Acho que eu só tinha um tio que era músico, baixista, mas, de resto, na minha família não tem ninguém que tenha diretamente uma relação com a arte. Isso foi bem espontâneo da minha parte mesmo, de gostar de música e procurar já começar pela percussão. O primeiro instrumento a que eu tive acesso foi o pandeiro. Vi uma galera tocando no meio da rua, aí fiquei com vontade de aprender. Consegui um com um amigo e fui me envolvendo, aprendendo de forma autodidata. Ia até quase repetindo a 6ª série porque eu estava tão vidrado nessa coisa da música que fiquei meio descompromissado com a escola. Então, em seguida, falei "mãe, gosto de música" e fui também estudar sozinho com aquelas revistinhas.

OPOVO - E quando você decidiu se dedicar mais a isso?
Dipas - Na 7ª série, que foi mais ou menos quando eu saí do colégio que eu estudava e fui para um colégio específico, o Colégio Piamarta, um colégio aqui da Cidade que na época era uma instituição filantrópica. Não sei se hoje ainda é. E ele é conhecido pela sua banda de música. E aí foi lá onde eu tive uma formação formal mesmo. Eu fui para lá com o intuito de aprender música e foi lá onde eu aprendi a ler música mesmo, né? Tive aula de teoria musical e comecei a tocar valendo mesmo. Até viajei para a Itália em 2004 com a banda do Piamarta.

OPOVO - Você falou sobre a sua mãe. A sua família te apoiou a seguir na arte?
Dipas - Embora eles não tivessem uma relação direta com música, a mamãe diz que eu sempre tive uma predisposição para as artes. Então, desde criança, eu tinha essa vontade de tocar, de dançar e de atuar. Eu sempre tive propenso a isso. E a mamãe nunca foi contra, pelo contrário. Eu que durante a minha adolescência tentei fugir um pouco, fazer outras universidades, preocupado mesmo com a carreira, porque a gente sabe que não é simples viver de arte, né? Eu sempre tive essa preocupação de ter outras formações, mas a minha mãe sempre me apoiou.

OPOVO - Sobre o "Filho de Manicure", seu primeiro disco, como foi a recepção do público na época?
Dipas - A Cidade teve uma recepção muito importante. A gente estava em um momento de efervescência cultural aqui, com muitos artistas despontando para a música autoral e eu acho que isso fez toda a diferença. Eu sou contemporâneo ali da Lorena Nunes, Caio Castelo, toda essa galera que já estava compondo e estava nesse no laboratório que a Escola Porto Iracema promoveu, né? Então foi uma coisa bem pontual. Os equipamentos culturais estavam bem ativos, diferente de hoje. Então a Cidade recebeu muito bem. Eu toquei em todo canto aqui. Acho que em 2014 e 2015, só com o meu trabalho autoral, eu toquei em todos os teatros. Foi ótimo. E na época era CD ainda, né? Então eu ainda vendi uma tiragem de CDs. Eu não fiz muitos CDs, mas fiz alguns e todos voaram. Hoje ele está nas plataformas digitais, mas é um trabalho de 2014.

OPOVO - Passando isso, você partiu para outras áreas, mas quando decidiu voltar à música?
Dipas - Eu fiz várias coisas no meio desse caminho, com teatro, cinema, música e pesquisa em antropologia. Mas em 2018 eu acabei fazendo alguns shows com o Mesura. Eles me convidaram para voltar para o grupo, para ser sócio de novo e eu topei. Quando eu trabalhei com os meninos, me deu vontade de fazer o meu trabalho. Foi quando eu comecei com esse projeto que eu tenho rodado recentemente com mais frequência, que é o Batuk do Dipas. O meu trabalho "Filho de Manicure" tem várias influências, mas a minha base musical está muito relacionada ao samba, ao pagode, música negra como um todo, e eu sentia falta de ter o meu pagode. O pagode tem essa dimensão ali de uma coisa mais livre, de sentar, fazer um pagode, tocar um repertório que você gosta com músicas que você conhece e mistura com as suas, sabe? E eu sentia vontade de fazer isso e fazer o pagode do meu jeito. E aí em 2018, eu comecei o Batuk do Dipas. Fiz seis meses de teste, foi legal, mas eu não achei que rodou exatamente como eu queria, porque eu estava fazendo outras coisas também. Então, fiquei pianinho e continuei trabalhando em 2019.

OPOVO - E na pandemia em 2020?
Dipas - A pandemia foi uma loucura. A gente não conseguia trabalhar, e eu comecei a vender pudim. Os pudins fizeram o maior sucesso na Cidade também - pudim do Dipas. E quando passou essa coisa toda, eu falei: "velho, preciso voltar para a música, que é o que eu gosto de fazer, o que eu sei fazer". Ano passado, eu recebi um convite do pessoal do Arena Iracema para fazer esse meu projeto no Pré-Carnaval e foi um sucesso. Eu retomei o projeto assim como quem não quer nada, a galera foi ver batuque, e aí entupiu aquela Monsenhor Tabosa de gente. Foi um domingo atrás do outro de puro sucesso, as pessoas enlouquecidas. Então eu retomei com o projeto como um todo e diminuí as demandas dos outros trabalhos para poder tocar só esse projeto.

OPOVO - No começo da carreira, você usava o nome "Felipe de Paula". Por que decidiu mudar para Dipas?
Dipas - Dipas é uma abreviação de Felipe de Paula, um apelido que a galera me colocou. O pessoal da música mesmo. Um amigo que já tinha essa coisa de abreviar os nomes falou: "ei, Dipas". Aí eu: "Dipas? Dipas de que?". E ele falou que era de Felipe de Paula. Então umas pessoas me chamavam de Felipe de Paula, outras de Dipas, e eu achei mais conveniente Dipas por ser curtinho, agradável e se relacionar com esse meu novo momento com o pagode, com música de "perifa", música preta. Eu acho que faz sentido, sabe? É curtinho, é rápido tem a ver com essa energia que eu transmito nos meus shows recentemente. Porque assim, o "Filho de Manicure" foi um trabalho incrível, eu tenho muito respeito por ele, mas eu acho que naquele momento eu estava numa coisa mais séria, numa pegada meio cult. E eu acho que essa não é uma preocupação que me ronda hoje em dia. Pelo contrário, acho que estou mais descontraído, despojado e mais perto do que acredito que eu realmente seja como artista.

Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

OPOVO - Como foi criar "Tipo Chet Baker" com o Mateus Farias?
Dipas - O Mateus é um amigo extremamente pessoal e de muito tempo. Como compositor, estou sempre compondo, né? Mesmo que eu não lance tudo, eu estou sempre compondo bastante. Então eu, geralmente, escolho amigos muito próximos para mostrar minhas músicas antes de gravar ou fazer qualquer coisa. O Mateus é uma dessas pessoas. Aí eu fiz o "Tipo Chet Baker", que é uma música que eu já estava pensando assim... Porque, nesse meu novo momento artístico, estou escutando bastante trap e funk. Músicas que eu sempre escutei, mas que, de repente, não trazia para as minhas criações, inclusive junto com o pagode. Então "Tipo Chet Baker" é meio que uma miscelânea de todas essas referências. O Chet Baker é um grande trompetista e cantor de jazz norte-americano, e que eu escuto também. Nas minhas crises de ansiedade, eu só tomava um banho e colocava Chet Baker para relaxar. Eu penso que ele tem essa dimensão mais romântica, e a música fala disso.

OPOVO - E como foi mostrar a música para ele?
Dipas - Quando eu mostrei para o Mateus, ele falou "caraca, essa música está muito parecida com a forma como eu te vejo, Dipas. Que é com muita referência misturada, uma certa complexidade. Mas acho que fala exatamente sobre você. Ela tem uma métrica que acaba puxando um pouco para o rap também, tem uma coisa meio pagode e uma profundidade que é proveniente mesmo do teu processo poético". Então eu chamei ele para gravar comigo, achei que trazer um instrumento melódico poderia ser pontual. E na época, eu estava voltando com o trabalho autoral e ele me enchia o saco falando que eu não podia ficar sem gravar e falou para a gente gravar juntos, fazer esse "feat". Nós ainda convidamos para a produção o Thiago Almeida, um amigo que também fez o "Filho de Manicure", e eu cravei o "Tipo Chet Baker" como o retorno da minha produção de música autoral.

OPOVO - Quais artistas mais te inspiram?
Dipas - Eu tenho escutado muito uma galera de fora, mas também tem artistas daqui que me inspiram bastante. Eu gosto muito do Thiaguinho, um artista como um todo, muito inteligente. Eu tento pensar arte hoje em dia de uma forma mais completa. Hoje, eu penso também no mercado, sabe? Acho que o sonho da música e de qualquer artista tem que estar relacionado com o entendimento de como as coisas estão funcionando. Então eu tenho estudado bastante o mercado da música e o Thiaguinho me inspira nesse sentido, de ser um músico super sensível, mas também que tá atento a tudo. E da galera da "gringa", eu ter escutado muito Tyler, the Creator, que é um rapper e é um cara que também tem uma relação com moda. Isso me aproximou muito dele, porque eu também gosto muito de moda.

OPOVO - Como a moda aparece no seu cotidiano como artista?
Dipas - Nos meus shows no Batuk, estou sempre inovando, pensando em formas de me vestir diferente, de quebrar tabus e padrões estabelecidos pelo pagode. O pagode tem uma coisa mais machista e eu já gosto de experimentar roupas mais femininas, gosto de pintar minha unha, coisa que antes mesmo eu já gostava. Agora trazendo para o pagode, as pessoas, de início, trazem um pouco de estranhamento, mas depois já aceitam e acham legal. Acho massa que é mais uma forma de eu me expressar, utilizando a roupa. Além de repertório e da música, também inovar com um figurino legal e pensar numa forma que coloque o pagode e a minha música em outro canto.

OPOVO - Como estão seus planos para próximos trabalhos?
Dipas - Estou agora com o Batuk e gravando um disco autoral do meu trabalho como Dipas, né? Misturadão aí, meio que entendendo essa relação entre o pagode e o meu trabalho autoral, mas de uma forma mais lúcida, né? Porque, em 2014, eu estava em uma onda meio "ah, autoral, então não pode ser pagode". Acho que eu mesmo tinha uma espécie de receio, não sei explicar muito bem. Ou então eu associava muito o pagode à coisa do Mesura e eu queria fugir um pouco disso. Mas hoje eu já entendo que não dá para fugir. Estou cantando minhas composições, já gravei uma música que deve ser lançada em julho com músicos bem interessantes. No meio do ano eu devo estar lançando meu próximo disco, a primeira parte da EP, e agora no finalzinho de abril ou em maio eu vou lançar uma fita com o Felipim, que é um artista de pagode também aqui da Cidade. A música "Sininho da Paixão", uma composição minha que a gente gravou juntos como "feat" e single, e vamos lançar um clipe também. Uma produção bem bonita.

OPOVO - Pensando a longo prazo, qual o seu maior objetivo como artista?
Dipas - O pagode vive um momento em que ele está querendo estar de novo em alta. O grupo Menos é Mais esteve lá em cima com regravações, e o pagode há muito tempo abre uma lacuna ali para novos artistas. Então o meu objetivo como artista é estar nessa nova safra para construir a minha história dentro do pagode como um artista novo, que está chegando. Sobretudo vindo do Nordeste, eu acho que tem algo que mudou muito é que antigamente os artistas de pagode eram só do Rio e São Paulo. Agora já tem o Menos é Mais, que é de Brasília, então Centro-Oeste.

O POVO - E no Nordeste?
Dipas - Eu acho que já faz muito tempo que o Nordeste não revela um artista assim, e a gente já tem promessas importantes na Cidade. Eu posso citar aqui com muita tranquilidade o Mateus Fazeno Rock, que é um artista daqui, de um movimento mais alternativo que está despontando, participando de vários festivais. Tem a galera d'O Cheiro do Queijo, a Luiza Nobel, então tem muito artista que o Brasil já está começando a dar uma olhadinha. E com o meu pagode, com o meu samba, eu quero que as pessoas olhem para o Nordeste e vejam que aqui também tem isso e tem um trabalho de qualidade. Acho que esse é meu maior objetivo como artista. A curto prazo, eu quero que a Cidade inteira me conheça e cante as minhas músicas do jeito que eles cantam da galera de fora.

 

Acompanhe o artista:

O que você achou desse conteúdo?