"São tempos difíceis para falar sobre o amor", disse a artista plástica Azuhli ao O POVO em 2022 para celebrar o lançamento de sua mostra individual "O amor é a coisa mais importante". A sensibilidade parecia inerente à Luíza Veras, que deixou saudades nesta quarta-feira, 15.
Azuhli foi o nome artístico que escolheu usando um anagrama com o próprio nome. Nascida e criada em Fortaleza, ela deixa seu autêntico legado na arte, com cores intensas, representações sensíveis e figuras do amor homoafetivo. De acordo com seus amigos e companheiros de trabalho, a artista plástica pintava o que amava e era amada por muitas pessoas.
"Azuhli era uma eterna romântica apaixonada, principalmente pelos seus amigos. Quem via a arte dela saberia 'esse aqui veio das mãos e do coração dela'. Tinha identidade, tinha vivência, e poesia em tudo que ela criava. Por isso se tornou uma artista gigante", afirma Magi, cantora e amiga de Azuhli.
O cantor e compositor Obston, também amigo próximo da artista, pontua que as obras dela refletiam sua vida pessoal: "Ela conseguia ver amor em tudo. Tem muito disso nas obras dela porque ela realmente era assim. Azuhli sempre colocava todo mundo para cima, um tipo de pessoa rara no mundo".
"Ela viveu para se apaixonar, para criar memória, para marcar pessoas, viver para os seus amigos. Intensa como sua arte... Tudo que fazia, era fruto do seu coração imenso", complementa Magi.
Melhor amigo de Azuhli, Ramon Alexandre, conta que ela era extremamente expressiva por meio das cores fortes em suas pinturas. Por meio de muita saturação e segurança no seu trabalho, a artista construiu uma identidade que, além de marcante, era repleta de paixões.
"Ela falava muito sobre o amor e,por mais que ela sempre tenha dito que era um sentimento que ela não entendia muito bem, ela achava importante abordar isso no trabalho", explica Ramon.
Ele ainda acrescenta: "Era o jeito que ela enxergava o amor de forma mais genuína: você amar alguém por uma pintura, por um quadro e aquilo fica registrado para sempre…não muda com o tempo".
Quem por muito tempo trabalhou com Azuhli foi o galerista Leonardo Leal, que recebeu várias de suas exposições individuais e a ajudou a projetar no cenário nacional: "Mais do que artista, Azuhli era uma espécie de símbolo, ela representava toda uma geração".
"A gente não perde só uma artista, perde alguém que gerava muita identidade com o público. Ela tinha ligações no Brasil inteiro. Expôs em Brasília, em São Paulo, tinha abertura em muitos estados. Tem obra dela nos Estados Unidos. Ela não era uma artista de um só lugar", pontua o galerista.
Azuhli também cruzou caminho com pessoas que potencializam seu crescimento artístico, este foi o caso dos artistas que criaram um coletivo no Palácio Progresso. Na Rua do Pocinho, nº 33, localiza-se um prédio com pintores que montaram seus ateliês em cada andar da construção. O "Ateliês do Pocinho" se fortaleceu como um coletivo que representa a arte local em ativa produção, sem depender de lógica comercial de galerias para suas apresentações.
"É uma dor muito grande ver que um artista como a Azuhli tenha partido tão cedo. É difícil mensurar a perda para a arte cearense. Quando um artista se vai, ele leva um pouco de cada artista e leva um pouco do mundo também, porque todo artista nos presenteia com o universo, com o mundo… e a Azuhli nos presenteou com a sua visão de mundo", diz Sérgio Gurgel, o primeiro a montar ateliê no Palácio e nome que convidou Azuhli a fazer parte do espaço.
No "Ateliês do Pocinho", cada artista possui assinaturas e características diferentes. Azuhli era a pintora do amor, das cores vibrantes, da retratação do amor lésbico, da liberdade. E uma de suas características era também a fotografia. Era característica sua de fazer um ritual de pré-produção de suas obras plásticas: Luíza buscava se inspirar em alguma fotografia que tinha feito de alguém ou de alguma paisagem.
"O movimento dos Ateliês do Pocinho teve um grande impulso após a entrada da Azuhli. Era um sonho dela que aquilo ali se transformasse em uma escola ou em uma residência artística. Ela já tentou articular isso com o poder público e era um grande sonho dela. Isso é um movimento muito importante que a cidade tem graças a ela, e que seria importante para a memória do legado dela", destaca Ramon Alexandre, que dividia ateliê com a artista e amiga.
Agora sem Azuhli, o Ateliês do Pocinhos continua o legado de resistência artística com as produções de Diego de Santos, M. Dias Preto, Ramon Alexandre, Gustavo Diogenes, Ramon Salles, Igor Gonçalves, Oliver Dasart e Sérgio Gurgel.
"Ela sonhava que o Palácio Progresso virasse um grande ponto cultural da cidade cheio da nossa arte, não só com pintores, mas tudo que nosso povo fosse capaz de fazer com arte", relata o amigo Obston. Para ele, existe um caminho claro para eternizar a vida de Azuhli: "Não tem forma melhor de manter ela viva que deixando a arte dela continuar impactando em todos os lugares e para todas as pessoas".
Em entrevista ao Vida&Arte em 2021, Azuhli foi clara ao dizer: "O que move meu trabalho é a vontade de fazer com que as pessoas se enxerguem como eu as enxergo".