Quando O POVO noticiou em setembro de 2011 que mais de cinco mil jovens haviam sido atendidos no Cuca Barra desde sua inauguração, o equipamento havia sido lançado há apenas dois anos. Na época, era o único Cuca disponível na cidade, mas já abrigava sonhos e promessas para a juventude.
Afinal, o intuito do espaço era permitir que jovens da periferia tivessem acesso à cultura, ao esporte, ao lazer e à formação profissional em diferentes áreas. Quinze anos se passaram e, desde a criação da Rede Cuca em 2014, mais de 4,5 milhões de pessoas (não apenas jovens) foram atendidas nos cinco equipamentos da rede.
Em meio a possibilidades formativas, esportivas, culturais e educacionais, os jovens que frequentam a Rede Cuca já se depararam também com épocas de denúncias de demissões em massa, cortes orçamentários e de interferências como a insegurança em áreas do entorno dos Cucas.
De forma geral, o saldo é o reconhecimento do impacto positivo da Rede Cuca nas vivências de milhares de jovens anualmente. Projetos são desenvolvidos nos esportes, na comunicação, nos direitos humanos, na promoção da leitura/educação, na cultura e na empregabilidade, proporcionando, assim, oportunidades de protagonismo juvenil. Algumas dessas histórias são apresentadas nesta reportagem.
Pouco antes de entrar no Cuca Barra, a cantora, compositora e produtora musical Angel History estava no último ano do Ensino Médio. Ela vivia sob a expectativa de formação profissional e busca pelo mercado de trabalho. A artista lembra do início no equipamento: o primeiro passo foi um curso de samba e marchinhas de Carnaval.
"No Cuca, eu me encontrei nas artes, área na qual estou até hoje e sei que será para a vida", define. A cearense conta que os cursos "caíram como uma luva" para ela, pois estava procurando aprimorar suas habilidades e adquirir experiência. Ao longo de sete anos, participou de mais de 70 cursos, foi monitora, integrou inúmeros espetáculos e viajou para o Festival de Música da Ibiapaba como vocalista.
"A Rede Cuca foi a base para que eu me tornasse a artista que sou hoje", defende. Ainda assim, como participante ativa dos equipamentos, compreende que existem alguns pontos que se sobressaltaram nos últimos anos. Ela cita diminuição da grade de funcionários e o entendimento de que são necessários olhares mais atentos ao Cuca Barra.
O olhar é compartilhado pela bailarina Lucy Monteiro, que participou por cerca de seis anos das atividades do Cuca Barra. Ela cita a importância de "mais atenção" para a unidade em relação às outras que surgiram, mas reforça a relevância do equipamento na sua carreira artística.
Hoje com 23 anos, destaca as vivências no Cuca Barra e a importância da rede: "Ela tem a importância de tirar os jovens das ruas e colocá-los no foco para o futuro. O Cuca está conosco para dar esse suporte, esse 'up', para que os jovens acreditem nos seus potenciais. Eu me senti valorizada e com fome de realizar meus objetivos. O Cuca tem esse dom de fazer os jovens não desistirem dos sonhos".
Breno Weslley, 26, passa a maior parte do seu tempo no Cuca Pici de terça a sexta-feira. Residente do Planalto Pici, ele atua há três anos como monitor de produção cultural do programa Futuros. "Quando inaugurado, o Cuca Pici foi um grande impacto para a comunidade, porque antes funcionava o Centro Social Urbano (CSU) e a gente não tinha uma ligação tão grande com uma infraestrutura dessa", lembra.
"A comunidade está abraçando, está começando a vir mais. Ainda existe um pouco de dificuldade, porque as pessoas não têm conhecimento do que é realmente a Rede Cuca. Elas imaginam que seja um espaço pago, mas é totalmente gratuito e onde a comunidade pode usufruir de tudo que tem aqui", caracteriza.
Para Carlos Antônio, 20, o Cuca contribuiu para a sua formação, pois antes "não tinha nada de formação acadêmica", contando apenas com o "básico" da época do colégio. "Hoje, sei editar vídeos, escrever roteiros, gravar vídeos, entendo melhor sobre os Direitos Humanos… Acrescenta não só em mim, mas em toda a comunidade", conta o também monitor do Futuros.
Um dos desafios para o Cuca, percebe, é a insegurança, pois o Planalto Pici reúne áreas de conflitos entre facções . Assim, já houve casos de moradores que deixaram de ir ao Cuca por medo da violência territorial. "Tem gente que deixa de participar de um espaço público pelo medo e perde tudo isso que estamos ganhando por conta de uma guerra territorial", lamenta.
Presente na unidade desde o início da inauguração, integra atualmente a equipe da JuvTV. Enquanto morador do Planalto Pici, ele aponta os impactos do Cuca a partir de uma analogia: "A comunidade é como se fosse um deserto em que nós não temos nada. O Cuca é como se fosse uma árvore na qual podemos repousar, descansar e sermos mais produtivos para depois voltarmos ao deserto. Por isso falo que o Cuca é uma grande árvore dentro do deserto que é a nossa comunidade".
Visitas
O POVO visitou os Cucas da Barra do Ceará e do Pici nos dias 23 e 24 de abril para se aprofundar nas características dos dois equipamentos (o primeiro e o último inaugurados, respectivamente). Os dois apresentam diferenças estruturais entre si, tanto relacionadas aos projetos arquitetônicos quanto aos desgastes pelo tempo - esses acentuados no Cuca Barra. No período da visita do O POVO, a quadra do Cuca Barra estava passando por reforma. Ambos os equipamentos foram visitados no período da tarde e com atividades diferentes
Para além dos pódios
Uma das principais iniciativas da Rede Cuca para levar oportunidades aos jovens é o destaque para os esportes. A ideia é ir além da formação de atletas e servir como um espaço de "sociabilidade, proteção e oportunidades". Os pódios conquistados em diversos campeonatos se juntam às histórias de redescobertas de si a partir do desporto.
É possível citar, por exemplo, o caso do Rede Cuca Vôlei. Inicialmente, o time foi montado apenas com jovens atletas do Ceará, parte deles egressos das quadras da Rede Cuca, como o oposto Nairton Silva, ex-aluno do Cuca Jangurussu. A equipe participou da Superliga Masculina pela primeira vez na sua história na temporada 2022/23.
Existem também histórias de longa data com a Rede Cuca, como a de Elinardisson da Silva. Hoje com 25 anos, participa das atividades do Cuca Barra há uma década e, entre os tantos esportes oferecidos pela rede, se estabeleceu no jiu-jitsu. Ele já foi medalha de ouro no campeonato do Nordeste e medalha de prata na terceira etapa do cearense.
"Muitas vezes a gente que vem da periferia não tem condições de ter acesso a um espaço como esse. No Cuca, é tudo de graça. É uma oportunidade única de conhecer não só o jiu-jitsu, mas outros esportes que já fiz por aqui também", compartilha.
Quanto ao movimento na unidade do Cuca Barra, ele teve a sensação de queda tanto no número de visitantes do equipamento quanto de eventos realizados. "Antes, víamos muito mais eventos aqui, mas acho que, como criaram outros Cucas, levaram mais eventos para eles também. Mas senti uma diminuição", pontua. Elinardisson sente que poderia ser dada "uma atenção maior" ao Cuca Barra.
O sentimento é compartilhado por Magda Rodrigues, 29, acadêmica de fisioterapia que há dois anos faz natação no Cuca Barra. Atualmente, é monitora de esportes do programa Futuros, e indica a necessidade de cuidados com a infraestrutura da unidade. Ela cita renovações na pintura e no piso do equipamento.
Apaixonada por esportes náuticos, ela destaca como as atividades esportivas são importantes para a qualidade de vida. "É muito importante que os jovens tenham acesso a uma estrutura como essa. O esporte pode transformar vidas. Tem gente talentosa que nem sabe e descobre aqui na comunidade. Essa política é fundamental para o jovem conseguir uma porta de entrada para o crescimento dele", enfatiza.
Casa da Ballroom cearense
Se os temas são "acolhimento" e "desenvolvimento de potenciais", outra vertente é a Cultura. Os equipamentos acabam sendo espaços de incentivo às habilidades artísticas e foi no Cuca Barra que começou a cena Ballroom no Ceará.
Idealizado pela comunidade negra latino-americana LGBTQIA de Nova York, nos Estados Unidos, o movimento surgiu no século passado como forma de acolhimento, refúgio, resistência e proteção. A Ballroom funciona, então, como uma forma de ocupação de espaços e celebração da diversidade.
No Ceará, a jovem Silvia Miranda, 24, foi responsável pelo surgimento da cena ballroom cearense. Conhecida também como a Pioneira Yagaga Kengaral, ela realiza trabalhos sociais para pessoas LGBTQIA em situação de vulnerabilidade e é fundadora do Coletivo Becha Cearense.
"Eu vivia muitas violências dentro de casa. Tinha pouca relação com meus pais e não tinha um direcionamento em como crescer. Na Rede Cuca, a gente consegue conversar com muitos profissionais e ter acesso a outros artistas. Antes do Cuca eu era uma adolescente sem rumo", aponta.
No Cuca, Miranda promovia espetáculos, ensaiava e também engajou em diálogos e rodas de conversas sobre gênero, sexualidade e vivências de pessoas LGBTQIA . Após ter acesso à cultura Ballroom em uma viagem a Belo Horizonte (MG), produziu eventos da cena no Cuca.
Apoio multidisciplinar
Falar sobre a juventude que ocupa os espaços da Rede Cuca não pode ocorrer sem mencionar também a estrutura profissional que acolhe seus frequentadores. Para além da infraestrutura física, os equipamentos se preocupam em realizar ações "que fortaleçam o protagonismo juvenil e garanta os direitos humanos".
Para isso, é necessário contar com uma rede de apoio formada por profissionais capacitados. Nos Cucas, existem equipes que atendem ao eixo de Direitos Humanos e Cidadania . Elas realizam trabalhos com coletivos juvenis, fomentando a participação das juventudes nos projetos da Rede Cuca, e também fazem atendimento psicossocial e promoção de saúde. Assim, compreendem as demandas dos jovens e orientam-nos.
A equipe de Direitos Humanos é formada por educadores sociais, enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais e técnicos de enfermagem. O educador social João Carlos, mais conhecido como "Loirinho", trabalha no Cuca Barra.
Ele percebe como a "ociosidade" de um jovem que não tem acesso a essas estruturas pode ser um desafio. Ele vai além: "Tem também a questão do preconceito pelo estrato social. O periférico às vezes não tem dinheiro, não tem trabalho, mas tem engajamento, e as pessoas não conseguem chegar até ele porque há um 'bloqueio invisível'. Nós, educadores sociais, com o trabalho que fazemos com a comunidade, conseguimos perpassar todos esses sistemas que ninguém consegue chegar".
Juventude protagonista de si
Ao longo dos 15 anos decorridos desde a inauguração do Cuca Barra, os equipamentos da Rede Cuca conseguiram, cada um em seu tempo, se impor à realidade das comunidades circunvizinhas. Dessa forma, seus frequentadores passaram a entender a importância deles - e, a partir disso, lutar pelo seu funcionamento e sua manutenção.
Nesse sentido, é possível dizer que a juventude assume papel de grande relevância para reivindicar a continuidade dessa estrutura, entre protestos contra supostas demissões e contra restrições de acesso. Nesses 15 anos, alguns momentos se destacaram e foram noticiados pelo O POVO.
Em 2016, jovens ligados aos coletivos de lutas pela juventude no Ceará, da Frente Povo Sem Medo, ocuparam o Cuca Jangurussu como protesto contra cortes orlamentários e demissões nas unidades Jangurussu, Barra do Ceará e Mondubim. Os coletivos indicaram que os funcionários eram demitidos, mas as vagas não eram substituídas. Na época, o secretário da Juventude era Júlio Brizzi (PT), hoje vereador.
Seis anos depois, em 2022, o movimento Rede Cuca Resiste denunciou restrições de acesso, proibições de eventos artísticos da juventude, censura de obras LGBTQIA e demissões de funcionários da Rede Cuca. Foi criado, na época, um perfil no Instagram para demonstrar a insatisfação com a gestão dos equipamentos.