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Filme sobre Sidney Magal tem tons de Almodóvar e foca no romantismo
Vida & Arte

Filme sobre Sidney Magal tem tons de Almodóvar e foca no romantismo

"Meu sangue ferve por você", que estreia nesta quinta, 30, nos cinemas, é uma fábula romântica-musical, e conta a história real de como o cantor conheceu e se apaixonou subitamente por Magali, sua esposa, em Salvador em 1979
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Foto: Mar Filmes/Divulgação Filme "Meu Sangue Ferve por Você", obra que narra história de Sidney Magal, estreia nos cinemas 

O cantor Sidney Magal é uma criação do cidadão carioca Sidney Magalhães, 73, como ele sempre falou ao longo desses quase 60 anos de carreira. Em entrevista que deu com exclusividade ao jornal O POVO por videochamada, resume: “Personagem que criei para mostrar outro lado meu, para dar minha arte às pessoas, para fazer as pessoas felizes”.

Como, então, dar conta dessas duas entidades: a do pai de família, que tem três filhos, duas moças, Gabriella e Nathália, e um rapaz, que é seu empresário, Rodrigo, e é casado com a Magali West desde 1982, e a do homem que tenta levar uma vida comum fora dos palcos, Sidney Magalhães?

É o que pretendeu o bom documentário “Me Chama Que Eu Vou”, de Joana Mariani, de 2022, em que mostrava entre imagens de arquivo, fotografias, entrevistas e depoimentos, a obra de Sidney Magal e a vida de Sidney Magalhães, essas duas personas que se corporificam nesse único ser que há anos vive tranquilamente numa casa em Salvador ao lado dos filhos e da esposa, que agora está presente ficcionalmente juntamente com Magal na fábula romântica-musical “Meu Sangue Ferve Por Você”, de Paulo Machline, que chega aos cinemas de todo o País.

O longa mostra como eles se conheceram e se apaixonaram numa Salvador calorenta, idealizada e apimentada de 1979 e nunca mais se desgrudaram.

Filme "Meu Sangue Ferve por Você", obra que narra história de Sidney Magal, estreia nos cinemas (Foto: Mar Filmes/Divulgação )
Foto: Mar Filmes/Divulgação Filme "Meu Sangue Ferve por Você", obra que narra história de Sidney Magal, estreia nos cinemas 

O filme mostra como uma cinebiografia pode ser contada criativamente por meio de uma fábula em que a música entra como elemento narrativo das histórias das personagens ou simplesmente se devanear como nos grandes musicais de Hollywood e tornar tudo em um mundo nonsense e sem apego à realidade que está se retratando.

É nessa Salvador de 1979, que Sidney Magal (Filipe Bragança, numa interpretação bem mais contida que a da personagem real que interpreta), agora um artista conhecido nacionalmente, vai divulgar seu trabalho participando de um show e de um programa de televisão ao lado do seu empresário casca grossa, o argentino Jean Pierre (vivido com intensidade e caracterização bem marcada pelo sempre ótimo ator Caco Ciocler).

Em outra cena, a mãe de Magali (Emanuelle Araújo) lamenta para a irmã (Tânia Toko) e para o irmão (Sidney Santiago Kuanza, vivendo dois personagens, Renan e Sandra Pink, com desenvoltura e talento) que a filha Magali (Giovana Cordeiro) está arrasada no quarto por que acabou o relacionamento com o namorado mulherengo (Pablo Morais).

Numa noite qualquer, ao chegar ao hotel onde está hospedado de carro com seu empresário, Magal é atacado por várias fãs que correm para o veículo que está estacionando. Ele sai rapidamente do automóvel e corre por uma das ruas próximas com as fãs no seu encalço. Ele vai entrar num táxi dirigido por Magali, que tinha pulado da janela do seu quarto para se encontrar com uma amiga (Sol Menezes) e curtir um pouco da noite na parte histórica de Salvador.

É nesse encontro inesperado num fusca-táxi que os dois personagens, Magal e Magali, irão se conhecer e o cantor ficará subitamente apaixonado por essa jovem que ele nem sabe onde mora. Mas que precisa reencontrar novamente para declarar seu amor e viver ao lado dela para sempre.

O diretor opta, em algumas cenas, por dar um tom mais colorido e extravagante a essa cidade, como se imprimisse as cores de Pedro Almodóvar, ao trabalhar com a direção de fotografia de um dos grandes profissionais da área do País, Marcelo Durst. Ele cuidou da fotografia de “Estorvo”, de Ruy Guerra. E em “Meu Sangue Ferve Por Você”, suas lentes captam os contrastes de luminosidade das cenas externas e das internas, das diurnas e das noturnas, mostrando essa cidade do final dos anos de 1970, com a precariedade da iluminação pública das ruas e das lâmpadas opacas das residências e dos lugares fechados.

Filme "Meu Sangue Ferve por Você", obra que narra história de Sidney Magal, estreia nos cinemas (Foto: Mar Filmes/Divulgação )
Foto: Mar Filmes/Divulgação Filme "Meu Sangue Ferve por Você", obra que narra história de Sidney Magal, estreia nos cinemas 

Mesmo que os atores protagonistas estejam bem, principalmente o trabalho de composição de Filipe Bragança entre a contenção e a tentativa de fugir da imitação, quem brilha mesmo são os atores secundários da trama; o empresário de Magal, Caco Ciocler, que empresta todo excesso do sotaque, de trejeitos e de falastrão, ao personagem, equilibrando uma composição no limite do caricatural, mas que em nenhum momento resvala nele.

E as personagens interpretadas pelo talentoso ator Sidney Santiago Kuanza, que imprime a dimensão humana de personagens distintos, a do tio de Magali, Renan, que trabalha como garçom durante o dia e à noite, nessa Salvador encantada e decantada, dar vida a drag queen, Sandra Pink, uma personagem bem Almodoviana, carregada de significados, cores e vivências (uma pena que o filme não traga outras histórias dessa personagem que vive às margens dessa Salvador que teima em ser feliz).

Diferente das comédias brasileiras em que as personagens são carregados de esteriótipos, de falta de profundidade e de camadas de preconceitos, em "Meu Sangue Ferve Por Você" impera elementos humanos e contraditórios nessas composições, tornando, mesmo que sejam calcados na fábula, mais críveis aos olhos do espectador.

Um tom que destoa em parte, nessa lírica-musical nonsense que o filme se propõe, são os números musicais, todos cantados pelos atores que em algumas situações não conseguem atingir o clímax vocal das músicas tão conhecidas e alto astral que Magal como ninguém interpretou ao longo desses quase 60 anos de carreira e que estão no imaginário popular quebrando, nesses momentos, o ritmo e a intensidade (mesmo que algumas músicas cantadas no filme não sejam do repertório de Sidney Magal), mas que não tiram do espectador o prazer de embarcar nessa Salvador que magicamente embala o encontro desses dois personagens envolventes e fabulares.

Entrevista com Sidney Magal

O POVO – Mesmo sendo uma fábula, uma ficção, o filme “Meu Sangue Ferve Por Você” retrata a história de como você conheceu e se apaixonou por Magali West. Teve algo ou alguma passagem no roteiro que você não se sentiu confortável e que entrou no filme?

Sidney Magal – Vocês falaram que o filme é uma fábula, e isso é dito no início do longa, uma fábula Magalesca [referente aos nomes deles, Magali e Magal]. Eu vou além e digo que Magal é uma fábula. Por isso, ele [Magal] foi retratado como uma fábula nas telas do cinema, porque foi um personagem que criei para mostrar outro lado meu, para dar minha arte às pessoas, para fazer as pessoas felizes. Então, a minha criação já foi uma fábula. Por isso, sendo uma fábula Magalesca é a pura realidade dos fatos. E tudo que aparece no filme tem completamente a força da realidade, de tudo que aconteceu com alguns pequenos retoques para poder cinematograficamente se levar ao cinema de outra forma. Mas a verdade está ali; como foi imediata e fulminante minha paixão pela Magali. Está retratado de uma forma muito poética por Paulo Machline [diretor do filme e um dos roteiristas] e todas as pessoas envolvidas no roteiro [Roberto Vitorino, Homero Olivetto e Thiago Dottori], que conseguiram, maravilhosamente bem, contar essa história. Por isso, não tem nenhum momento que eu diga: “Caramba….”. Por exemplo, eu levo duas tapas de dois personagens no filme, uma da Magali, e a outra da personagem [namorada] que vivia comigo na época. Mas eu nunca levei [os tapas] de verdade. Eu olhei aquilo [no filme] e disse: “Nossa, como elas foram agressivas!” (risos). Fora do filme [na vida real], elas foram até que compreensivas demais. Magali suportou aquilo e viu que eu estava me separando de uma pessoa para viver definitivamente com ela. A outra pessoa não suportou muito, porque ela estava sendo abandonada, mas jamais me deu um tapa quando descobriu. O outro exemplo [de licença poética do filme], é a história de Magali entrar num táxi [que no filme é da tia dela] e sair dirigindo ele. Por acaso, [Magali] não tinha um táxi, mas era necessário para eu conhecê-la quando entro no carro fugindo das fãs. Isso são licenças poéticas do filme, necessárias. Mas a essência [dos acontecimentos] está lá no filme. Quando entro no carro da Magali, começa a tocar uma música de Sidney Magal, mas ela muda de estação, porque ela de fato não gostava do meu trabalho, achava brega. Quem gostava das minhas músicas era sua mãe, que era minha fã, mas Magali não. Eu conquistei Magali definitivamente pelo homem que eu representava [Sidney Magalhães, seu nome de batismo] e não o artista que eu era. São detalhes que muitas das pessoas irão descobrir quando escutam eu contando as nossas histórias íntimas. Por isso, eu gosto de contá-las.

OP – Você falou da sua bissexualidade no programa Roda Viva em janeiro deste ano, na TV Cultura, mas disse que o seu desejo por alguém do mesmo sexo nunca foi consumado. Nunca ter tido uma experiência com outro homem lhe deixa confortável em tratar do assunto abertamente hoje?

Magal – Muito confortável, porque eu vejo a bissexualidade não como um ato sexual. Eu vejo como a capacidade de qualquer ser humano se abrir para um universo feminino ou masculino. Quando falo de sentimentos, de amor verdadeiro, tenho que falar de ser humano, não posso falar de homem ou mulher. Não posso dizer que é impossível um homem se apaixonar por outro, ou uma mulher se apaixonar por outra. Estaria sendo contraditório em relação ao que penso sobre a vida. Agora, a prática sexual é outra coisa. E como, por exemplo, você me perguntar, desculpa a comparação, porque eu sou a favor da liberalização das drogas se nunca me droguei. Porque é minha filosofia de vida pensar que todo ser humano tem direito a fazer do seu corpo e da sua vida o que quer. Então, bissexualidade tem que ser encarada assim. Não que eu era bissexual. Eu falei mais; que todo ser humano é bissexual. E tem que se permitir a isso, não necessariamente na prática, mas pelo menos na sua cabeça, no seu sentimento e no seu coração. É assim que vejo a vida; muito mais o coração do que o físico.

OP – No documentário “Me Chama Que Vou” (2022), de Joana Mariani, sua música é mais vibrante que no filme "Meu Sangue Ferve Por Você". Fico com a sensação de que ela é mais presente e chega mais ao espectador. Você acha que é pelo fato de as músicas da ficção serem interpretadas pelos atores? O que você achou dos atores cantarem sua música no filme?

Magal – Eu achei maravilhoso, porque obviamente quando se assiste ao documentário sobre Sidney Magal, se remete à minha história e à minha voz ao longo desses 60 anos de carreira. Isso é natural que aconteça. Mas não acho que assistindo ao filme ["Meu Sangue Ferve Por Você"], a pessoa não sinta a mesma coisa do que acontece no documentário. Só se a pessoa não tiver criatividade nenhuma e se ela não tiver afim de aproximar a história de "Meu Sangue Ferve Por Você" com a história real. Eles [os atores que cantam no filme] se saíram maravilhosamente bem, principalmente Filipe [Bragança, que faz o Magal no filme], que tem o timbre de voz muito parecido com o meu. E o sentimento que ele colocou no Sidney Magal é um sentimento verdadeiro de Sidney Magal. E as pessoas têm que perceber isso de alguma maneira. Mas é lógico que se o Filipe fosse outro Sidney Magal, eu ia imediatamente me transformar no Jean Pierre [papel vivido pelo ator Caco Ciocler, que faz o empresário argentino que lançou Sidney Magal. Na vida real, quem lançou o cantor foi Roberto Livi em 1976] para empresariá-lo, porque ele tem mais tempo artisticamente e de vida que eu (risos), e não sou otário. De repente o Filipe é o Filipe. É um ator fazendo um belo trabalho. E o Magal continua sendo o cantor que as pessoas tanto amam durante esses 60 anos de carreira, graças a Deus [fala com ênfase].

Meu sangue ferve por você

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