Na terra dos verdes canaviais, como é conhecida Barbalha, no Cariri cearense, a 500 quilômetros de Fortaleza, a abertura dos festejos juninos no Nordeste é marcada pela quase secular Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio — quando milhares de pessoas ajudam a segurar o véu da noiva mais colorida da cultura brasileira.
Rainha da "Noite das Solteironas", festividade realizada no dia 1º e que antecede a travessia do pau da bandeira, a advogada Socorro Luna abre as portas da casa número 182 da rua do Vidéo, parada obrigatória para pessoas solteiras que buscam simpatias para casar.
Da janela, uma das principais anfitriãs da celebração distribui o chá feito da casca do pau e outros itens para quem deseja deixar a solteirice e subir ao altar: a pinga "xô caritó", o pó cata-marido e até fitas que suplicam "Santo Antônio, tende piedade de nós, as solteironas".
O POVO - Dona Socorro, no Cariri como um todo é muito forte a figura do padre Cícero, que move multidões, mas existem outras figuras religiosas como Santo Antônio que também movimentam a região inteira. O que esse santo representa na sua vida hoje e o que a festa em torno dele significa para a cultura local, principalmente no contexto das festas juninas?
Socorro Luna - Nossa região é muito rica em religiosidade, o padre Cícero é uma figura ímpar, é o nosso santo. Mas outras figuras religiosas como a de Santo Antônio também movimentam a nossa cultura, além da grande romaria do padre Zezinho. Esse santo representa tudo na nossa região, representa a nossa fé, a nossa cultura, garra e tradição. E tem mais, nós somos especialistas em juntar o sagrado e o profano. O nome pau da bandeira nasceu disso, porque antes se chamava mastro da bandeira.
Aliás, eu não casei porque ele (Santo Antônio) não deixou, mas sou a solteirona mais feliz do mundo por isso. Quanto chega a hora de subir no pau, quando os carregadores param aqui em frente e me carregam até lá, ah, eu me emociono toda vez. É a única pessoa que eles fazem isso, um corredor pra isolar e eu poder me ajoelhar e rezar aos pés do pau. É o nosso momento. Santo Antônio é só bênção na minha vida. É muita emoção (vai às lágrimas).
OP - Aos 70 anos, a senhora é um dos principais símbolos dessa festa. Os tempos mudaram desde que a Noite das Solteironas teve início, e muitas mulheres hoje em dia não veem o casamento como uma prioridade. O que lhe motiva a continuar organizando esse evento e o que senhora diria para aquelas que se sentem pressionadas a casar devido às expectativas sociais?
Socorro - Nunca se sintam pressionadas para o casamento. Expectativa social? Meu amor, você é muito mais importante do que qualquer expectativa social. Realmente, hoje muita gente não se sente motivado com casamento, para muitas mulheres é como se o casamento tivesse saído de moda. Mas há muitas pessoas que ainda querem encontrar a sua alma gêmea, ainda querem muito ter alguém para amar do seu lado.
Eu mesma não quero mais homem, assim como muitas mulheres. Mas existe ainda muita gente que deseja o casamento, homem e mulher, e para ajudar eu faço a minha parte. Mas não basta apenas isso, é preciso ter fé, fazer orações e confiar em Santo Antônio.
Mas eu repito: você, mulher, nunca se case ou se sinta pressionada a casar porque a sociedade exige matrimônio. Se case pela sua vontade própria, porque você é muito mais importante do que as expectativas sociais. Siga em frente, Santo Antônio é forte, pede as bênçãos que elas vêm.
OP - O que a senhora espera que as futuras gerações de mulheres em Barbalha aprendam com a sua história, com a Noite das Solteironas e com a Festa do Pau da Bandeira?
Socorro - A minha história é uma história simples, de uma moça do interior, portanto não sei se sou um exemplo para alguém. Minha vida é uma eterna folia, como costumo dizer. Mas eu espero que nunca deixem morrer essa tradição e essa religiosidade. Afinal de contas, nós somos nordestinos, um povo que, antes de tudo, é um povo forte.
No meio do sertão, aqui a cultura é fértil e brota como a nascente de um rio, deixando tudo verde. Você está sobre um lugar onde um mar já existiu! Precisamos juntar as nossas crenças, fazer elas crescerem e mostrar isso para o mundo inteiro. Essa cultura e essa fé dependem de nós para se manter.