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Chico Buarque 80 anos: O compositor da música, do teatro, do cinema
Vida & Arte

Chico Buarque 80 anos: O compositor da música, do teatro, do cinema

Aos 80 anos, Chico Buarque de Holanda reúne 58 anos de carreira que são considerados como referência aos jovens em diversas linguagens artísticas
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Foto: Leo Aversa - Crédito obrigatório. (Foto: Leo Aversa)
Foto: Leo Aversa Foto: Leo Aversa - Crédito obrigatório.

Celebrar os 80 anos de Chico Buarque é um convite para revisitar uma trajetória que marcou a música, o teatro, o cinema e a literatura brasileira. Com suas canções e escritos, Chico capturou a essência do País, contando histórias que tocam o coração e a mente dos brasileiros.

Sua arte não encanta apenas nas melodias, mas propõe uma reflexão sobre a vida. Sua biografia plural destaca a versatilidade que consagrou um dos maiores artistas do País, e sua obra continua a inspirar e emocionar gerações.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1944, Chico Buarque de Hollanda é filho de um sociólogo e pianista, logo sempre teve a música em sua vida. Aos 15, veio a sua primeira composição, a belíssima "Canção dos Olhos".

Depois cursou três anos de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo (USP). E, em 1964, abandonou o curso quando o clima era de repressão nas universidades, após o golpe militar.

Chico já citou em entrevistas que ter cursado Arquitetura foi fundamental para desenvolver a sua sensibilidade e enxergar a cidade sob outro ponto de vista. Tudo contribuiu com suas composições.

Foi em 1966 que o poeta ganhou destaque no cenário musical com o lançamento de seu primeiro álbum. Intitulado de "Chico Buarque de Hollanda", o disco rendeu ao artista um prêmio no Festival de Música Popular Brasileira com a música "A Banda".

Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Chico Buarque(Foto: João Weiner/ Divulgação)
Foto: João Weiner/ Divulgação Chico Buarque

Poeta e Compositor

Durante a ditadura militar brasileira entre 1964 e 1985, Chico Buarque emergiu como uma voz de resistência. O lirismo e as metáforas presentes nas composições denunciaram a repressão e a censura do período. "Roda-Viva" e "Cálice" são exemplos que operam como grito de protesto.

Chico também exerce seu destaque como cronista brasileiro, por meio de canções que capturam a sensibilidade, as nuances da vida urbana e dos sentimentos humanos. Para o jornalista Raymundo Netto, as riquezas do conteúdo de Buarque é o que o fortalecem como poeta.

"Sobre a sua persona de escritor, podemos afirmar que Chico Buarque, é um imenso poeta. Sua obra poética - muitas vezes enredada à dramaturgia e à crônica -, a diversidade de eu-líricos, a riqueza temática, o ritmo, entre outros fatores linguísticos asseguram a qualidade desse poeta-letrista", destaca o também escritor.

No samba, ele deu voz a personagens simples, como em "O futebol" e "Samba e amor". Sua habilidade de transformar cenas cotidianas em poesia reafirma sua identidade como compositor.

O romantismo de Chico também é marcante em suas produções. Canções como "Eu Te Amo" e "João e Maria" intercalam o amor e a perda, potencializando o perfil do compositor que compreende profundamente as complexidades emocionais e os relacionamentos humanos.

"A carreira literária dele teve início com o inquieto, alucinado e quase experimental romance 'Estorvo', em 1992 e tornou-se o ganhador do Jabuti, assim como outros títulos seus", relembra Raymundo.

Reunindo sua diversa contribuição para a literatura, que se mostra em diferentes linguagens, Chico acabou sendo reconhecido pela sua contribuição para a projeção do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. "Chico Buarque também conquistou o Prêmio Camões de Literatura, o maior da língua portuguesa, e é difícil dizer que não o mereça, embora na bagunça de meu coração e na desordem do armário embutido, ainda sinta que o poeta é mais urgente que o prosador... e amanhã há de ser outro dia", encerra Raymundo.

Dramaturgia

A relação de Chico Buarque com o cinema também é relevante. Ele compôs trilhas sonoras que marcaram, como para os filmes "Bye Bye Brasil", "Eu Te Amo" e "Saltimbancos Trapalhões".

Ele não apenas compôs, mas também atuou no filme "Quando o Carnaval Chegar". Já na peça "Ópera do Malandro", ele uniu música e dramaturgia e criou uma obra que mostra a realidade social e política do País.

A atriz Monique Larouge que apresenta a peça baseada na obra de Chico Buarque, "Uma valsa com sabor de loucura", na próxima sexta, 21, no Cuca Pici, comenta como as temáticas abordadas pelo compositor são necessárias. "Em 'Geni e o Zepelim', ele fala do ontem, do hoje e do amanhã. Ele fala sobre a maternidade, o corpo da mulher, as questões humanas que são tão profundas. Por isso as obras dele tem muitas gerações para alcançar", destaca a atriz.

Para Monique, a versatilidade de Buarque é o que fortalece sua essência de dramaturgo. "Ser plural na arte vem muito do que o artista consome, as fontes que ele consegue beber como artista. Eu acredito que o Chico é um artista que sempre esteve preparado, muito estudioso", comenta.

Para a diretora criativa do festival Bivar de Teatro, a arte possui espaço para debates políticos, mesmo que não seja obrigatório. "A arte tem esse poder de informar e alertar. O nosso país enfrentou vários momentos para uso da ferramenta que é a arte", conclui.

Música

Seja enfrentando regimes opressivos, narrando o cotidiano com poesia ou criando trilhas sonoras, Chico Buarque é um dos pilares da música e da cultura brasileira.

Sua musicalidade é um dos aspectos mais marcantes de sua obra, refletindo a riqueza e a diversidade da cultura brasileira. Suas melodias combinam muitos estilos, do samba ao rock. Ele é dono de composições que são tanto inovadoras quanto enraizadas na tradição, como "Construção" e "A Banda".

Gabriel Aragão, da banda Selvagens à Procura de Lei, comenta que o compositor do bairro do Catete impactou a produção de seu novo projeto solo. "Alinhado ao progressismo da esquerda, penso como Chico é uma referência. No samba, as produções dele são muito lindas, eu tentei trazer um pouco isso no meu primeiro disco solo, 'Rua Mundo Novo'", explica o cearense.

Ele aponta como uma música do cantor o motivou para desenvolver o álbum. "Inspirado em 'Construção' e 'Deus lhe pague' do Chico, desenvolvi meu novo disco, afinal é um cara que realmente sempre tem conteúdo para influenciar", complementa.

O diálogo contínuo entre passado e presente demonstra que a essência das canções de Chico refletem e influenciam ao longo do tempo. "Assim foi para o Chico também. Ele não inventou o samba de protesto. Ele está sentado em ombros de gigantes, como todo artista. Teve uma galera que trouxe o samba do lado africano para o Brasil", comenta.

O escritor Raymundo Netto fala sobre o escritor Chico Buarque

Sobre a sua persona de escritor, podemos afirmar que Chico Buarque, esse canceriano carioca, é um imenso poeta. Para comprovar, basta não ser surdo nem cego. Sua obra poética – muitas vezes enredada à dramaturgia e à crônica –, a diversidade de eu-líricos, a riqueza temática, o ritmo (que sobrevive à ausência melódica), entre outros fatores linguísticos asseguram a qualidade desse poeta-letrista.

No entanto, não é, pelo menos de todo, essa voz que entranha a sua prosa. Desconsiderando algumas obras de menor projeção, sua carreira literária teve seu início com o inquieto, alucinado e quase experimental romance “Estorvo” (1992), que li ainda quando da primeira edição, e não gostei. Porém, como não apito, tornou-se o ganhador do Jabuti, assim como outros títulos seus. Em 1995, veio outro romance, “Benjamim”, rico em imagens, tendendo ao cinematográfico. Ao contrário de “Estorvo”, narrado na 3ª pessoa, traz um personagem bastante curioso, o tal Benjamim Zambraia, uma espécie de flaneur neurótico que tinha a impressão de estar sendo sempre observado e/ou filmado em um cenário de regime militar. Ótimo livro – o que mais gostei, simplesmente –, escrito com muito apuro e um final surpreendente, apesar de. Em 2003, compôs “Budapeste”, livro enaltecido com louvores de inovação por José Saramago. O personagem, um ghost-writer, o proscrito, o temor de qualquer escritor(a), aquele que “progride nas sombras” e tem vaidade com seu anonimato. É perceptível na leitura da obra o emprego do esmero necessário que se presta à construção realmente literária, mas sem necessidade de firulas e rodeios, sendo diversamente onírico, humorado e recheado de boa imaginação e, em muitos pontos, complexo, como a língua húngara, quase uma personagem da trama. “Leite Derramado” (2009), foi o último livro de Chico Buarque que tive acesso (não li os romances “O Irmão Alemão”, “Essa Gente” nem o livro de contos “Anos de Chumbo”). Muito interessante, de leitura saborosa, a história do velho Eulálio, mesmo que aparentemente – ou certamente – delirante, traz alguns elementos do passado do personagem, revolvendo um pouco da história do país, questões familiares, misturando passado, presente e senilidade, sempre com algo de humor e ao mesmo tempo, direta e indiretamente, remetendo sobre reveses da vida e a fragilidade mental e psíquica dos idosos. Mesmo que em alguns pontos se perceba a caduquice contagiar o desenvolvimento do texto, é certamente uma ótima leitura.

Independentemente de controvérsias e suspeitas sobre premiações do mercado editorial, privilégios midiáticos, entre outros humores, Chico Buarque conquistou o Prêmio Camões de Literatura – num cenário bem buarqueano, eu diria –, o maior da língua portuguesa, e é difícil dizer que não o mereça, embora na bagunça de meu coração e na desordem do armário embutido, ainda sinta que o poeta é mais urgente que o prosador... e amanhã há de ser outro dia.

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