Quando a primeira academia de balé clássico surgiu em Fortaleza, na década de 1950, a divulgação boca a boca ajudou a espalhar a novidade. O movimento pioneiro seguiu a ideia de sua criadora, Regina Passos. Ela começou sozinha. Depois, suas alunas se aperfeiçoaram e passaram a ensinar as crianças menores.
Ali começou a influência da coreógrafa na dança do Ceará. A academia foi mantida por mais de 50 anos e formou gerações de profissionais. Regina Passos faleceu nesta quinta-feira, 20, aos 101 anos com legado de paixão e qualidade. A missa acontece nesta sexta, 21, às 9 horas, na Funerária Ternura. Na sequência, às 11 horas, é feito o sepultamento no Parque da Paz.
Regina dirigiu mais de 50 festivais de dança clássica no Theatro José de Alencar, levou o balé para as TVs locais, contribuiu para impulsionar a profissão e o ensino da dança na Capital. Por quase 50 anos esteve à frente da Academia de Balé Regina Passos.
Vera Passos, professora, coreógrafa e filha de Regina, destaca a trajetória da mãe: "Ela inspirou toda uma geração que inspirou outras gerações. Minha mãe deixou um legado imenso. Foi uma guerreira, porque lutou contra a sociedade, porque não aceitava na época e teve a garra de começar a dar aula de balé. Agradeço ao meu pai, porque ele permitiu isso".
"Eu vejo todos os traços dela na minha trajetória. Eu me inspirei nela, comecei a dançar por causa dela e sou perseverante, guerreira - porque a gente sabe que viver de arte é bem difícil - por causa dela. Toda a força que eu tenho eu agradeço a ela", declara.
Neta de Regina Passos e também bailarina, Juliana Passos destaca como sua avó era querida e ia além do cargo de professora: "Ela passava na casa das alunas para levar para apresentações, deixava todo mundo em casa. Hoje, elas falam muito sobre isso, sobre o que minha avó fazia na época para a dança, porque era tudo mais difícil".
Amanda Queirós é autora da biografia de Regina Passos publicada na coleção Terra Bárbara pelas Edições Demócrito Rocha (EDR). A jornalista afirma que "não tem como pensar em como a dança do Ceará estaria hoje" sem a coreógrafa. A biógrafa aponta, além do pioneirismo, "uma força de vontade de Regina Passos de escrever a própria história" e na dança encontrou uma forma de sustentar a família.
"Aos 30 anos, com seis filhos, saiu para estudar balé no Rio de Janeiro por três meses e começou a dar aula em Fortaleza. Quando pensamos em uma formação em dança hoje, você não pode se dizer formado em dança com menos de sete ou oito anos (pensando na formação clássica). É fantástico pensar que com três meses de balé - claro, não foram só esses três meses, ela sempre buscou essa formação - ela formou uma geração inteira da dança no Ceará", indica Amanda.
Para a biógrafa, que foi aluna da Academia de Ballet de 1989 a 2009, Regina Passos foi importante também ao trazer ao Estado profissionais de renome, como a gaúcha Jane Blauth. "O legado que ela deixa para a dança no Ceará é de que uma paixão que move muita coisa. Uma paixão pela dança e o desejo de viver disso mobilizaram uma família inteira e milhares de alunos que passaram por sua escola por mais de 50 anos", afirma.
Impacto em múltiplas gerações
"Me lembro muito da imagem dela sentada na cadeirinha, na época que a academia se chamava Regina Passos, observando muito atenta a gente ensaiar as coreografias para limpar cada erro", lembra Fernanda Duarte, aluna e professora da academia Tereza Passos.
"Ela me aceitou na academia quando eu tinha três anos. Na época, a escola só aceitava crianças a partir de 4 anos, mas eu precisava fazer balé por causa de uma recomendação médica", explica Fernanda, que tabém é solista nos espetáculos da Academia Tereza Passos. "Quando entrei, ela não dava mais aulas, mas estava sempre por lá, assistindo os ensaios, dava a opinião dela, era bem detalhista", completa.
As filhas de Regina, Tereza Passos, Cláudia Borges e Vera Passos, deram seguimento à paixão pela dança abrindo suas próprias academias. Há pouco mais de uma década, a instituição que levava o nome da mãe passou a ter o nome de Tereza. A escola de dança de Cláudia deu lugar a uma instituição também administrada pela filha Michelle, que não funciona mais.
Atualmente, só as academias que levam o nome de Tereza e Vera seguem ativas. "Cada uma delas deu continuidade ao legado de Regina, que tem esse pioneirismo ao trazer as danças cênicas, o balé, jazz e sapateado, para Fortaleza, ao lado de Hugo Bianchi", pontua Ernesto Gadelha, professor da academia Tereza Passos.
"E é interessante que é algo presente até mesmo na lá na (academia) Tereza Passos, onde alunas fizeram aula com a Regina ou a Tereza e levam suas filhas que para estudarem dança lá e assim sucessivamente. Tem muito essa sensação de dançar em família", salienta Ernesto.
Tallita Furtado, também professora da Academia Tereza Passos, enfatiza a relação afetuosa e próxima presenta na instituição. "Um legado que se replica entre elas. Tereza, filha de dona Regina, é uma mulher maravilhosa. Atenciosa, gentil, delicada e ao mesmo tempo uma professora exigente , rigorosa, acredito que tenha puxado a sua mãe", diz Furtado.
A docente também acredita que o maior legado de Regina Passos é a herança artística passada para as filhas e transmitida a diversos artistas cearenses que passaram por suas instituições."Acredito que todas elas sejam com o balé ou com o jazz, continuam contribuindo lindamente para que a dança do Ceará tenha tanto reconhecimento local e nacional", finaliza Tallita. (Eduarda Porfírio)