Austin Butler é seis anos mais novo do que a irmã Ashley. Se na vida adulta a diferença de idade se faz irrisória (eles têm 32 e 38 anos, respectivamente), na infância, tratava-se de um abismo geracional, realmente. Inspirada pelo pai e avô, ambos motoqueiros, Ashley quase perdeu a vida em um acidente de motocicleta, na primeira saída sobre duas rodas após conseguir a habilitação.
Derrapou, bateu no meio-fio, capotou e foi parar do outro lado da via, na contramão. Uma quase tragédia, evitada por uma sorte de alguma santidade protetora dos jovens motoqueiros imprudentes. A mãe, como é de se imaginar, ficou furiosa e proibiu o filho mais novo a subir uma moto uma vez na vida. Austin Butler a obedeceu até os 16 anos.
O jovem ator tem um quê de rebeldia, como se flertasse com os astros do cinema do passado, mesmo moldada para ser aceita nos padrões ultrapreocupados dos anos 2020. Perigoso, pero no mucho, com um jeito caladão, de olhar profundo, cabeça baixa, topete para cima.
E a motocicleta, talvez, represente o último grito legítimo de liberdade de um astro de 32 anos e rosto globalmente reconhecido. "É o um movimento muito libertador simplesmente colocar um capacete e andar pela estrada", ele diz. "Tenho muitas memórias de, desde cedo, estar na garupa do meu pai. Fazíamos essas viagens juntos e eu adorava isso, essa sensação."
Por isso, quando conheceu Jeff Nichols ("O Abrigo" e "Amor Bandido"), o clique entre os dois foi imediato. "Austin foi o primeiro nome que entrou para o filme", revela o diretor, na entrevista por videoconferência compartilhada com alguns poucos veículos do mundo todo, sobre a construção do elenco estrelado de "Clube de Vândalos", lançado no circuito brasileiro nesta quinta, 20.
"Ele não tinha feito 'Elvis', ainda. Então, tudo o que tinha para avaliar era o carisma pessoal que senti naquele momento na sala com esse cara. Ele tem algo de ser muito real, é uma estrela docinemade verdade".
"Clube de Vândalos" tenta disfarçar a candura e fragilidade inerente dentro de si com graxa, roncos de escapamentos furados de motocicletas customizadas e cheiro de fumaça. Um filme sobre o despertar da vida adulta e do fim da inocência, sob o pretexto de narrar os anos transformadores de uma gangue de motociclistas, durante os anos 60. Da criação, como um local para ser o ponto de encontro de desajustados e excluídos da sociedade, para se tornar uma gangue, realmente, com atuações no tráfico de drogas e excesso de violência.
O filme de Nichols parte da figura misteriosa de Austin, ou Benny, como é o chamado o personagem do ator no longa, um sujeito de quem sabemos pouco além da devoção pelo estilo de vida sobre duas rodas (as jaquetas de couro, o cabelo penteado para trás pelo vento e o descontrole por bebidas alcoólicas).
Deveras inspirado em Marlon Brando em "O Selvagem" (1953), com algo de Alain Delon e de sujo de "Easy Rider - Sem Destino" (1969), o personagem de Austin é um sujeito de poucas palavras, mas intenso da sua própria maneira. Encanta-se por Kathy (Jodie Comer), a quem observa obsessivamente, até receber a atenção dela de volta.
Benny e Kathy possuem uma relação interessante no filme. Isso porque o motoqueiro quer que ela aceite a vida sobre rodas, sem regras, como parte da comunidade que se tornaram o tal Clube dos Vândalos. Ela, por sua vez, gostaria de ver o companheiro distante da vida sobre duas rodas. Ainda assim, algo os atrai. Conecta-os em um laço forte o bastante para aguentar os trancos de uma narrativa espinhosa.
Nichols admite querer criar um conflito nesta história, e acrescentou uma terceira parte, um verdadeiro "triângulo amoroso" disforme, com a presença de Tom Hardy, como Johnny, o motoqueiro líder do grupo de motoqueiros e alguém a quem Benny vê como líder, guru e até pai. Johnny quer se aposentar da presidência do clube e deixá-la para o personagem de Butler - e ele foge de qualquer responsabilidade com a velocidade de uma Fatboy da Harley Davidson, e sua aceleração de zero a 100km/h em 6 segundos.
Constrói-se um conflito a partir de alguém que é o vândalo mais puro, desprendido das questões terrenas, caso de Benny (Butler), e ele se vê rodeado de expectativas e exigências.
Aí, "Clube de Vândalos" faz um ponto interessante a respeito da natureza humana. Somos feitos para andar em grupo. Na trama, aqueles sem lugar na sociedade, os rejeitados e os ignorados, se encontram no Clube como um ambiente receptivo. Conforme escala a violência, crescem as regras. E, ironicamente, os libertários passam a se moldar sob regras autoimpostas, tal qual na sociedade da qual eles fugiram.
"Clube de Vândalos" trata de críticas sociais, principalmente do ponto de vista do norte-americano comum, que vê o país dividido pela Guerra do Vietnã, por uma geração de hippies versus uma forte onda conservadora, claro, o contexto histórico é inevitável.
O filme é inspirado em personagens reais, em um clube de motoqueiros de verdade, retratados no livro de Danny Lyon, Bleak Beauty. O que Clube de Vândalos toca, realmente, é a sensação de fim da inocência, da angustiante sensação de saber que os bons tempos já se foram.
Nostalgia, negação, rejeição. Por um tempo, o Clube de Vândalos foi aquilo que aqueles desajustados queriam - e precisavam, mas logo o clube se transformou de novo. Fica um gosto amargo.
E é como Benny, personagem de Austin, lida com esse conflito sentimental e sensorial, o grande acerto de Nichols e em todo Clube de Vândalos. O terceiro terço é de partir o coração, diante da escalada da violência e das decisões de cada personagem.
Não será o filme a trazer o Oscar para Austin, mas escancara como o jovem é uma versão contemporânea no galã sexy e quietão tão popular em uma Hollywood pré-redes sociais. É um daqueles casos raros de ator e personagem feitos um para o outro.
"Clube de Vândalos"
Quando e onde: Ingresso.com