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Série "Queenie" é uma jornada de auto amor que quebra com o estereótipo da mulher negra forte
Vida & Arte

Série "Queenie" é uma jornada de auto amor que quebra com o estereótipo da mulher negra forte

"Queenie", nova produção do Star Plus baseada em livro de mesmo nome, aborda as dores de ser uma mulher negra vivendo o auge dos 20 e poucos anos
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Foto: Star Plus/Reprodução Série "Queenie" é baseada em livro de Candice Carty-Williams

Em "20 Something", música do álbum "Ctrl" (2017), da cantora SZA, o eu-lírico fala sobre as dores de ser uma mulher negra em seus 20 e poucos anos. A faixa poderia ter sido base para a série "Queenie", inspirada no livro de mesmo nome escrito por Candice Carty-Williams, e que chegou ao Star Plus neste mês.

Queenie Jenkins (Dionne Brown) acabara de passar por um término de um relacionamento de três anos com Tom (Jon Pointing) e se vê perdida por considerar o que viveu com o ex o momento máximo de afeto. Diante do término, traumas relacionados a abandono parental e violência doméstica voltam a atormentá-la com mais intensidade, tornando a vida da jovem inglesa-jamaicana de 24 anos mais complicada.

Assim como o verso que intitula essa resenha, Queenie poderia ser o eu-lírico dessa música, a "Senhorita 20 e poucos anos" que está tentando sobreviver ao período confuso e intenso que é se tornar uma adulta. Principalmente quando se é uma mulher negra ocupando espaços brancos que estão comunicando a todo momento o quanto a protagonista não pertence a esses espaços.

A inglesa-jamaicana não pede muito, apenas que os "20 e poucos anos não a matem", assim como canta SZA. O que a torna uma personagem real, não só pela forma como o racismo a atravessa, mas pela forma como mostra que a solidão da mulher negra não é uma experiência individual.

O roteiro conciso de Candy Carty-Williams nos faz criar empatia pela personagem e sofrer junto com ela diante das situações complicadas que ela submete a si mesma. Com diálogos focados nas emoções de Queenie, Carty-Williams imerge a audiência na jornada de Queenie, do mesmo modo que acontece no livro que originou a série.

Por se tratar de uma adaptação, obviamente, existem diversas diferenças entre a série e a obra literária. No entanto, nenhuma das mudanças afeta prejudicialmente o arco narrativo de Jenkins. A maior distinção entre um e outro, e que pode causar estranhamento para quem leu, é a inserção de Frank (Samuel Adewunmi) como possível interesse amoroso de Queenie.

É algo que causa o receio de que a narrativa se desvincule da proposta original de Candy e se torne uma "versão negra" de "O Diário de Bridget Jones" (2001). Ainda que o filme protagonizado por Renée Zellweger quebre com o padrão de comédias românticas ao trazer uma mulher vista como gorda, se trata de uma trama sobre uma mulher branca loira em busca do amor, vítima de uma heterossexualidade compulsiva.

Queenie por sua vez acompanha a jornada de cura de uma mulher que aprende a se odiar desde a infância. Novamente, algo compartilhado por muitas mulheres negras. E a série, que poderia cair numa narrativa atravessada pelo sofrimento e fardo da solidão, consegue fazer jus à história contada usando a sensibilidade como principal artifício.

Isso também é mérito da direção de Joelle Mae David e Makalla McPherson, que conduzem o enredo com leveza e seriedade que é pedida a cada cena. Não à toa, os episódios com média de 25 minutos despertam risadas na mesma medida que fazem chorar.

O elenco também contribui para a construção dessa atmosfera. Além de Dionne que destaca ao entregar uma protagonista fiel à personagem do livro tanto em personalidade como na forma física, Bellah como Kyazike, a melhor amiga carismática de Queenie, quase rouba a cena.

Elisha Applebaum consegue ser uma Cassandra não tão detestável quanto a do livro, já Tilly Keeper passa um pouco despercebida como Darcy. Apesar disso, a série consegue transmitir como a relação das duas com a protagonista é superficial, mostrando como as amigas, por serem brancas, não conseguem entender (por falta de vontade no caso de Cassandra e de conhecimento para Darcy) as questões de Queenie.

Desse modo, "Queenie" está mais para uma versão de "Insecure" para o público de 20 e poucos anos, com alguém que ainda está tentando entender seu lugar em um mundo que a diz odiar constantemente. Quebrando com aquela versão de "mulher negra forte e bem resolvida" pregada por Nola Darling do longa-metragem "Ela quer tudo" (1986).

A série e o livro merecem atenção, principalmente para aquelas mulheres/meninas negras que sentiram falta de personagens não só parecidas consigo em relação à aparência, mas em personalidade. A produção está disponível no Star Plus, com temporada completa de 8 episódios.

 

"Queenie" (2024)

Onde assistir: Star Plus e, a partir de 26 de junho, no Disney Plus

 

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