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Protagonizado por Maria Bomani, filme "Bandida" evidencia histórias reais
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Protagonizado por Maria Bomani, filme "Bandida" evidencia histórias reais

Protagonizado por Maria Bomani, filme conta a história real da primeira mulher a chefiar o tráfico de drogas na Rocinha, no Rio de Janeiro, na década de 1980
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Estrelado por Maria Bomani,
Foto: Karyme França/Divulgação Estrelado por Maria Bomani, "Bandida - A Número Um" narra a história da primeira mulher a chefiar o tráfico de drogas na Rocinha

Quando tinha somente nove anos, Rebeca foi vendida por sua avó para um bicheiro que comandava a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ). A comunidade era disputada por bicheiros e traficantes e passou a se ver diante de mudanças de poder. Rebeca acompanha de perto essas alterações e se torna mulher de Pará (Jean Amorim), chefe do crime.

Entretanto, ele morre, e sua parceira acaba assumindo a liderança do poder. Rebeca vira chefe do tráfico nos anos 1980 e participa de uma rotina de crimes e violência. Esse é o enredo do filme “Bandida: A Número Um”, dirigido por João Wainer e baseado no livro “A Número Um”, de Raquel de Oliveira.

Autora do romance autobiográfico, hoje Raquel é pedagoga e tem 63 anos. A atriz e cantora Maria Bomani, ex-BBB 22, interpreta a protagonista do longa-metragem. O filme é narrado em primeira pessoa e acompanha a trajetória de Rebeca. O elenco conta ainda com Milhem Cortaz, Natália Deodato, Otto, Sant, Natália Lage e Wilson Rabelo.

O filme está em cartaz nos cinemas. Em entrevista ao Vida&Arte, Maria Bomani compartilhou a preparação para viver a personagem e a importância do audiovisual brasileiro retratar “histórias brasileiras”.

O POVO - Como esse papel chegou para você e como foi sua preparação para ele?

Maria Bomani - Para fazer a preparação da Rebeca, usei um laboratório muito sentimental. Acho que não abri muito da minha vida pessoal para a personagem. Houve muita técnica. O preparador de atores, Márcio Mehiel, tem uma abordagem bem técnica. Trabalhamos muito com energia e respiração, e isso me deixou muito tranquila, porque é uma personagem que tem cenas muito pesadas e muitas camadas. Eu tinha que estar bem concentrada para essa personagem e foi muito desafiador fazê-la, mas fiquei bem realizada com o resultado e com toda a repercussão. Está sendo muito positivo. Foi um momento de bastante amadurecimento da minha carreira.

OP - Você já conhecia a história da Rebeca? Se sim, o que mais te chamou a atenção no desenvolvimento da personagem?

Maria - Eu tive o primeiro contato com a Raquel de Oliveira, autora do livro que inspirou o filme, pela internet. Foi após o convite para fazer o “Bandida”. A Mônica Nêga, produtora, conversou comigo, perguntou se eu conhecia a história da Rebeca e disse que era inspirada em um livro. Pesquisei algumas coisas na internet, vi algumas entrevistas da Raquel, e depois disso todo o laboratório que eu trouxe foi do livro. É uma obra muito bem escrita, fiquei encantada com a forma com a qual ela escreveu. Algumas informações eu trouxe para a personagem, porque ajuda muito na composição, como cheiro, música e apelidos. Nos conhecemos na pré-estreia do filme. Ela falou o que achou do filme e da minha interpretação e foi um retorno muito positivo. Um encontro emocionante. Fiquei lisonjeada de fazer uma personagem como a Rebeca e de estar representando uma autora favelada da Rocinha.

OP - Você chegou a dizer em entrevista que iria levar para a sua personagem a sua vivência, mas sem repetir padrões. De que maneiras você acha que alcançou esse objetivo e o que quis dizer com essa afirmação?

Maria - Quando digo “não repetir padrões” me refiro aos estereótipos que já são muito comuns dentro do audiovisual - e não só dentro do audiovisual. Acho que na mídia em geral há um sensacionalismo que as pessoas levam sobre a vivência e a cultura de uma favela. O filme dá a oportunidade de podermos contar uma história com humanidade, onde mostramos todas as camadas e atravessamentos dessa personagem. Ela é envolvida para esse momento, não é uma escolha consciente. Ela não quis ser bandida. Mostramos toda essa complexidade de uma mulher que não teve oportunidades nem estrutura familiar, emocional e financeira para seguir outras escolhas. Quando falamos de ‘não repetir padrões’, falamos sobre contar uma história diferente, mas é uma história cuja realidade as pessoas vão se identificar, porque conhecem pessoas como a Rebeca ou histórias próximas dela. Mostramos outra relação da favela. Realmente existe a passividade quanto àquela população naquele lugar. Os moradores não têm o poder para escolher quem comanda. Acho que a guerra ao tráfico de drogas e todas essas essas discussões são muito mais complexas e precisam de profundidade para podermos conversar.

OP - O que te encantou em interpretar a Rebeca?

Maria - É que não era simplesmente sobre segurar um fuzil. Era sobre sentarmos e contarmos uma história como ela precisa ser dita. A Rebeca é uma bandida, mas é uma mulher que tem emoções, fragilidades, vulnerabilidades e paixões. Ela sente raiva e medo. Quando eu falo da construção dela é justamente isso. Muitos me perguntaram “o que eu emprestei” de mim à personagem pelo fato de eu ser favelada. Isso quase não conta quando estou apresentando a história da Rebeca, porque é uma mulher de outra década e de outra favela. Nenhuma favela tem a mesma cultura que a outra. Não poderíamos trazer a minha vivência de Cidade Alta para poder dividir com a Rebeca, que é da Rocinha. O que eu pude trazer são os conflitos emocionais. Consigo compreendê-la de alguma maneira. Posso sentir proximidade a um sentimento de abandono, de raiva, de mágoa, de impotência… Foi isso que pude emprestar à personagem.

OP - O que o filme pode trazer de novidade a quem já conhece a história de Rebeca e o que traz de marcante para quem ainda não sabe?

Maria - A fotografia está muito interessante. É um mergulho em uma outra época. Contamos tudo a partir da fotografia, da escolha do figurino, do cenário, da direção de arte e da caracterização também. Tudo remete a uma outra década. Quem viveu essa época vai sentir nostalgia e quem não viveu vai ter experiência quase “antropológica” de entrar nesse universo. Outra questão é trazer o ponto de vista de um romance como foco do filme. Acho que o que fica na primeira camada é o romance entre o Pará e a Rebeca. Depois, começamos a falar sobre as questões do tráfico de drogas, da mudança de poder do Jogo do Bicho e do Comando Vermelho. Apresentamos coisas que infelizmente são cotidianas, como abuso e abandono, mas trazemos os diferenciais do ponto de vista de um romance e de ser uma mulher liderando o tráfico. É algo que vemos mais em produções estrangeiras. “Bandida” tem esse diferencial.

OP - O filme aborda dificuldades enfrentadas por moradores de uma comunidade carioca e os conflitos entre o tráfico e a polícia. Qual a importância de retratar histórias assim no audiovisual?

Maria - Acho que o audiovisual brasileiro tem que representar histórias brasileiras. Quando contamos uma história como a da Rebeca, é uma história comum, e as pessoas à sua volta também eram personagens comuns e cotidianos. Acho que a história da Rebeca é importante porque principalmente é de uma escritora favelada, então precisamos de mais roteiristas, diretores e artistas que sejam favelados e de outras minorias, para que possamos contar histórias com cada vez mais propriedade. O brasileiro precisa se sentir representado na tela, precisa ter o gosto de ir para um cinema que não seja só uma comédia com todo aquele “quê” americanizado ou um filme muito rebuscado. Você não precisa dizer muito para contar uma história na qual as pessoas saiam da sala tocadas. Precisamos também falar sobre outros temas, porque a arte também é política. Quando mostramos um filme como “Bandida - A Número Um”, acho que abre o debate para conversarmos mais profundamente sobre esses temas e de alguma forma tocar o brasileiro.

OP - Como analisa esse filme na sua carreira como atriz? Que relevância ele ocupa pra você?

Maria - A Rebeca é minha primeira protagonista e essa é a minha estreia nos cinemas. Estou muito feliz. É a realização de um sonho. Desde criança - e hoje estou com 23 anos - queria ser artista e atriz. É um momento de realização pessoal e profissional também, porque agora é um momento diferente da minha carreira. Essa é uma personagem em que as pessoas vão ter oportunidade de me assistir melhor e de acompanhar melhor também. Foi muito preparação para poder interpretá-la, então acredito que isso vai para as telas. Estou muito feliz e também estou focando na minha carreira musical, voltando à música de forma devagar para eu poder mesclar e cuidar paralelamente dessas duas carreiras. Estou muito animada.

Bandida - A Número Um

 

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