Quarenta anos atrás, o ator americano Eddie Murphy protagonizou o primeiro filme de uma franquia que posteriormente se tornaria um sucesso de audiência. Em 1984, a história de Axel Foley, um policial de Detroit que visita as ruas de Beverly Hills, na Califórnia, para solucionar o mistério do assassinato de seu melhor amigo cativou o público.
Não à toa, pois, foi a maior bilheteria daquele ano nos Estados Unidos, com arrecadação mundial de US$ 316 milhões (equivalente hoje a mais de US$ 955 milhões). Unindo comédia e ação, o universo do filme ganhou outras duas sequências em 1987 e em 1994. Três décadas depois do último longa lançado, chegou a hora de Eddie Murphy retornar ao seu papel.
A Netflix lançou nesta quarta-feira, 3, “Um Tira da Pesada 4: Axel Foley”. Na obra, o detetive está de volta a Beverly Hills. Com a vida de sua filha Jane (Taylour Paige) ameaçada, ele se une a ela e a um novo parceiro (Joseph Gordon-Levitt) e aos antigos companheiros Billy Rosewood (Judge Reinhold) e John Taggart (John Ashton) para acabar com uma conspiração.
A franquia foi um sucesso no Brasil também pelo seu trabalho de dublagem. O ator Mário Jorge, também dublador de John Travolta e do personagem Burro, de “Shrek”, volta a interpretar Eddie Murphy no novo longa. Ao Vida&Arte, compartilha o “prazer” em dublar o ator e afirma que o artista é o único que o deixa “tenso” quando vai dublar.
O POVO: Qual seu sentimento ao voltar a dublar o Eddie Murphy em “Um Tira da Pesada”, uma franquia na qual você está desde o primeiro filme?
Mário Jorge: Sempre falo o seguinte: adoro dublar o Eddie Murphy, não importa em qual obra. Já fiz documentários e desenhos, mas tenho um carinho muito especial pelo Axel Foley. Ele tem muita coisa de carioca. Se você reparar, ele parece realmente carioca, com aquele jeito mais malandro, desligado, em que ele pode fazer a ‘maior merda do mundo’, mas para ele está tudo bem. Então, eu dublar o Eddie Murphy no Axel Foley é sempre um prazer. Tem muito de mim e muita ligação. Amo dublar Axel Foley.
O POVO: Você tem muitos papéis na carreira, com dublagens de vários atores icônicos, a exemplo de John Travolta. Qual a relevância de Eddie Murphy em sua carreira como dublador? Qual o lugar que ele ocupa em sua trajetória?
Mário: O primeiro filme no qual dublei Eddie Murphy foi “Um Tira da Pesada”, logo no início da minha carreira. Então, ele tem uma importância muito grande porque você dublar o Eddie Murphy não é como dublar o ‘Zé das Couves’. Sou dublador dele como sou de John Travolta e de vários outros, mas ele tem essa importância por ter feito parte do meu primeiro grande filme e por ter sido minha primeira grande dublagem. Como falei, adoro dublá-lo, e nunca sei se vou conseguir dublá-lo. Confesso para você: dublo há mais de 45 anos, mas cada vez que vou dublar Eddie Murphy eu fico nervoso. É o único ator que me deixa ir trabalhar nervoso, mas, na primeira cena dele, já não estou mais. Quando vou interpretar John Travolta eu não fico nervoso. O Eddie é difícil de dublar pela quantidade de inflexões que ele dá em uma mesma frase e pela velocidade com a qual ele fala. Então, vou para o estúdio dublá-lo na maior euforia, mas sempre com um pouco de medo.
O POVO: Diante disso, quais foram os desafios da nova dublagem de “Um Tiro da Pesada”? Afinal, você retorna ao papel depois de bastante tempo
Mário: Eu não tive desafios. Eu dublo há muitos anos, então acho que não há nada que eu diga que não consigo fazer. A única diferença é que, quando é o Eddie Murphy, fico nervoso quando entro no estúdio, mas quando ensaio o primeiro ‘loop’ já não estou mais. Eu já estou ‘dentro’ dele. O desafio mesmo é dublá-lo com a quantidade de inflexões, caras e coisas que ele faz. Isso é um grande desafio, mas que eu curto muito. Vou ao estúdio com a maior felicidade. Quando gravo, volto ao normal, já estou em casa (risos). Ele sempre me deixa ‘tenso’ para dublar.
O POVO: Neste filme, há alguma cena específica que mais chamou a sua atenção? Alguma sequência que exigiu mais de você enquanto dublador, até pela questão das inflexões do Eddie Murphy que você citou?
Mário: As cenas do helicóptero. Para mim, são geniais. Houve avanço tecnológico (nas filmagens). Antigamente, no primeiro filme, você não tinha como fazer as coisas que são feitas com esse helicóptero hoje. As cenas são muito difíceis, porque o Eddie Murphy está gritando o tempo inteiro - e não basta gritar, é preciso gritar com interpretação. Então, acho que neste filme as cenas do helicóptero foram mais difíceis e ‘mais maravilhosas’ também.
O POVO: Há algumas semanas, publicamos uma reportagem sobre o cenário da dublagem no Brasil. Perguntei a outros dubladores como eles analisavam o contexto da área no País atualmente, se existiam muitos desafios - ainda mais com a inteligência artificial. Qual sua opinião sobre o cenário da dublagem hoje?
Mário: Acho que dublar, hoje, é muito mais fácil do que quando comecei. No início, dublávamos em magnético, se você errasse não aproveitava em lugar nenhum, tinha que fazer tudo novamente. A maneira como o Eddie Murphy fala é muito difícil. Naquela época, precisava voltar tudo, às vezes repetir quatro vezes. Hoje, não. Tecnologicamente falando é muito mais fácil, porque, se você errar em um ponto, você refaz a cena daquele determinado lugar, por causa do Pro Tools (software). Eu ouço minha voz e já entro no embalo. Antigamente não havia isso. Então, dublar é muito mais fácil hoje, não há comparação. Agora, tem sempre a dificuldade de dublar o Eddie Murphy.
O POVO: Você começou a dublar em 1977. Assim, são quase 50 anos de atuação na dublagem. Como você avalia sua carreira? O que significa, para você, ser dublador?
Mário: Vou tentar simplificar, mas eu comecei fazendo cinema com 13 anos. Depois de um tempo, passei a fazer televisão, fui diretor de alguns programas, até que um dia o Carlos Imperial (produtor) me apresentou para o Ronaldo Richers, filho do Herbert Richers. Ele disse: ‘Contrata esse cara, porque ele é fogo. É o melhor dublador que eu conheço’. Eu nunca tinha dublado na minha vida. Fui fazer um teste e nem sabia como era um estúdio de dublagem. Fiz o teste e voltei para a sala do Ronaldo achando que tinha sido horroroso. Ele perguntou o que o diretor achou e ele disse: ‘Pode contratar. O cara é uma fera’.
O POVO: Você já tinha noção da sua qualidade?
Mário: Eu sabia que não era ‘uma fera’ naquela época. Tinha certeza absoluta. Hoje, eu sou, mas naquele período eu tinha certeza que não. A visão do Carlos Imperial é que foi uma coisa interessante, porque ele nunca me viu dub lar e eu nunca tinha dublado. Eu melhorei muito em tudo - como ator, dublador, sincronizador e principalmente como pessoa. A dublagem me ensinou muito isso. Estou com 72 anos. Acho que ainda dublo por mais 30 anos, igual ao Orlando Drummond, que ficou até os 101 anos. Só que eu vou até 102 anos fazendo o Eddie Murphy, o que é pior. Não sei como vai ser para sincronizá-lo daqui a 30 anos (risos).
Um Tira da Pesada 4