É muito difícil que alguém que more em Fortaleza e frequente algum espaço cultural não tenha entrado em contato com o trabalho de Renata Monte e Luana Caiubi. Elas estão à frente da Peixe-Mulher, produtora de gestão cultural e audiovisual radicada em Fortaleza que completa cinco anos em 2024.
De cultura alimentar a show de stand-up comedy, a Peixe-Mulher tem se estabelecido como uma das principais promotoras de arte e cultura do Nordeste e carrega, orgulhosamente, o compromisso de oportunizar histórias e ações de mulheres e da comunidade LGBTQIA .
A empresa surgiu em julho de 2019, mas a dupla já estava envolvida com arte e cultura há bastante tempo. Para Renata, o surgimento oficial da Peixe-Mulher foi como "a oficialização de uma parceria profissional" que já existia e era reconhecida desde 2016, quando surgiu o "Bloco das Travestidas".
No audiovisual, a primeira grande realização das produtoras foi "Arreda Homem que Chegou Mulher", dirigido por Renata Monte com produção de Luana Caiubi.
A obra conta a história de mulheres umbandistas que comandam seus terreiros e lutam para ocupar espaços historicamente renegados na sociedade.
A essa altura da carreira, a narrativa ganha tons quase biográficos para as produtoras. Elas ressaltam que formar equipes de maioria feminina, com mulheres em postos de liderança, é condição primária para o trabalho.
Na visão de Luana, o maior desafio tem sido criar uma rede de proteção e um ambiente de trabalho seguro.
"Nós precisamos ser muito além de excelentes. Nossa entrega não pode ter furos, precisamos o tempo inteiro sermos extraordinárias para acessarmos lugares-comuns e ordinários do mercado e da sociedade para homens", acrescenta.
A luta para garantir espaços parece ser uma constante. Quando a pandemia de Covid-19 chegou, a Peixe-Mulher tinha apenas 8 meses.
Durante os anos de crise sanitárias, foram as políticas públicas que permitiram a continuidade da produtora e dos projetos de artistas envolvidos.
Elas citam a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc como um divisor de águas no setor.
Renata reforça, porém, que financiamento público no setor da Cultura nunca é suficiente. "A Peixe nunca escondeu seus posicionamentos, pelo contrário, sempre deixou muito claro seu lado político, seus valores e suas ideologias", destaca a diretora.
Para a dupla ainda há a necessidade de conciliar o texto dos editais com as propostas artísticas que defendem. Com o avanço do conservadorismo e iniciativas de censura, artistas financiados por editais públicos podem ficar mais vulneráveis a ataques.
Mesmo assim, as produtoras não renunciam a falar de temas que consideram importantes. Foi o caso da web série "Ponto Cantado", lançada em 2021. "Os convidados foram escolhidos a partir das próprias relações que eles têm com a Umbanda. Todos são de terreiro ou possuem uma ligação com aquela determinada falange, ou entidade", explicou Renata Monte.
A produtora também tem uma frente sólida na produção audiovisual. A prova são os números expressivos dos videoclipes produzidos pelas cearenses.
Pabllo Vittar e Marina Sena tiveram a Peixe-Mulher como responsável pelos videoclipes de "Cadeado" e "Ombrim", respectivamente. Os vídeos das artistas somam mais de 21 milhões de visualizações só no YouTube.
Mesmo com números expressivos, para Renata ainda não é seguro dizer que há diluição de uma hegemonia de trabalhos ainda executados no eixo sul/sudeste.
"Acredito que fazer esses clipes traz uma chancela importante de que o Nordeste está repleto de artistas e profissionais que não deixam em nada a desejar", aponta.
A produtora não só fura a bolha do mercado de produção cultural como também projeta nomes para ele. Silvero Pereira, ator e cantor, trabalha com Peixe-Mulher há anos. Antes de ganhar as telas da TV e do cinema de todo o País, ele dirigiu e atuou no espetáculo "Quem Tem Medo de Travesti", que também teve temporadas produzidas pela Peixe-Mulher.
Da mesma peça saíram outros dois nomes que continuam trabalhando ativamente na Peixe-Mulher. As drag queens Mulher Barbada e Deydianne Piaf, interpretadas por Rodrigo Ferreira e Denis Lacerda.
Em 2024, o teatro continua rendendo para a Peixe-Mulher, com as produções "Metendo a Boca", um solo do ator Ricardo Tabosa e direção de Elisa Porto e a peça "Egoísta", estrelada pela atriz Ana Marlene, com direção de Juracy de Oliveira.
"O teatro tem nos dado grandes presentes. Queremos seguir com esses espetáculos. Sem dúvidas, o teatro é uma das coisas que nos move e temos excelentes trabalhos para rodar", projeta Renata Monte.
Peixe-Mulher indo Rio acima no futuro
No audiovisual, que nas palavras de Luana Caiubi é uma das paixões mais latentes e mais desafiadoras da Peixe-Mulher, a produtora tem construído oportunidades.
O caminho que Renata Monte vêm traçando enquanto diretora audiovisual é uma das grandes apostas da empresa para o futuro. Novos projetos, especialmente clipes e documentários, devem chegar ao público nos próximos anos.
Elas fazem questão de ressaltar, porém, que não podem - e nem querem - entrar no esquema de produção acelerada dos tempos modernos. "Não se faz arte na velocidade da rede social, não se cria cultura na pressão e no imediatismo dos tempos de hoje. Artistas não são máquinas, produção cultural não tem como ser automatizada, muito menos operada por bots", defende Luana Caiubi.
Fazendo um balanço dos cinco anos de Peixe-Mulher, Renata Monte é categórica ao afirmar que o projeto não se reduz ao duo de produtoras culturais. "Sozinhas, não chegaríamos a construir nem metade do que fizemos. Somos uma espécie de peixe que só nada em cardume. Essa é a nossa força, outros peixes que sempre mergulham com a gente", afirma.
Luana Caiubi se diz orgulhosa do trabalho que, em suas palavras, começou sem nenhum capital monetário e se transformou numa potência de capital humano. "Nesses cinco anos, construímos relações, produtos e projetos inimagináveis. Trabalhamos com artistas que admiramos, muitas portas nos foram abertas e nós fizemos questão de abrir outras para muita gente", acrescenta.
Ao público cearense, elas garantem que podem esperar novas temporadas de espetáculos, shows, novos clipes e um festival ainda em 2024. Mas antes, elas vão nadar em águas cariocas. A Peixe-Mulher está seguindo para a primeira temporada fora, com o espetáculo "Egoísta", que ficará em cartaz no Sesc Tijuca, no Rio de Janeiro, e contará com uma circulação de shows da drag queen Mulher Barbada.
Luana define a Peixe-Mulher como mais que um trabalho, e sim um "movimento de vida". A produtora trilha um caminho que vai ao encontro do sucesso, mas sem o ter como fim em si mesmo. É sobre encontrar o tempo real das coisas, o tempo possível, o tempo saudável. (Mateus Moura/Especial para O POVO)
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