Dezembro de 2017 e a música "Pesadão", lançada dois meses antes, dava os primeiros sinais de que seria um sucesso Brasil afora. A ainda pouco conhecida Iza desembarcava por aqui para fazer o primeiro show em Fortaleza.
A boate Haus, nos arredores do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, estava lotada e, mesmo num palco modesto, ali já ficava evidente o cuidado da carioca com o que seria oferecido ao público presente. Desde o começo, Iza teve ao seu lado, além do DJ, a banda ao vivo e bailarinos.
De lá pra cá, tudo se amplificou e o que a Praia de Iracema presenciou no último sábado, 6, foi a apresentação de uma das maiores cantoras do pop nacional. Atração do festival Férias na PI, a compositora trouxe à Capital a turnê do seu mais recente disco, o confessional "Afrodhit".
Grávida de Nala, sua primeira filha, Iza surgiu radiante ao som de "Uma vida é pouco para te amar", balada lenta - e apaixonada - que convidou o público a acalmar a euforia deixada pelo show de Vitor Kley, que integrou plateia calorosa ao som do hit "O Sol".
Ao longo da sexta, 5, e do sábado, 6, o Aterrinho da Praia de Iracema recebeu, além de Iza e Vitor, artistas como Frejat, Paula Toller, Paulo Façanha, Makem, Rafael Amora, Luh Lívia, Claudine Albuquerque e Yayá Villas Boas. Foram dois dias de festa animada, porém não necessariamente lotada.
Voltando à apresentação da carioca, o volume baixo do som no início do show, que, a priori soou como estética, logo se mostrou um problema técnico. Nas quatro primeiras músicas, o vozeirão da carioca se abafou na multidão, que começou a gritar reclamando do volume.
Diante do impasse, Iza fez o que faz de melhor: sustentou no carisma. Além do talento vocal, a artista é craque em se conectar com o público. Enquanto os técnicos corriam para solucionar o problema de áudio, a cantora conversava e fazia piada com uma Praia de Iracema lotada de sorrisos.
Superada a questão, Iza presenteou os fãs com uma performance intensa da música "Fé". Destaque também para a presença da canção "Droga" no setlist, música que não está em nenhum álbum da cantora e foi desabafo em momento delicado da vida pessoal da artista (que, inclusive, descartou disco inteiro após se separar de Sérgio Santos, que era também seu produtor musical).
Iza tomou a decisão de apresentar repertório focado nas novas músicas - mesmo as mais desconhecidas do grande público. Escolha artística que deixou o setlist levemente irregular, pois as canções mais populares ("Brisa" e "Ginga", por exemplo) ficaram concentradas no último bloco da apresentação.
Ao cantar o maior sucesso da carreira, adaptou a letra: "Iza e Fortal são o bonde pesadão". Organicamente, a artista conseguiu criar essa ponte com quem estava ali naquela noite de sábado. A cantora soube dividir o brilho da festa com o público e com seus parceiros de palco.
Com solos dos músicos ao longo da apresentação, teve espaço ainda para um número de dança final após Iza deixar o palco e os bailarinos tomarem de conta. Com bons vocais, a carioca deu o recado: festeja mais quem festeja junto.
Memórias roqueiras
Em novembro de 1963, os Beatles foram convidados para tocar em um evento beneficente diante da rainha mãe e da princesa Margareth, em Londres. Vendo a audiência dividida entre nobres sentados e uma plateia em pé e mais empolgada, John Lennon convidou: “Os dos assentos mais baratos batam palmas. O restante basta chacoalhar as joias”. Em seguida, cantou “Twist and shout”.
Décadas depois, o rock ficou mais comportado e não se presta mais a esse tipo de malcriação. No entanto, foi impossível não lembrar desse episódio chegando na primeira noite do Férias na PI. Na sexta-feira, 5, havia uma grande área reservada para convidados que mantinha o público comum há uma distância considerável do palco montado na Praia de Iracema. Para chegar mais perto, era preciso dar uma longa volta por trás da mesa de som e luz. Curiosamente, a área reservada era maior e mais deselegante do que o necessário e ficou bem vazia na maior parte do tempo.
Para esta noite de abertura do festival, as principais atrações vieram lá dos anos 1980 e traziam na bagagem hits que marcaram gerações. Diante de um público mais velho, muitos deles trazendo filhos e netos, essas atrações fizeram questão de abusar desses hits. Que bom! Antes das atrações vindas de fora, a abertura foi com o cearense Paulo Façanha, um dos nomes mais experientes da noite de Fortaleza. Em seguida, deveria acontecer um show dos Selvagens à Procura de Lei, mas houve uma confusão, eles foram substituídos por Gabriel Aragão (vocalista do SAPL!), também cancelado. Sobrou para um DJ fazer as bases para a entrada de Roberto Frejat.
O ex-vocalista e guitarrista do Barão Vermelho chegou com uma banda enxuta, sem estrelas, mas todos muito entrosados para enfileirar hits da banda carioca, da carreira solo de Frejat e versões que ele incorporou ao repertório nas últimas décadas. Desse último tópico, ele apresentou “Amor meu grande amor”, de Ângela Rorô, e “Na rua, na chuva, na fazenda”, de Hyldon. Da carreira solo, teve “Segredos”, “Túnel do tempo” e “Amor pra recomeçar”. Do Barão, ele “Por que a gente é assim”, “Bete balanço” e homenagem ao parceiro Cazuza, numa releitura de “Exagerado”.
Com um casaco de mangas longas e cachecol, Frejat, 62 anos, sendo 42 de carreira, chegou com o jogo ganho e dedicou seu tempo a fazer festa para o público que vem acumulando desde os anos 1980. Sua contemporânea de geração, Paula Toller foi a atração seguinte. Apresentando a turnê “Amorosa”, a cantora carioca foi até mais ousada quando optou por um acompanhamento semiacústico e intimista. Mas o repertório foi igualmente confortável e certeiro, com um apanhado de hits do Kid Abelha, banda da qual foi vocalista por mais de 30 anos.
Em Fortaleza, Paula teve o acompanhamento luxuoso de Liminha, um dos mais importantes produtores do Brasil, tocando violão. Outro destaque foi o baterista Adal Fonseca, responsável pelo peso do show. Além deles, Gustavo Camadella (violão), Pedro Dias (baixo) e Gê Fonseca (teclados). E Paula que promoveu um luau na Praia de Iracema cantando “Fixação”, “Amanhã é 23”, “Lágrimas e chuva” e “Nada sei”, que naquela sexta-feira foi relançada nas plataformas digitais em dueto com Luiza Sonza.
Ora sentada, ora mexendo um pouco, Paula Toller usou sua simpatia bem medida para convidar o público a cantar junto canções que cruzaram décadas e fez muitos casais celebrarem juntos o momento. Tinha fã de carteirinha, que acompanha desde os anos 1980, cantando tudo do começo ao fim. Teve público mais jovem, também empolgado, que já conheceu o Kid depois do sucesso do “Acústico MTV”. Tinha aquela turma que estava ali curtindo já que era de graça mesmo. E teve uma senhora, vendedora de bebidas, que me perguntou “quem é essa mulher que tava cantando”. Respondi e ela devolveu “nunca ouvi falar”. Mas gostou do show? “Foi legal. E ela é bonita, né?”. (Marcos Sampaio)