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Em movimento pioneiro, Estado avança estudos de digitalização para salvaguarda de patrimônios
Vida & Arte

Em movimento pioneiro, Estado avança estudos de digitalização para salvaguarda de patrimônios

Digitalização dos patrimônios segue para o Interior em 2024; prática migra para obras de arte e curadoria de instituições
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Foto: Deyvison Teixeira/Divulgação Exposição "Do Ponto ao Patrimônio", no Museu da Imagem e Som

De acordo com o professor Esequiel Mesquita, coordenador do projeto Inovação e Tecnologia para o Patrimônio Cultural do Ceará, o uso das inteligências de tecnologia podem ter duas vertentes de aplicação direta no patrimônio. A primeira é na captação e transcrição para registros digitais, visto que permite o trabalho com mais precisão e em maior volume. A segunda é no desenvolvimento de produtos derivados desses registros, como as ferramentas de monitoramento via satélite.

Os dados, por exemplo, podem auxiliar no entendimento de tipologia de cada edifício, assim como os pontos de fragilidade para encontrar soluções com o mínimo de intervenção. Eles também são úteis para acompanhar as consequências das mudanças climáticas no patrimônio. "Você consegue estudar como a umidade vai degradar as alvenarias históricas, estudar como a variação climática influência na degradação".

Por isso, estes estudos vão além do que está exposto no MIS. O Estado se firma como pioneiro na área de digitalização de patrimônios e na produção de soluções focadas nas gestões destes bens. "Se nós fizermos uma evolução temporal dos estudos de patrimônio aqui no Ceará, a gente desenvolve estudos mais focados na documentação e catalogação, na estética, e pouquíssimos estudos das áreas mais relacionadas à engenharia e reabilitação".

O apoio da Funcap, direcionado a partir de 2010, possibilitou evolução desse panorama e a formação de grupos de pesquisas na área. Consequentemente, segue a consolidação de profissionais cearenses, que realizam trabalhos em outras universidades do País, como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de São Paulo (USP).

Entre as ações desenvolvidas pelo programa do Cientista Chefe da Cultura, Esequiel menciona o processo de digitalização do TJA, que se tornou o primeiro patrimônio histórico brasileiro digitalizado em alta precisão a partir do trabalho de alunos de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo dos campi de Fortaleza e Russas. O processo também foi desenvolvido em Aracati, nas igrejas Nossa Senhora de Assunção e Nossa Senhora dos Prazeres, além do escaneamento do centro histórico.

O parâmetro é similar: é feita a catalogação dos documentos históricos existentes (fotos, registros, representações), seguida pelo mapeamento dos equipamentos. Em seguida, é realizado o levantamento digital (que pode usar máquinas como drones) para, então, continuar com o processo de automatização e digitalização. O diagnóstico é, então, transferido para sites, a exemplo do Documentace.

O coordenador explica também que os processos são caros. Um equipamento grande pode levar duas semanas para ser escaneado, com um custo em torno de R$ 45 mil. Os mais baratos podem chegar a R$ 15 mil. Essa documentação digital, afirma o professor, tem alta importância inclusive no ponto de vista econômico. "Nós temos feito estudos diversos, entre eles eu destaco os mapeamentos de vulnerabilidade, que indicam os patrimônios históricos vulneráveis do Estado. Considerando que os investimentos de restauração são escassos, quando eu sei quais são as prioridades de aplicação, influencia na tomada de decisão".

Em 2024, a iniciativa vai adentrar o interior do Ceará com as cidades de Icó e Viçosa. "Consigo incluir dentro desses modelos informações diversas, como documentos históricos, colocar especificações das tintas dos revestimentos, das espessuras das paredes. Consigo agrupar um conjunto de informações relevantes para a manutenção daquele bem. No momento que o gestor precisa, elas já estão catalogadas", aprofunda.

De acordo com o Esequiel, as iniciativas de realidade virtual também estão migrando para as escolas públicas das periferias da Capital. Esta é a primeira forma, inclusive, que muitos alunos têm o primeiro contato com o patrimônio. "Nós já fizemos treinamento técnico com a Secult-CE e o Iphan para que eles possam trabalhar com os modelos HBIN que temos desenvolvido. Eu penso que o Ceará esta formando uma geração bastante qualificada para trabalhar nessas vertentes", arremata. (Lara Montezuma)

 

Equipamentos digitalizados

ARACATI

  • Centro Histórico (levantamento aéreo em escala urbana)
  • Igreja de Nossa Senhora do Bonfim
  • Igreja de Nossa Senhora do Rosário
  • Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos
  • Igreja Nossa Senhora dos Prazeres

FORTALEZA

  • Biblioteca Pública do Estado do Ceará
  • Cineteatro São Luiz
  • Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho
  • Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
  • Museu da Imagem e do Som do Ceará
  • Museu do Ceará
  • Pinacoteca do Ceará
  • Sobrado Dr. José Lourenço
  • Theatro José de Alencar 

JAGUARUANA

  • Igreja Senhora Sant'Ana

VIÇOSA

  • Igreja Nossa Senhora da Assunção 

 

E a inteligência artificial?

O uso da Inteligência Artificial (IA) é um debate inevitável quando se trata sobre o avanço da tecnologia. Entre os profissionais entrevistados, a opinião é unânime: estes dispositivos são facilitadores em processos de pesquisa e trabalho, mas devem ser regulamentados e acompanhados de perto.

"A quantidade de estímulos também me preocupa, nós temos que pensar como vamos usar o aspecto humano. Não tem muita escapatória, a gente vai inserir dentro dos processos e a regulamentação é a minha grande esperança", reflete Diego Ricca, responsável pela direção criativa de "Do Ponto ao Patrimônio".

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Digital é existência análoga

O âmbito da tecnologia também é aprofundado em outro equipamento cultural do Estado, a Pinacoteca do Ceará. A exposição "Síntese: Arte e Tecnologia na Coleção Itaú", disponível na instituição até 6 de outubro, acompanha a interseção entre as duas áreas a partir da compreensão de doze artistas sobre a relação humano-máquina-natureza.

O assunto inspira obras, permeia novos formatos e propõe mudanças curatoriais. É um transpasse intrínseco, afinal, "arte tem na sua origem, no seu princípio, a ideia de técnica, logo, de tecnologia". Quem faz a ligação é o pesquisador, comunicólogo e professor Leno Veras, curador de "Síntese". O doutorando em comunicação e cultura pela Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) expressa que, entretanto, o vínculo foi levado ao "exponencial" no contexto contemporâneo.

A atual conjuntura faz com que os trabalhos artísticos ganhem outras formas de interação com o público e demanda olhar curatorial mais aprofundado, estudado por meio de práticas que seguem a curadoria digital. O método determina, por exemplo, a disponibilização de acervos no ambiente virtual, assim como a digitalização de arquivos. É a consequência da tecnologia se salvaguarda das coleções, que existe desde o século XVII. "Desde a primeira reserva técnica, com espaços em que a temperatura começa a ser controlada artificialmente, até o emprego de grandes tecnologias do século XXI, como a ressonância magnética utilizada para a identificação dos materiais de uma obra ou a capacidade de fotografia com parametrização em nanomilímetros para identificação da expansão e retratação dos materiais", situa Leno.

Estes são alguns exemplos da "infinidade" de ferramentas tecnológicas que se associam à preservação digital de bens artísticos, que contemplam tanto os objetos físicos, quanto os de natureza informacional (imagens, dados e informações de dados informacionais). A criação de representantes digitais (ou seja, réplicas digitais dos itens) agregam na identificação, conservação e avaliação das obras. De acordo com o pesquisador, algumas instituições museológicas e governamentais já fazem uso dessas estratégias, mas é necessário uma maior capacitação dessas esquipes e "sistematização de um compartilhamento dessas ferramentas, sobretudo, no contexto das instituições públicas".

O aproveitamento desses instrumentos podem, por exemplo, evitar a queima de arquivos que aconteceu na Cinemateca Brasileira em 2016 e no Museu Nacional em 2018. "A gente pensa que as redes sociais, a comunicação, as videoconferências, os registros audiovisuais, os seminários acessibilizados digitalmente, todas essas ferramentas do contexto da transformação digital contemplam a ideia de uma exposição que é híbrida. O digital não é outra forma de existência, ele é uma existência análoga", avalia Leno.

Neste sentido, o Brasil está na "ponta de lança" da discussão internacional a partir da Lei Geral de Proteção de Dados, de número 13.709/2018. Quando a medida é revertida para a curadoria digital, Leno indica a atenção a aspectos delicados que precisam ser mantidos em sigilo. "A salvaguarda tem camadas de acessibilização que devem muitas vezes ser preservadas nas instituições. O valor de algumas obras, por exemplo, que podem gerar especulações de segurança; a origem de determinadas obras, e por aí vai. Mas, em geral, grande parte do conjunto de dados não são relevantes e deveriam estar acessibilizados digitalmente".

O interesse acerca da preservação digital deve ser o futuro, visto que cresce o número de criações artísticas virtuais, a exemplo dos NFTs e criptoarte. "Tecnologias ancestrais e originárias, como a pintura e performance, são fortemente trazidas à arte contemporânea pela juventude nativa digital. São muitas possibilidades de leitura sobre os desenvolvimentos futuros. Ciências diversas podem pensar em arte, uma arte petroquímica, uma arte nanobiotecnológica, são fronteiras da ciência que vão levando adiante os limites da arte".

 

Arte no contexto virtual

NFTs

Sigla para Non-Fungible Token (token não-fungível, em tradução para o português), o que significa que algo é único e insubstituível. A tecnologia oferece uma assinatura para cada registro digital, que pode ser pinturas e músicas.

Criptoarte

Arte digital de acesso único com registro em blockchain - sistema de processamento, armazenamento e transmissão de informações em códigos. NFTs estão inclusos nesta categoria, por exemplo.

Videomapping

Técnica de projeção utilizada para transformar objetos e elementos em uma superfície de exibição para projeção de vídeo. A forma mais conhecida é o viodemapping monumental.

 

Exposição "Síntese - Arte e Tecnologia na Coleção Itaú"

Quando: quinta a sábado, das 12 às 20 horas; domingo, das 9 às 17 horas

Onde: Pinacoteca do Ceará (rua 24 de maio, s/n, Centro - Fortaleza)

Gratuito

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