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Ator cearense Almeida Jr analisa incentivos culturais: 'Burocrático demais'
Vida & Arte

Ator cearense Almeida Jr analisa incentivos culturais: 'Burocrático demais'

Almeida Jr. é artista de teatro do bairro São Gerardo e se destaca na cena cultural cearense por gerir a Cia. Teatral Acontece há 22 anos
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 24-06-2024: Almeida Jr, diretor de teatro. (foto: Beatriz Boblitz/O Povo) (Foto: BEATRIZ BOBLITZ)
Foto: BEATRIZ BOBLITZ FORTALEZA-CE, BRASIL, 24-06-2024: Almeida Jr, diretor de teatro. (foto: Beatriz Boblitz/O Povo)

A permanência na arte é sempre um desafio quando se vive instabilidades como a falta de apoio e a busca por sustentabilidade financeira. É a partir desse entendimento que a luta do ator e diretor de teatro Almeida Júnior, do bairro São Gerardo, se fez permanente para que as artes cênicas ganhassem mais destaque no Ceará.

José Soares de Almeida Júnior, ou Almeida Jr., como é conhecido, é o criador da Companhia Teatral Acontece e do Curso Iniciação Teatral Acontece (Cita), projetos que tiveram início em 2002. A história do artista com essas importantes realizações começou de uma vontade que ele tinha de continuar fazendo teatro em espetáculos após ter realizado inúmeros cursos de iniciação.

"Eu percebi que o teatro já tinha mudado a minha vida. Antes eu era um ser humano supertímido, eu era um cara que tinha medo da própria sombra. O teatro foi uma ferramenta que me ajudou muito a superar meus medos, a encarar a minha vida e a mim mesmo", explica Almeida.

A busca do ator por continuar atuando, no entanto, foi atravessada pelo "não" de outras instituições de teatro em Fortaleza. Até que, em 2022, Almeida teve um encontro do tipo divisor de águas com o amigo Sidney Souto (1966-2015), a quem ia pedir espaço em seu grupo cênico, mas a conversa não saiu como o esperado.

"Eu conversei com ele e falei das minhas angústias, sobre não conseguir continuar no teatro. E aí o Sidney olhou para mim e disse: 'Almeida, tu acha que precisa que alguém te convide para que você construa sua própria história?'. Na hora eu fiquei com muita raiva. Porque o que eu queria mesmo era que ele me chamasse para fazer parte da companhia dele. Eu achei ruim no começo, mas essa fala dele foi muito abençoada, porque aquilo ficou germinando dentro da minha cabeça", conta.

Almeida decidiu, então, criar seu próprio grupo. Na época, ele fazia parte da Associação dos Contabilistas do Ceará (Acontece) e ocupava o cargo de diretor social da instituição. Juntando "A + B", Almeida resolveu criar um curso de teatro dentro da associação, que ficou conhecido como Cita: Curso de Iniciação Teatral Acontece. As aulas custavam R$ 10, mas a maioria dos alunos não tinha como pagar e o artista dava como bolsa para fortalecer seu público.

Ao longo do tempo, Almeida Jr. conseguiu formar dezenas de turmas com a Cia. Teatral Acontece e formar alunos fiéis que acompanharam seu trabalho. No entanto, acompanhando o crescimento da companhia, também veio a dificuldade de encontrar um espaço para a realização dos ensaios e encontros dos alunos. Logo no começo, tudo acontecia em uma das salas da associação, mas o espaço foi perdido e muitos outros locais viraram sede nesta trajetória, entre eles o Theatro de José de Alencar, Teatro São José, Teatro da Praia e outros.

Por muito tempo, Almeida Jr. trabalhou como contador para sustentar a sua companhia de teatro, mas ele resolveu abandonar a profissão de carteira assinada para se dedicar inteiramente aos palcos. Os problemas financeiros, por consequências, também foram alguns dos principais desafios enfrentados pelo artista para manter seu projeto de pé.

"Todo o dinheiro que eu recebia da empresa era para comprar figurino, fazer cenário, fazer tudo que precisava para os espetáculos acontecerem. Eu não tinha muita experiência ainda com produção, estava aprendendo, apanhando mesmo. Quem estava começando não tinha credibilidade, e aí eu tive que entregar tudo isso. Eu cheguei ao ponto de, em 2004, ter que vender a minha casa, que eu tinha comprado, lá no Conjunto São Cristóvão, para montar uma peça", relata.

Para levantar o espetáculo "Casamento de Chapéu", escrito e produzido por ele, Almeida Jr. vendeu sua moradia para uma vizinha, em 2004: "Eu vendi a casa, na época, por R$ 3 mil reais, a preço de banana mesmo, só para poder montar o espetáculo. Fizemos um cenário belíssimo, tudo muito bonito".

O investimento em cenários para o espetáculo, contudo, foi perdido em uma tragédia, pois, em 2006, durante uma viagem, a cenografia caiu na estrada e foi esmagada por carros e caminhões. A peça que seria apresentada no Cariri foi realizada sem esses adereços.

"Depois disso, eu comecei a perceber que não é um cenário que faz um espetáculo. Não é o figurino que faz o espetáculo, mas sim o ator que está vivo em cena, é o ator que passa verdade em cena. É a simplicidade de um espetáculo que, às vezes, se torna muito mais visível aos olhos de quem vê. É melhor do que muito cenário com muito apetrecho em cena, que acaba com as pessoas olhando só para o cenário, para aquilo os figurinos e esquece da interpretação dos atores, da história, do conto", destaca Almeida.

Mesmo diante de tantos desafios, a Cia. Teatral Acontece conseguiu sempre estar viva na cultura cearense. Almeida Jr., o grande responsável por isso, afirma que luta para que o teatro esteja mais presente na vida das pessoas, pois acredita no seu poder transformador.

Ele aponta: "O teatro teve um efeito transformador na minha vida. Foi por esse motivo que eu quis continuar a levar isso para as pessoas também. Eu quis que as pessoas também tivessem a oportunidade de experimentar, de ter uma experiência no teatro para elas verem que o teatro não é só a cena, mas ele é muito mais que isso. Ele é a cena real, ele é a cena da vida".

Almeida relata ainda ter conhecido muitas pessoas depressivas e "sem interesse pela vida" que, ao experimentar a linguagem teatral, tiveram energia e ânimo para novas atividades. "Fazer teatro é se abrir para a vida, se abrir para o mundo, é se autoconhecer", destaca.

Por fim, o diretor menciona que, para que os artistas do teatro consigam seguir com seus trabalhos no Ceará, é necessário que as leis de incentivo à cultura sejam menos burocráticas. Como exemplo, ele menciona o caso da Lei Paulo Gustavo (LPG). "A LPG chegou aqui num processo burocrático demais. Era um processo para ajudar os artistas e acabou atrapalhando a vida do artista. Devido ao processo burocrático, eu fui eliminado nos dois editais que escrevi devido a burocracias bestas", reclama. Almeida ressalta que, apesar de tudo, o cenário atual é bem menor que há 22 anos, quando começou com a Cia. Teatral Acontece.

O ator e gestor desenvolve atualmente, além do curso de iniciação teatral, o curso de Teatro Terapia, com terapias integrativas para quem não quer subir aos palcos, e o Laboratório de Experimentação Acontece, curso avançado de artes cênicas. Para se inscrever nesses cursos, basta procurar as redes sociais da Cia. Teatral Acontece.

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