Escrevo essa matéria ainda "embebido" dos vinhos que degustei e das belezas que meus olhos contemplaram. No meio do drama ambiental que o Rio Grande do Sul enfrenta, com total altivez e resignação, um paraíso do enoturismo segue preservado e, mais do que nunca, de braços abertos aos visitantes.
Estou falando da Serra Gaúcha, região que abarca cidades como Bento Gonçalves, Garibaldi, Flores da Cunha, Farroupilha, Nova Pádua, dentre muitas outras.
Tendo o aeoporto de Caxias do Sul como ponto de chegada e saída, recebendo também turistas que pousam em Florianópolis e chegam de carro enquanto o aeroporto de Porto Alegre retoma seu ritmo pré-inundações, a Serra é um ponto obrigatório aos amantes da enologia.
Estradas sinuosas e bem estruturadas saem cortando a vegetação exuberante composta por espécies da Mata Atlântica, com seus palmiteiros, perobas e baguaçus; e da Mata de Araucárias, com seus planos verdes, percorridos por gado e por cabras, dando o tom bucólico da paisagem, além dos vinhedos e sua simetria orgânica, compondo o ponto central do processo que vai do plantio à taça.
Quilômetros e curvas vão levando às vinícolas, dezenas delas estão situadas nas cidades serranas. Das históricas, com suas caves originais, construídas pelos imigrantes italianos e alemães que ali se instalaram; passando pelas enoboutiques com seus rótulos numerados e em versão limitada; às jovens, que investem em design, ambientação e alta gastronomia para atrair clientes, a experiência é diversificada e atende a todos os gostos.
Querendo, é possível também se hospedar, vivenciar tardes em spas, piqueniques em belos jardins, além de banquetes harmonizados em muitas etapas, nesses verdadeiros "castelos" do culto a Baco, à bebida bíblica, ao cálice ancestral e que conta, com suas inúmeras nuances e sabores, capítulos importantes da humanidade ontem, hoje e amanhã.
Desde já levantando um brinde à força, à resiliência e ao enfrentamento do povo gaúcho frente às tristes consequências das chuvas, convido a um passeio cheio de sabores e saberes pela Serra Gaúcha, um belíssimo destino a ser visitado no Brasil.
* O jornalista viajou a convite de projeto da @agenciaconceitocom com apoio do Boulevard Convention Vale dos Vinhedos, das Secretarias de Turismo de Bento Gonçalves e de Garibaldi, e aporte do Sebrae RS e Sicredi Serrana.
Modernidade e design
Com vistas para um vale cheio de verde está a Amitiê. Um prédio com linha retas e vários ambientes convida para momentos de puro prazer - e charme. Além de loja e restaurante, a casa conta com salas especiais onde são oferecidas experiências com os rótulos da marca que, fundada em 2018, já acumula mais de 70 prêmios.
Uma vez por mês, felizardos disputa a "tapas", o jantar triplamente harmonizado, com menu gastronômico, vinho e canções ao vivo, no piano de cauda, promovendo um momento de imersão multissensorial. Grupos também podem agendar momentos privativos com harmonizações e minicursos guiados por profissionais da vinícola.
À frente, as sócias Andreia Gentilini Milan (sommelière) e a enóloga Juciane Casagrande Doro, duas mulheres que transferiram para a Amitiê (de "amizade", em francês) sua elegância e requinte naturais, com toques de feminilidade, expressos nos pequenos detalhes, como na textura do papel aplicado com o rótulo das garrafas e os "gifties" que acompanham alguns dos espumantes, como marcadores de taças e o lacre dos espumantes que vira pingente de colar.
Charme e requinte
A beleza está em cada detalhe e a natureza também. Reserve tempo para visitar a Casa Chandon Garibaldi, principalmente se você for daquelas pessoas que curte cada pequeno detalhe.
Numa ampla sede, situada em um alto, à beira da rodovia, a propriedade está entre paisagens verdes de encher os olhos e seus caminhos se dão em bem cuidados jardins. Na casa principal, boutique de espumantes, varandas, ambientes decorados enchem os olhos e convidam a um brinde de puro charme.
Ponto alto da visita: a experiência do menu degustação na Casa Container, uma sala em vidro, com verde por todos os lados, onde o turista pode participar de uma degustação guiada de quatro dos rótulos da premiada marca de espumantes. Inesquecível.
Reservas podem ser feitas pelo www.chandon.com.br ou pelo WhatsApp (54) 9 9203.4067.
(Foto: JULIANO PALMA/ Chandon/ Divulgação )Ambientação, nos tons dos espumantes, confere ainda mais charme ao espaço
(Foto: JULIANO PALMA/ Chandon/ Divulgação )Boutique de espumantes da Casa Chandon, em Bento Gonçalves
(Foto: JULIANO PALMA/ Chandon/ Divulgação )Ambientes ao longo da Casa Chandon recebem para experiências e degustações
A força do cooperativismo
O trato com cada família cooperada, o uso consciente dos recursos naturais, o destino correto dos resíduos e o estímulo à produção orgânica fazem parte de uma rede de ações que a Cooperativa Vitivinícola Nova Aliança construiu em 95 anos de história e trabalho, e que não abre mão.
Atualmente, são cerca de 700 famílias cooperadas que, juntas, mantêm 2.000 hectares de vinhedos na Serra Gaúcha para engarrafar mais de 100 rótulos de vinhos, espumantes e sucos, que chegam à mesa dos brasileiros todos os dias.
Cooperativa vitivinícola mais antiga em operação no Brasil, a Nova Aliança tem mais de 250 funcionários nas três unidades - matriz em Flores da Cunha, e filiais com processamento em Farroupilha e Santana do Livramento. A experiência de produção coletiva é um caso mais do que atual quando se fala em boas práticas ESG.
Exclusividade e experiências
Na Rota Cantinas Históricas, no interior de Bento Gonçalves, fica a vinícola Cristofoli. A sensação é de volta no tempo, tanto pela arquitetura das casas, quanto pelo ar bucólico de todo o ambiente e entorno.
É nesse clima que a família Cristofoli recebe visitantes para inúmeras experiências tendo como ponto central seus desejados rótulos.
Piquenique nos parrerais, degustações harmonizadas e a última novidade: almoços no restaurante novinho da vinícola.
Inspirado nas receitas de gerações passadas da Família Cristofoli, com toques da culinária contemporânea, o restaurante tem no comando a jovem chef Bruna Borges, de 29 anos, além do sous Guilherme Kaczala, de 24 anos. A experiência, em elegante mesa posta, custa R$ 240 por pessoa com quatro passos harmonizados com rótulos da casa.
Informações e reservas podem ser feitas pelo site www.vinhoscristofoli.com.br ou pelo WhatsApp (54) 9 8403.9247.
Lotes especiais
Quando a Vinícola Miolo abriu as portas do porão da casa de pedra erguida pelo imigrante Giuseppe Miolo para receber turistas, o Vale dos Vinhedos estava florescendo. As estradas ainda eram de chão batido.
Era o início da década de 1990 e a Família Miolo já dava as primeiras investidas no enoturismo, antes mesmo de o roteiro se tornar oficial. A Osteria Miolo, como era chamado o pequeno restaurante, foi onde a vinícola recebeu os primeiros grupos em torno da boa mesa italiana e de uma bela taça de vinho.
De lá para cá, o turismo de experiência só cresceu e hoje a Miolo Wine Group (MWG) oferece nove atrações enoturísticas. Três delas estão entre as novidades: o Roteiro Terroirs no Vale dos Vinhedos e os Roteiros Expedição Lendária e IP Campanha Gaúcha, em Santana do Livramento.
Um dos pontos altos de quem visita as casas da Miolo é fazer a degustação a Coleção dos Sete Lendários. Isso somente é possível quando a vindima é espetacular, ao mesmo tempo, nos quatro terroirs onde a vinícola fincou suas raízes - Vale dos Vinhedos, Vale do São Francisco, Campanha Meridional e Campanha Central.
Os sete vinhos tintos - Miolo Merlot Terroir, Miolo Testardi Syrah, Miolo Quinta do Seival Castas Portuguesas, Miolo Vinhas Velhas Tannat, Miolo Sesmarias, Miolo Sebrumo Cabernet Sauvignon e o Miolo Lote 43 - nascem dos vinhedos próprios, maior patrimônio da marca.
Aconchego e enofilia
Empanadas, tortinhas, tapas, caldos e sobremesas são opções para degustar com os rótulos da vinícola Geisse, que mantém sede em Pinto Bandeira. Restaurante ao ar livre num belo jardim é um convite a esquecer do tempo.
Embora com um ar jovial em sua comunicação visual, a vinícola tem décadas de história, desde que Mario Geisse identificou o potencial do sul brasileiro para a produção de espumantes e iniciou uma história de sucesso.
De todo o espaço da vinícola, pouco mais de 36 hectares são destinados à produção, menos da metade de toda a propriedade da família. Nestes hectares encontra-se o melhor solo para cultivar uvas Pinot Noir e Chardonnay.
Informações e reservas pelo www.familiageisse.com.br.
História e romantismo
Visitar a Casa Perini é adentrar no universo de seu fundador, Benildo Perini, a quem é dedicado um dos rótulos de maior prestígio da vinícola.
Com sede robusta, composta por restaurante e boutique de vinhos e acessórios, espaço também oferece experiências como passeios de bicicleta pela propriedade, degustações e eventos. Próximo à Igreja dos Santos Anjos, Farroupilha - RS, é parada obrigatória navisita à região.
Informações e reservas pelo www.casaperini.com.br
Confira mais destaques
Conheça essas e outras vinícolas do roteiro nos Destaques do Instagram @pauseopovo, onde a reportagem percorre a Serra Gaúcha com mais fotos, vídeos e entrevistas.
Onde ficar:
Inaugurado durante a pandemia da Covid-19, o Boulevard Convention Vale dos Vinhedos é um dos hotéis mais novos da região e fica em localização estratégica para quem deseja fazer roteiros de enoturismo. O empreendimento conta com serviços de excelência e fica em complexo com lojas alto padrão.
Como chegar:
Enquanto essa matéria era escrita, o aeroporto de Porto Alegre (RS) havia retomado as operações de forma parcial. Enquanto aquele terminal se organiza, uma das melhores formas de fazer o roteiro da Serra Gaúcha saindo do Ceará é pegar um voo até Caxias do Sul.
Ponto de vista: Muito além do Tchê
Finalizei esse roteiro de enoturismo, na Serra Gaúcha, com as emoções e percepções mexidas, e não apenas pelo efeito dos maravilhosos vinhos.
Num contexto de tragédia ambiental e muitas perdas de diversas ordens, encontrei um povo que enxuga a lágrima com uma mão, enquanto estende a outra a quem chega e oferece o seu melhor.
Por diversas vezes, me emocionei ao ouvir as falas sinceras de agricultores de uvas, empresários do vinho, cidadãos gaúchos revestidos pela resiliência, a resignação e a força que envergam a identidade cultural desse pedaço do Brasil. Embora a região serrana não tenha sido diretamente atingida, as perdas são sentidas por toda parte.
Diferente de outras paragens, onde a ânsia pelo "novo" sai destruindo capítulos da história, no Rio Grande do Sul a conversa começa pelos antepassados, por quem edificou o primeiro tijolo, numa ode respeitosa à ancestralidade.
Os objetos não são apresentados pelo valor material, mas como relíquias memoriais de quem por ali um dia esteve.
Família. Família. Família.
O gaúcho desconstrói a autocracia do individualismo contemporâneo. O pensamento, o trabalho, a forma de ver e viver são essencialmente coletivas. Uma prova disso são as cooperativas que embasam uma parcela significante da economia nas cidades, um formato antigo, mas absolutamente atual quando pensamos em soluções de sustentabilidade ambiental e social.
A mesa é sagrada. A comida é sagrada e chega sempre com reverências a quem plantou e aos que cozinharam, à terra, às águas, ao sol.
Por algumas vezes, senti-me num mundo que eu, na celeridade que o Jornalismo impõe aos dias, pensei nem existir mais. É genuíno, sincero, simples, quase inocente.
Sobre os vinhos gaúchos, eles rendem prêmios, movimentam cifras altas, mantêm populações e são uma alavancagem fundamental para a economia dos rio grandenses. Mas o brilho no olhar dos que produzem não tem relação com esses troféus midiáticos e financeiros. O lance ali é amor ao processo, do vinhedo à taça, num silêncio religioso aguardando a opinião de quem degusta a obra-prima líquida.
Saí extasiado, de vinho, de humanidade, de lembranças.