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Atriz, bailarina e palhaça: Samia Bittencourt ressalta desafios dos 30 anos de carreira
Vida & Arte

Atriz, bailarina e palhaça: Samia Bittencourt ressalta desafios dos 30 anos de carreira

Celebrando 30 anos de carreira, a atriz, bailarina e palhaça Sâmia Bittencourt é protagonista de uma trajetória onde o riso é lugar de cura e revolução para as mulheres
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Com importantes espetáculos no currículo, Sâmia Bittencourt é acrobata, atriz, bailarina, diretora e palhaça
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Com importantes espetáculos no currículo, Sâmia Bittencourt é acrobata, atriz, bailarina, diretora e palhaça

Quando Sâmia Bittencourt encantou-se pela primeira vez com as figuras cômicas do reisado, não sabia que ela mesma poderia provocar aquele riso no público. À época, a artista estava na Companhia de Brincantes Boca Rica, dirigida por Oswald Barroso. "Eu era muito quieta, não sabia que eu fazia rir", conta. Sua formação artística começou em 1993, no entrelaço entre dança, circo e teatro, influenciado pela cultura popular, que a levou ao canto e à paixão pela música também. No ano seguinte, estreou dois espetáculos. E, em 1995, deu os primeiros passos na comicidade com o espetáculo "A Comédia do Boi".

Os trabalhos continuaram com Acleilton Vicente, a quem chama de "seu grande mestre no circo", e Cláudio Ivo, com o espetáculo "Nada, Nenhum e Ninguém", onde ela fez a palhaça Nada. Sem referência de outras mulheres palhaças nesse período, Sâmia tornou-se autodidata para entender, a partir de suas ações em cena, o que provocava o riso do público. "Comecei a me moldar nessa observação de estar fazendo o próprio espetáculo. E foi assim que eu comecei a estudar palhaçaria: a partir do meu fuxico do palco", compartilha rindo.

Com o falecimento de Acleilton, para homenageá-lo, Sâmia fundou a própria companhia em 2007. "Todo mundo chamava o Acleilton de Clê. Daí eu dei esse nome para a companhia: CLE, que significa Circo Lúdico Experimental", explica. O grupo começou com sete membros e, aos poucos, acabou formado apenas por mulheres. Nos encontros, questões sobre maternidade, machismo e misoginia eram abordadas. Atualmente, além de Sâmia, a Cia. CLE é formada por Samara Garcia, que a ajudou na fundação, as irmãs Daniele Freitas e Nataniele Freitas, que está de licença maternidade, Mayara Maria e Rafaele Santos, que colabora com o grupo na parte técnica.

O primeiro espetáculo da CLE, "Erêndira", estreou em 2011 e continua no repertório do grupo até hoje, com a temática das mulheridades. De acordo com Sâmia, a apresentação trouxe para a companhia a descoberta de uma metodologia para a cena, aliando técnica circense e poesia. O roteiro foi inspirado na obra de Gabriel Garcia Marquez. No intuito de fortalecer o protagonismo feminino, elas buscam ter nas peças uma ficha técnica composta apenas por mulheres.

Em relação à palhaçaria, Sâmia também atua com trabalhos solos. "Eu tenho a Nada, que é essa palhaça mais clássica, eu tenho a minha palhaça que se chama Pirrita, que é mais popular, mais nordestina, e eu tenho agora a Alzira, que é a minha bufa", lista.

Recentemente, a artista, que começou a pesquisa com bufonaria, quis transformar os desassossegos em criação com o espetáculo "Alzira, onde a poesia insiste em rasgar o caos". A narrativa é um retrato da mulher que abre a vida ao mundo para mostrar seu sofrimento com o sistema machista, partindo de uma comicidade mais crítica, porém, que gera identificação. "Alzira foi pensada bem dentro do lugar de que passamos por muita coisa para enfrentar a sociedade patriarcal, mas temos o riso como lugar da cura. O espetáculo traz a deusa Baubo, da mitologia, que tem seu encantamento e cura pelo riso", enfatiza.

Bittencourt destaca que o lugar da mulher palhaça é muito importante e, cada vez mais, tem conquistado espaço nos palcos, nas praças e nas ruas. Inclusive, para o segundo semestre de 2024, a prioridade é entrar em cartaz com "Alzira" em todos os palcos cearenses e seguir com os trabalhos solos, enquanto a CLE aguarda a volta de Nataniele da licença-maternidade.

Da falta de espaços para treinos às dificuldades de entrar em cartaz, além de conciliar a carreira com a maternidade, ela fala que as políticas públicas ainda são pensadas de forma rasa para manter os artistas em cena. "Hoje em dia nós não conseguimos ficar em cartaz porque os valores de palco dos equipamentos são altíssimos. Para estar em cartaz, ficamos dependendo de um edital de programação, então é uma luta", desabafa.

A artista, que é também intérprete-criadora na Companhia da Arte Andanças, dirigida por Andréa Bardawil, conta que se sente desafiada pela arte todos os dias. Um desses desafios é o envelhecimento do próprio corpo. "Eu, enquanto dançarina e acrobata, tenho que lidar com um corpo que tem mais dores", divide.

Em comemoração aos 30 anos de carreira, a palhaça quer seguir provando que é possível colocar as obras em cartaz, fazer rir e refletir. "Minha mãe, se duvidar, morreu pensando que eu ainda faria um concurso público", brinca. Mas Sâmia continua pegando suas questões, atribulações e críticas e transformando-as em arte. "A forma que eu tenho de contestar, ou de protestar, ou simplesmente falar de amor é pela arte", avalia. E completa: "Dentro de mim ainda tem muita vontade de fazer e de mostrar".

 

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Instagram:
@samiabittencourt

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