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Conheça Amandyra, protagonista de "Greice", premiado filme cearense em cartaz
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Conheça Amandyra, protagonista de "Greice", premiado filme cearense em cartaz

Atriz principal do filme "Greice", Amandyra costuma dizer que é "metá-metá", metade São Paulo e metade Ceará
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Foto: Viggo/Divulgação Atriz Amandyra é protagonista de "Greice", longa-metragem vencedor do festival Olhar de Cinema

A fé de que mudar para São Paulo e procurar emprego por lá poderia ocasionar uma mudança de vida foi o que uniu os pais de Amandyra. Ambos cearenses, Ana Cristina e João Raimundo foram para o Sudeste a fim de proporcionar uma vida melhor para si e suas respectivas famílias e acabaram também se encontrando, assim tendo a chance de criar a própria família. A partir disso, Amandyra e sua irmã foram criadas em Guarulhos, em uma "quebrada chamada Ponte Alta".

Com um tempo da mudança do casal, a família do pai da artista também mudou-se para o estado paulista. Com isso, os pais de Amandyra ainda a trouxeram para passar o primeiro ano de vida no Ceará, mas a falta sentida da família paterna os fez voltar para Guarulhos. E foi lá onde ela encontrou o verdadeiro amor de sua vida: o teatro.

Ainda na escola, sua aula preferida era a de Educação Artística, para a qual se dedicava muito mais do que para as outras, como se o sentido de sua vida fosse entregar o melhor trabalho de Artes. Tal amor era percebido até pelos docentes de onde estudava, os quais já a escalavam para ser a atriz principal das peças escolares, já que ela sempre se dedicava e corria atrás de estar envolvida nisso. Todavia, foi só no Centro Educacional Unificado (CEU) Ponte Alta onde ela teve contato com o primeiro cursinho de teatro.

Contudo, apesar de as artes cênicas já serem parte dela desde a infância, nem sempre ele foi tido como uma certeza profissional. "A memória política do nosso País não deixa que os nossos pais sintam alívio e confiança no trabalho do artista", afirma Amandyra. Sendo assim, tanto para ela quanto para seus pais, o teatro começou como um hobby e a fez procurar informações sobre a atuação em outras áreas, como na Administração e na Informática, mas sempre acabava voltando ao teatro. "Eu tinha apoio sim, mas era um apoio que ia sendo construído no dia a dia", complementa.

Dessa forma, quando chegou a vez da artista ir para a faculdade, o destino a levou para cursar licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Ceará (UFC), o que ela define como um movimento de retorno para um território que também a pertencia e um pedaço dela que ela ainda não conhecia. Ao retornar para a capital cearense, Amandyra passou a morar com a avó e sentiu-se mergulhada em uma nova cultura de forma mágica. Ao sair da casa do pais, ela achava que seria apenas para fazer faculdade e depois voltaria para Guarulhos, mas Fortaleza a conquistou de vez. "O mar era um evento em São Paulo, mas era o meu quintal no Ceará", comenta.

Sendo assim, a cidade foi essencial para o crescimento dela como artista e sua chegada até o filme "Greice", uma produção entre Brasil e Portugal dirigida pelo cearense Leonardo Mouramateus. A artista conta que chegou à personagem graças a uma amiga em comum com Leonardo que a indicou para o trabalho e os fez marcarem um encontro na praia para conversar sobre o projeto do cineasta. Neste dia, eles caminharam pela orla de Fortaleza e puderam se conhecer melhor enquanto artistas, para que, ao fim do dia, Amandyra se tornasse Greice e estreasse como protagonista de um longa.

Ela lembra ainda que inspirou-se no dom de comunicação da mãe para construir sua relação com a personagem, já que a mãe sempre trabalhou com vendas e público e também precisa usar a palavra para conquistar as pessoas. "Eu tento sempre defender a Greice como uma não mentirosa, ela é também, mas ela tira coisas da cartola, ela sabe gingar com a palavra e gingar com as histórias. É isso que eu acho muito importante", explica.

A estreia do filme no Brasil ocorreu no 13° Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, ocorrido no último mês, e levou Amandyra a vencer a categoria de Melhor Atuação. Tal exibição a fez lembrar que o primeiro emprego de carteira assinada que teve foi em um cinema, então sempre trabalhou com cinema, mas de uma outra forma, o que tornou a experiência ainda mais especial para ela. Antes de ganhar o prêmio, a artista foi marcada pela frase "quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela" e foi assim que se sentiu, entendendo que aquele não era um prêmio que ela ganhou sozinha e que, caso qualquer outra atriz preta o ganhasse, ela também se sentiria contemplada.

"A arte para mim é encontro, então o cinema não é diferente de todos os encontros que eu tenho tido até aqui. Eu estou muito ansiosa para encontrar as pessoas, trocar ideia sobre o filme e perceber a recepção. Óbvio que isso abre uma margem para o medo, a margem de "o que será que vai acontecer nesse improvável", mas isso também é muito gostoso", afirma. "E eu quero muito que o Ceará assista, eu fiz esse filme para ver o Ceará assistindo também, então eu tô muito curiosa".

Atualmente, ela dirige o espetáculo "Vulcão Anastácia - O concerto" com o coletivo Vulcão e está trabalhando no projeto "Zuada", um possível solo da artista que deve estrear ainda em 2024, tendo como ponto de partida uma pesquisa acerca do livro "O reino dos bichos e dos animais é o meu nome", de Stella do Patrocínio. A atriz está ainda como um dos destaques da série "Da Ponte pra Lá", disponível na plataforma Max, e conta que essa foi uma experiência que a permitiu retomar a criação que teve em um território periférico.

Em relação aos projetos futuros os sonhos são muitos, mas sempre tendo a arte e suas pesquisas no campo afro-indígena como inspiração. "Para mim é importante pensar que uma pessoa negra é plural, então ela consegue, pode e deve dar voz a muitos personagens e muitas histórias. Então eu tenho muita vontade de fazer parte de histórias que fujam dos estereótipos esperados para uma pessoa negra", finaliza.

Crítica: Deliciosamente cambalacheira

Todo mundo tem uma prima que é, na mesma medida, muito querida e muito cambalacheira. Em “Greice”, novo filme de Leonardo Mouramateus, a personagem que dá título a obra tem justamente esse perfil.

Com sua mente criativa e uma lábia de dar inveja, a cearense que se mudou para Lisboa buscando o sonho de estudar arte, acessa espaços e conquista pessoas sem parecer fazer muito esforço. Greice (Amandyra) também parece não calcular muito seus movimentos e percebe menos ainda os rastros que deixa naqueles ao seu redor.

Quando um incidente a obriga a recalcular a rota e voltar à Fortaleza, ela vai seguindo pistas pouco claras em busca de redescobrir seu lugar no mundo. No processo, entre histórias mirabolantes e realidades fabricadas, ela vai perceber como o pertencimento está mais ligado às pessoas que se toca do que, propriamente, a onde se está.

No aspecto técnico, o longa tem uma série de acertos. As cores e ângulos de câmera são muito bem calculados e bem dispostos no quadro, além de uma edição muito competente que ajuda a manter o ritmo da narrativa quando nem sempre as atuações conseguem.

Além da montagem, o figurino consegue transmitir bem a personalidade da maioria dos personagens. Destaque aqui para as roupas de Greice e da diva pop para quem trabalha, Clea (Isabél Zuaa).

O filme tem uma leveza tropical que só o cearense poderia trazer. O carisma de Greice, aqui, também pode ser chamado de gaiatice. Tanto a obra quanto a protagonista passam uma sensação despretensiosa, a princípio. E a direção de Leonardo Mouramateus vai envolvendo o público na trama e criando suspeitas sobre a índole de todos os personagens, fazendo a experiência ficar melhor a partir da metade.

O humor algumas vezes ingênuo pode mascarar o mergulho na essência da personagem, mas Mouramateus é bem fiel a suas escolhas, seja no tom, no texto ou nas transições.
Quando o filme sai de Portugal e chega a Fortaleza, engata e permanece no ritmo que foi pretendido.

É na Terra do Sol que o longa apresenta os dois personagens mais carismáticos do filme, Márcia (Bruna Pessoa) e Enrique (Dipas). A simpatia impressa nos dois é o que vai levando Greice a pensar no que está fazendo da própria vida. Ela mesma se enrola na rede de histórias mirabolantes que vai criando e tenta desenrolar esse novelo sem cair em caixinhas com rótulos.

Uma comédia bem feita, mas diferente do habitual para o público brasileiro. É um humor mais sutil e diluído, mas que não deixa de fazer rir. As interações de Greice com Márcia são deliciosas e muito genuínas e servem como recurso narrativo para mostrar que, por trás da escultora, está uma garota que sempre tentou moldar a realidade em um cenário que lhe fosse mais favorável.

O uso dos absurdos cotidianos que não precisam ser sublinhados são muito bem explorados. Acabam funcionando, inclusive, enquanto uma forma de incluir os devaneios de Greice na chamada “vida normal”, como se tentasse afirmar que no meio de ondas de calor, dinheiro pouco e pias entupidas, viver na ilusão de achar que tudo está sempre bem, e que nada é impossível, faz todo sentido.

Greice quase sempre age em seu próprio proveito, mas também porque é assim que aprendeu a agir. Como dito em “O Auto da Compadecida”, a esperteza é a coragem do pobre, e de boba, Greice não tem nem a cara. Dá inclusive para traçar um paralelo com João Grilo. Ela é ambígua, é sorrateira e escusa, mas também é criativa, divertida e esperta. Greice é, sobretudo, amiga das circunstâncias.

"Greice"

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