Escritora, produtora cultural, organizadora do coletivo Mulherio das Letras Ceará, criadora da hastag #mulheresescrevam e outros frutos e flores: essa é parte da imagem dos quintais de Sânzia Patrícia Cacau. Em meio a uma rotina de lançamentos e feiras literárias semanais, como as três edições promovidas pela Secult-CE nas cidades de Sobral, Icó e Aracati em maio e junho, além dos contínuos eventos em Fortaleza como a II Feira da Literatura Cearense no BNB e até em shoppings, ela conversou com o Vida & Arte, reiterando a importância de olhar com cuidado e interesse as particularidades daquelas e daqueles que se aquilombam para resistir e reinventer práticas e políticas públicas.
Nascida em Natal, veio à capital cearense ainda aos dois anos de vida. Pelas futuras vias da profissão, encontrou Baturité, onde viveu vinte anos. Com a dinâmica da cidade pequena, na qual é crucial guardar segredos, diz ela, a escrita passou a ser uma forma de elaboração e contação de questões e causos. Um relacionamento considerado abusivo que durou dez anos interrompeu essa produção: "Uma vez ele invadiu minha gaveta, pegou minhas agendas… Lia tudo o que eu escrevia. Eu me sentia acuada, vigiada!" Raízes portentosas de árvores belas, entretanto, já lhe haviam cravado o solo: "Depois do divórcio, eu voltei a escrever. Na porta do cartório, a primeira coisa que eu disse foi: 'Eu vou voltar a escrever'".
Nos quintais das casas do Maciço, a escrita de Cacau passa, então, a se desenvolver com liberdade. O sonho, um adubo. Suas plantações, apesar da aparente reclusão geográfica, alargavam-se sobre a terra, encontrando o solo fertilizado pelas que vieram antes. "Comecei a seguir no instagram uma escritora paraibana, Daniele Cavalcanti,hoje moradora da Dinamarca, que participava do Mulherio das Letras Europa. Ela me manda um edital dizendo que eu arriscasse e mandasse minha poesia". O texto "Cartas para a saudade" foi selecionado e a autora, convidada para recitá-lo na Universidade para Estrangeiros de Perugia na Itália.
Cacau nos fala que seus escritos realmente tomaram forma quando ela, já em Fortaleza, teve a oportunidade de fazer uma oficina de escrita terapêutica para escritores. "Você precisa estudar para a sua escrita tomar forma!", alerta. A partir de então, nunca mais parou de regar palavras, nem o mundo de a convocar para comunicar seu plantio.
"O caminho da palavra é assim: você diz sim, as portas vão se abrindo e você vai aceitando os desafios. Minha poesia "Quintais" diz muito isso: escrever no muro meus desejos… E eu escrevia o que eu desejava para minha vida. E depois pular o muro e vencer os medos. A cada oportunidade eu digo sim", conta.
Ela então volta sua fala à força coletiva e menciona que, no coletivo Mulherio das Letras Ceará, ramificação da obra político-leitora-editorial da paraibana Maria Valéria Rezende, Cacau sempre está presente. "Na medida em que a gente foi se identificando, fomos encontrando mais e mais mulheres. Foram chegando pessoas com mais influência, conhecimento… E uma vai puxando a outra". Outrossim, a autora destaca a presença da artista, jornalista e colunista de O POVO, Ana Márcia Diógenes: "Ela nos ajuda incrivelmente com a questão da imprensa, da divulgação, da visibilidade…".
O coletivo, Cacau ressalta, quebrou sua solidão e fez da literatura uma ferramenta de restauro da autoestima, garantindo-lhe que não era o que ouvia de seu companheiro abusivo, por exemplo. Arrancando ervas daninhas e abrindo-se ao sol, a reunião do Mulherio com seu apoio e obra em comunhão possibilitam incessantes refazendas como a da vida da entrevistada: "No grupo, há mulheres, como eu, que nunca tinha imaginado que seriam escritoras. Eu jamais iria imaginar que o meu livro fosse publicado em Portugal e no Brasil". Ela se refere à obra Quintais (In-Finita, 2020) que já teve duas tiragens esgotadas e, em breve, chega a uma terceira.
Ainda para o futuro, Cacau, quer manter seu estado de ocupação, conforme previu durante o lançamento, em dezembro último, da coletânea "Mulherio das Letras: Mulheres,Velas & Poesia, organizada por ela e por Lucirene Façanha com a participação de 116 escritoras cearenses, de diferentes gêneros, radicadas em diversos lugares do país e até do mundo.
"As mulheres escrevem no Ceará. É por isso que eu não tenho parado". Individualmente, já está a caminho um novo livro "#SouPoetaEDaí?" e a marca de uma produtora com o título desta matéria, além de um selo editorial, o "Flor de Cacau", para publicação de textos de autoria feminina. Um jardim colorido, assim, mostra-se em formação.
Livro "Quintais", de Patrícia Caucau