Durante mais de cinco décadas de carreira, o pernambucano José Francisco Borges, mais conhecido como J. Borges, retratou temáticas como folguedos populares, religiosidade, folclore, cangaço e a vida no campo a partir de cordéis e xilogravuras. Com sua arte, ajudou a popularizar o cordel e se tornou referência nas linguagens.
Não à toa, afinal, o escritor pernambucano Ariano Suassuna chegou a considerá-lo "o melhor gravador popular do Brasil". Xilogravurista, cordelista, poeta e Patrimônio Vivo Imaterial de Pernambuco, Borges morreu na última sexta-feira, 26, deixando legado expressivo na arte nordestina e nacional.
O artista sofreu parada cardíaca. Ele tratava uma infecção na perna em sua casa, localizada ao lado do Memorial J.Borges, em Bezerros, sua cidade natal.
Nascido em 20 de dezembro de 1935 e filho de agricultores, J.Borges exerceu atividades diversas, como artesanato de cestas de cipó e brinquedos de madeira, carpintaria, olearia e marcenaria. Antes de ser xilogravador, ingressou na cultura popular a partir do cordel.
A empreitada começou em 1956, quando começou a vender folhetos em feiras de Pernambuco, Paraíba e Ceará. Seu primeiro folheto, "O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina", foi publicado em 1964 e foi um sucesso de vendas, sendo comercializadas cinco mil cópias em dois meses.
Na segunda publicação, "O Verdadeiro Aviso de Frei Damião", decide fazer a ilustração da capa por conta própria e produz sua primeira xilogravura, inspirada na fachada da igreja de Bezerros.
As obras do mestre já foram expostas em mais de 20 países, como Cuba, Japão, Estados Unidos e Venezuela. J.Borges recebeu o prêmio Unesco na categoria Ação Educativa/Cultural, Medalha de Honra ao Mérito do Ministério da Cultura e foi escolhido, em 2002, para ilustrar o calendário anual das Nações Unidas. Ele foi comparado a Pablo Picasso em uma reportagem do The New York Times em 2006.
A influência do trabalho de J.Borges se alastrava pelos estados vizinhos, e o Ceará não ficou fora disso. Personalidade de destaque no cenário cultural do Cariri, o artista cearense José Lourenço Gonzaga lembra da relação do pernambucano com a região.
Gonzaga iniciou a atividade artística ainda criança, ajudando o avô na Tipografia São Francisco, renomada editora de cordel do Brasil na época. Era nessa gráfica também que J.Borges "comprava cordéis e levava para Pernambuco". "Desde antes de nascer a gente tinha essa parceria com ele", brinca.
O cearense se refere a parcerias posteriores com J.Borges, sendo uma delas na Feira do Livro de Brasília, em que ambos falaram sobre xilogravura - um sobre o Ceará e o outro sobre Pernambuco. "Era uma troca de experiências sempre maravilhosa", compartilha.
José Lourenço iniciou trabalhos na xilogravura em 1986 e participou de várias exposições nacionais e internacionais. Hoje, é assessor artístico da Lira Nordestina (antiga Tipografia São Francisco), editora especializada na produção de literatura de cordel. Ele contribui para a memória, história e divulgação da xilogravura no Cariri cearense.
Ele ressalta a importância do trabalho de J.Borges: "Hoje perdemos um dos maiores incentivadores e apoiadores (do cordel e da xilogravura). Era uma pessoa muito boa, que divulgava demais a sua arte. Ele montou uma escola na linguagem típica do Pernambuco, de gravura forte e muito colorida. Perdemos um dos grandes mestres dessa linguagem".
O cearense, porém, destaca o legado deixado por Borges a partir de sua linhagem, com artistas como Ivan Borges, Severino Borges e Givanildo. "Ficamos felizes que, mesmo não estando mais nesse plano, ele continue fazendo história através dos filhos e dos sobrinhos. Essa escola vai estar sempre presente. Tenho felicidade enorme de ter tido parceria com esse grande mestre", enfatiza.